quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO

Por Joaquim A. Rocha




MELGAÇO EM AGOSTO


     Este ano, sim! Cheguei a Melgaço no dia 7 e regressei a Lisboa no dia 24. Pude assim assistir, do primeiro ao último dia, à Festa da Cultura. Assisti também à festa da Senhora da Pastoriza, cujo interesse (refiro-me à parte não religiosa) residiu na atuação do conjunto melgacense «Contacto». As festas que se fazem nas diversas freguesias do concelho não têm, como antigamente, a publicidade suficiente, ou então são prejudicadas pelas festas da Vila, cujo orçamento é bem superior. Recordo-me que era raro eu perder uma festa: sobretudo aquelas que se realizavam perto da vila ou que tinham acesso fácil por estrada (Paços, Cristóval, Penso). Sempre a pé, pois os carros nessa altura contavam-se pelos dedos das mãos e só os ricos os possuíam! Os rapazes, e tantos eram, juntavam-se na Vila Velha e daí partiam rumo à “aldeia”, ao encontro das moçoilas que, ouvindo as alegres músicas que os altifalantes do senhor Reinales lhes transmitiam, os aguardavam ansiosamente! Em pequenos grupos, duas ou três, passeavam sorridentes, e de soslaio iam vendo se eles formavam também o grupo com o mesmo número; depois o seu passo ia diminuindo, até pararem completamente. Os rapazes aproximavam-se e o mais atrevido dirigia-lhes a palavra: - «Um lindo dia!» Quase como num eco, uma delas, afastando-se um pouco, respondia: - «Lindo dia, sim senhor!» E começava a caminhada, já formados os pares, à volta da igreja. Pouco havia para dizer nesses tempos: uma palavra, um simples gesto, um olhar conivente, diziam tudo. O namoro, o amor, o casamento, os filhos, tudo nascia de um quase silêncio!
     A festa da cultura começou na sexta-feira (dia 13) por volta das onze horas, na Biblioteca Municipal. Em primeiro lugar foram entregues os prémios dos V Jogos Florais (considero errado que alguns premiados não estejam presentes no ato da entrega dos mesmos; as pessoas que gostam de escrever – é o meu caso – concorrem pelo simples prazer da escrita, da participação, e não do prémio em si, em termos de dinheiro insignificante. O facto de se encontrarem longe não justifica a sua ausência; eu já tive dois prémios – em 1991 e em 1993 – e fui levantá-los). Seria desejável que os residentes no concelho concorressem mais aos Jogos Florais, fossem mais participativos. Fico admirado e triste por não haver jovens do ensino secundário a concorrer, e a ganhar. Será que os jovens melgacenses não têm interesse pela história da sua terra? Não têm talento e veia poética para escreverem um poema ao seu torrão natal? Ou será que as discotecas e a televisão lhes ocupam todos os tempos livres? É certo que se pode perguntar: «Escrever para quê? Para quem?» Eu fiquei dececionado ao ver o pavilhão onde se encontravam expostos os trabalhos dos vencedores quase sempre vazio; pelo contrário, no pavilhão onde se vendia alvarinho ao copo havia sempre gente! Mas por isso, deixo de escrever? Não mais concorro? Penso que se todos aqueles que escrevem abandonassem a caneta porque têm poucos leitores jamais haveria escritores dignos desse nome. Quase todos os poetas conquistam os seus leitores depois da morte física. Há, no entanto, exceções: Miguel Torga, Eugénio de Andrade, Sofia Melo Andresen…
     Como todos os anos, e após a entrega dos prémios, os oradores convidados proferiram discursos breves, mas importantes, sobre temas ligados ao nosso concelho. Este ano, além dos senhores padres Júlio Vaz e Aníbal Rodrigues, cónego António Vaz e Doutor José Marques, tivemos a presença da Doutora Alexandra Sousa Lima, que nos deu conta das descobertas arqueológicas que se têm verificado recentemente na freguesia de Castro Laboreiro.
     No edifício da Câmara Municipal estiveram expostos trabalhos de cerâmica do jovem Carlos de Oliveira, um artista a despontar, e peças de arte (autênticas jóias), feitas a partir de ferro velho e cujo autor, Luís Passos, da Areosa, não quer delas desfazer-se por dinheiro nenhum! - «Talvez a partir da peça número 100», disse-me ele.
     Nesses três dias de festa houve um pouco de tudo: futebol, música, dança, cortejo etnográfico, como em anos anteriores. Até fado! O “velho” Arnaldo Caçolas a cantar fado! Não canta lá muito bem, mas é uma voz melgacense. Fez-me lembrar o tempo em que o senhor Franklin Carneiro tocava guitarra e “fadistas de domingo” cantavam fado de Coimbra!
     O grupo musical dos bombeiros voluntários de Melgaço merece o nosso aplauso. A jovem vocalista, cujo nome não fixei, tem uma voz maravilhosa! Quanto à presença dos «Sitiados» na Festa da Cultura, parece-me um pouco deslocada. É um facto que eles atraem gente de todo o lado: Monção, Valença, Galiza, mas noite dentro (cerca da meia noite) e fora do ambiente natural da festa. Este grupo atua onde lhes pagam e nada tem a ver com manifestações culturais. Além disso, são exigentes: no preço, na segurança, nas condições de atuação. Será que a nossa Festa se vai tornar famosa graças aos famosíssimos conjuntos musicais? Melgaço, um novo Alvalade? O padre Júlio tem razão: «A Festa da Cultura pede uma revisão cultural séria e objetiva.»            
     A cultura, como se sabe, tem duas origens: a popular, criada pelo povo – poesia, contos, traje, artesanato, danças, etc., e a erudita, criada pelos intelectuais – poesia, teatro, narrativa, ensaio histórico, pintura, escultura, arquitetura, etc. Quando se deseja fazer uma Festa da Cultura de âmbito local, concelhia, como deve ser o caso da nossa, tem de se ter isso em conta e não misturar «alhos com bugalhos», isto é, ter pavilhões daqui e dali, comes-e-bebes junto aos pavilhões! – isso parece mais uma feira do que um festa! Por que não pôr à disposição de cada freguesia do concelho o seu pavilhão? Por que não realçar os trabalhos dos participantes nos jogos florais com a leitura dos textos? O próprio grupo musical dos bombeiros poderia musicar alguns dos poemas. Por que não uma peça de teatro integrada na Festa? A cultura não se pode encerrar numa redoma de vidro, mas a originalidade ainda é possível.
     Esta Festa é muito importante para o nosso concelho – não a deixem cair na banalização torpe! Querem contratar grupos de fora para animar as noites melgacenses durante o verão? Façam-no; mas não numa convivência promíscua!
     As montras das lojas, salvo raras exceções, têm um aspeto pouco asseado e com imensa falta de gosto! Por que não fazer um concurso de montras? Enriqueceria sobremaneira a festa e a Vila de Melgaço ganharia com isso.    


Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 993, de 1/10/1993.

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