quarta-feira, 6 de setembro de 2017

MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS
 
Por Augusto César Esteves







// continuação...

     Cioso como era da jurisdição real e porque de um abuso se tratava, não se admira a rapidez de D. Dinis para cortar, ainda neste ano de 1307, de uma única tesourada, não só nesta Vila, mas em todo o Alto-Minho, os voadouros do bispo de Tui, nosso prelado de então. Porque e como o fez, sem apresentar protestos nem trocar notas diplomáticas com o mitrado galego, di-lo esta pequena carta régia da sua Chancelaria:

     «D. Dinis, pela graça de Deus rei de Portugal e do Algarve, a vós, juízes e justiças de Melgaço, e de Pena da Rainha, e da Terra de Valadares e de Monção, e de todas as outras terras dos meus reinos, saúde. Sabei que eu fui informado pelos meus tabeliões dessas terras de Melgaço e de Pena da Rainha e de Valadares e de Monção que o bispo de Tui fez tal postura e tal constituição em seu Conselho Geral que todos os clérigos dos meus reinos que pertencem ao seu bispado, tanto os priores como os abades, como as abadessas, como todos os outros prelados, sob pena de excomunhão se não fizessem cartas, nem prazos, nem instrumentos, nem outras escrituras de servidão, senão pelo seu notário da cidade de Tui, e que antes confirme os priores e os abades e as abadessas, e os outros prelados que são dos meus reinos, fazem-nos jurar sobre os santos evangelhos que não façam nenhuma das ditas escrituras senão pelos seus notários de Tui. Porque ele, isto não podia fazer de direito e o faz contra a minha jurisdição maiormente que os clérigos do seu bispado que são do meu senhorio apelaram desse bispo para o papa sobre isto, e por outros agravamentos que lhes fazia, porém mando e tenho por bem que as escrituras que os notários do bispo de Tui fizeram não valham nem façam fé perante vós nem em todo o meu senhorio. E mando a todas as justiças das minhas terras, sob pena dos corpos e dos haveres, que guardem e façam guardar esta minha carta e que a façam publicar em seus concelhos. E mando aos tabeliões que a registem em seus livros. Dada em Coimbra no 1.º dia de Dezembro, el-rei o mandou, Martinho Lourenço a fez. Era M.CCC.XLV anos      

   Não andam nos livros de História grandes referências sobre as distracções preferidas por D. Dinis e no entanto não deixaria de se apurar a sua propensão para o jogo. Para essa monografia, dou eu uma achega sacada da história de Melgaço. Ei-la: com os juízes e concelho de Melgaço, jogou ele o rapa, pois lhe deu por carta de 25/2/1312 a terra de Valadares como alfoz, mediante o pagamento de trezentas libras pelos seus foros e direitos e em 1/6/1319 lha retirou da sua jurisdição por tal avença só forjar questões, como ele o disse por estas palavras:

   «E eu vendo isto por partir contenda e demanda que entre eles havia por razão dos juízes que o concelho de Melgaço havia a meter e irem todos a seu julgado pelos direitos que haviam de tirar em essa Terra de Valadares fazendo-se aí uns aos outros muitos agravamentos. Tive por bem de lhes fazer aí mercê e quitei aos de Melgaço as ditas trezentas libras que me haviam de dar pela dita Terra de Valadares e filhei-a em mim

   Curto é este extracto e pena é, decerto - dirão alguns leitores – não se publicar já na íntegra a última carta dionísia e, efectivamente, pena é, só pelo que se mostra da grandeza do termo e deixa entrever do bairrismo dos valadarenses, mas estes e os estudiosos do passado melgacense poderão ler no Apêndice, entre outros, estes documentos da chancelaria de D. Dinis. // Mas nestes muros há um grupo de pedras na mesma fila reunidas pelo destino, para falarem à alma melgacense só do reinado de D. Afonso IV. Quatro são elas para contar, cada uma, seu feito diferente. Uma parece dizer: - Eu sou velhinha, muito velhinha mesmo. Nesta face alisada pelo canteiro o musgo de tantos séculos já me cavou rugas fundas e, à força de viver, já também sinto o cansaço da memória; mas o melgacense pode ainda hoje reviver comigo aquelas horas frenéticas de trabalho e frenéticas de entusiasmo, que precederam a guerra com Castela.

     Foi em princípios de 1336 que D. Afonso IV fez o apelo no reino e Melgaço a ele respondeu. O concelho, segundo as listas organizadas, convocou logo os cavaleiros vilãos, os lanceiros e, quiçá, o corpo de besteiros do termo, tantos quantos devia fornecer à hoste e o alcaide-mor preparou bem a resistência, aprovisionando a praça de munições e de vitualhas, acabando por enchê-la com a sua gente de guerra. Rui de Pina não o diz expressamente, porque os cronistas do seu tempo tanto não esmiuçavam, mas pelas palavras da Crónica de el-rei D. Afonso o quarto, isso se infere, como vereis:

   «...logo com grande pressa foram cartas e mandados pelo reino que todos com mais gentes que pudessem e com cavalos e armas se percebessem e estivessem logo prestes até um dia certo, e assim mandou a todos os alcaides e cavaleiros dos Extremos que logo com todo o mal e dano assim começassem a guerra contra Castela e naturais dela, matando, roubando, e queimando, e cativando, assim como contra inimigos mortais, porque por tais os tinha, e sobre isso mandou logo velar e roldar (rondar) as suas Vilas e castelos, e acalmá-los, e provê-los de mantimentos e armas e gentes, e de tudo o mais que cumprisse para cercos e para quaisquer outras necessidades de guerra se lhe sobreviesse e logo mandou...»

   Diz outra: …

      Tudo isto, anda nos livros; questão é perscrutá-los com interesse e carinho. Foi no estio desse ano de 1336 que, à ordem de el-rei, o seu irmão D. Pedro, conde de Barcelos e autor do nosso primeiro livro de linhagens, cobriu de tropas toda a fronteira do rio Minho. Isso fez com as «gentes das comarcas de Entre Douro e Minho, e Trás-os-Montes», e como no termo daquelas se inclui esta vila tenham por certo estarem no grosso das tropas reunidas em Valença, à volta do quartel-general estabelecido no convento de Ganfei, toda a gente convocada nos começos do ano, ou quantos mais não fossem, os reguengueiros de Melgaço, bisonhos, talvez, mas animosos e preparados para a toda a hora entrarem pela Galiza a dentro. // E esse momento chegou quando o arcebispo de Santiago, fronteiro da Galiza, e Rui Pais de Bania, adiantado ([1]) galego, puseram o seu exército em marcha na esperança de encontrarem desprevenido e despreocupado o capitão português. Avisado desta marcha, D. Pedro vadeou as águas do Minho com sua hoste e foi ao encontro do inimigo: poucas horas gastou para o encurralar no castelo da Entença e três dias lhe chegaram para queimar e devastar toda a Galiza, desde La Guardia até Santiago, «…onde fez muito dano com roubos, e mortes, e cativeiros de muitos que trouxe a Portugal com grande honra, e bom nome que o conde Dom Pedro nesta frontaria ganhou, porque houve nela resistências, e pelejas com o arcebispo de Santiago que era o fronteiro, e com outros senhores daquelas partes, dos quais alguns desbaratou, e pôs em fugida, e outros cercou com muito esforço, e preitejou ([2]) como quis

// continua...

[1] Fronteiro-mor.
[2] Preitear, ajustar, pactuar, combinar, contratar.
 
 

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