quinta-feira, 21 de setembro de 2017

ENTRE MORTOS E FERIDOS
 
romance
 
Por Joaquim A. Rocha 





// continuação...

- A que se refere concretamente? – pergunta o jovem, algo perturbado.

- Refiro-me aos africanos das antigas colónias. Muitos deles, milhares, depois da descolonização e independência, refugiaram-se em Portugal e por aqui vão permanecendo, desenraizados. Em Lisboa e arredores: Almada, Amadora, Odivelas, Sacavém, Loures, eu sei lá bem, e até um pouco por todo o país, instalam-se em barracas e habitações degradadas, desta maneira aumentando incomensuravelmente as dificuldades dos municípios em termos de habitação e segurança, não falando já na estética. Vieram também gerar inúmeros problemas sociais: são as escolas, os centros de saúde, os hospitais, que vêem em pouco tempo aumentar o número de utentes; são os empregos que faltam; o crime que cresce dia a dia; são os seus costumes que chocam, colidem, com os dos autóctones; o problema da língua, pois a maioria não falava, por incrível que isso pareça, português. Por outro lado, as mulheres africanas dão à luz um filho praticamente todos os anos e durante vários anos. Isso significa que dentro de vinte ou trinta anos Portugal não terá capacidade económica para assegurar a toda a população um nível de vida adequado. E a Segurança Social? Aguentar-se-á com tanta despesa?

     Será novamente a emigração, a debandada para outros países mais ricos? Mas como, se as novas tecnologias reduzem o número de operários? Será que a Alemanha, a França, a Suíça, precisam de mão-de-obra portuguesa?! Qualquer dia nem o Canadá, ou os Estados Unidos, necessitarão de operários estrangeiros.

       Henrique, embora reconhecendo algumas verdades no raciocínio de Cândido, não quer dar o braço a torcer, e replica:

- O meu amigo Cândido é um pessimista. Traça e prevê um futuro apocalíptico, catastrófico, para Portugal. Não acha que os portugueses poderão um dia emigrar para esses novos países africanos? Eles vão precisar de mão-de-obra especializada, de tecnologia, de engenheiros e arquitectos, de professores, de médicos, enfermeiros…

     Cândido não se dá por vencido com esse argumento:

- Só o amanhã o dirá, só o amanhã o dirá… Mas não te esqueças de que outros países mais poderosos do que o nosso, tais como a China e o Japão na Ásia, os Estados Unidos na América, a Inglaterra, Alemanha e França na Europa, Rússia etc., com outros recursos, quer científicos, quer tecnológicos, aguardam com extrema paciência, e perspicácia, a oportunidade para entrarem com armas e bagagens nesses territórios africanos, recentemente elevados a Estados.

- Haverá lugar para todos. O Cândido revela uma pontinha de racismo!

- Não! De modo algum. E penso que o povo português, de uma maneira geral, também não o é. A prova disso consiste no facto de diariamente: nos transportes públicos, nos centros comerciais, nos cinemas, em todo o lado, convivermos com indivíduos de outras raças não os hostilizando. Além disso, o nosso Governo e a nossa Assembleia da República nunca legislaram no sentido de expulsar estrangeiros do solo pátrio, mesmo aqueles que o mereciam. Mais: já começa a ser vulgar vermos rapazes negros a namorar com raparigas de raça branca, e vice-versa. Olha que no continente africano é quase um fenómeno assistir-se a isso. Crê-me: reconheço que era difícil a esta gente permanecer em Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné e cabo Verde, depois da descolonização.

- Posso saber por quê?

- Por duas razões fundamentais: a primeira porque muitos deles estavam demasiado ligados, de uma forma ou de outra, ao regime salazarista para não virem a sofrer retaliações, represálias, por parte dos Partidos que ascenderam ao poder; a segunda, porque os restantes, não quiseram participar num conflito entre irmãos, ou seja, na guerra civil (casos de Angola e Moçambique). Quanto a Cabo Verde, como sabes trata-se de um país muito pobre, sem grandes riquezas no subsolo, sem chuvas normais, pouco desenvolvido. Quando conseguirem, com a ajuda da tecnologia estrangeira, tornar a água do mar potável, então sim, esse arquipélago poderá crescer economicamente. Enquanto aguardam essa ajuda terão de viver quase exclusivamente da emigração.

- O meu amigo Cândido omitiu o povo de Timor. Também temos alguns timorenses em Portugal.

- Sim, ia-me esquecendo deles. De qualquer modo, o seu número não é significativo e pelo que tenho observado logo que lhes seja possível regressarão à sua pátria. Por outro lado, estão muito próximo da Indonésia e da Austrália, pelo que a influência desses países far-se-á notar de imediato, e eles, pouco a pouco, irão esquecendo Portugal.           

// continua...

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