quinta-feira, 21 de setembro de 2023

QUADRAS AO DEUS DARÁ

Por Joaquim A. Rocha 



// continuação de 27/08/2023



326

 

Já fui carne pra canhão,

Na guerra colonial;

Arrastei-me pelo chão,

Como acossado animal.

 

327

 

Tive o castigo merecido

Por ter nascido do nada;

Mas mesmo quase vencido

Destaquei-me da manada!

 

328

 

Eu nunca pedi favores

Às pessoas importantes;

São fidalgos, são senhores,

Altivos e arrogantes.

 

329

 

A Severa não morreu,

Como por aí se apregoa;

Mora no inferno e no céu,

Em Santarém e Lisboa.

 

330

 

A Severa é como o fado,

Dizem que morre e existe;

Mora aqui, em todo o lado,

Ora alegre, logo triste.

 

331

 

A Severa cantadeira,

Viveu somente prò fado;

Foi fadista a vida inteira,

Com a guitarra a seu lado.

 

332

 

A Severa foi-se embora,

Deixou-nos tristes e sós;

Que será de nós agora

Sem a sua linda voz?

 

333

 

Ai quem me dera rapaz,

Com os meus dezoito anos;

Eu de tudo era capaz,

Até de aceitar enganos!

 

334

 

Nas asas de uma gaivota

Percorri o firmamento;

O que vi já não importa…

Foi tudo deslumbramento.

 

335

 

Voltei nas asas do vento

Prà minha casa terrena;

Transformado em pensamento,

Com a alma mais serena.

 

336

 

Ai quem me dera um dia

Ter-te de novo a meu lado;

Voltar a ter alegria,

Cantar contigo o tal fado.

 

337

 

Nunca esqueci o teu leito,

Jamais o esquecerei;

Tenho-o guardado no peito,

No cofre que só eu sei.

 

338

 

Ai menina brasileira

Quem me dera brasilar;

Ter-te ao colo a vida inteira,

Ver-te sorrir e cantar.

 

339

 

Sou filho de uma esponja

E de um velho tinteiro;

Insaciáveis os dois,

Bebiam o ano inteiro!

 

340

 

Tenho uma filha ausente

E um pai que nunca vi;

Uma mulher mui doente,

Uma foto que sorri.

 

341

 

                   É triste perder amigos,

Vê-los partir para o além.

 Restam deles os jazigos,

As fotos que eles contêm.

 

342

 

É triste perder amigos,

Vê-los partir pra nenhures.

 Eles encontram abrigos,

Aqui, acolá, algures.

 

343

 

Quando entrei nesta vida,

Entrei pela porta errada;

O sol era de partida,

A noite era de chegada.

 

344

 

Quando entrei neste mundo,

Entrei pela porta errada;

Vi tudo sujo, imundo,

Gente pobre, desgraçada.

 

345

 

Quando trouxeram ao mundo

Este pobre ser sem sorte,

Deviam deitá-lo ao fundo

Daquele poço da morte.

 

346

 

Santa Rita, santa Rita,

Santa Rita, amor meu;

Atirai-me uma guita

Pra subir até ao céu.

 

347

 

Santo António, Santo António,

Santo António de Lisboa,

Afasta-me do demónio,

Dá-me uma vida só boa.

 

348

 

Ribeirinho, ribeirinho,

Que andas tu a cirandar?!

Traz água prò meu moinho

E peixe para o jantar.

 

349

 

O homem durante a vida

Por vezes porta-se mal;

São João é a guarida,

O tempero, nosso sal.

 

350

 

São João não foi pintor

Mas aprecia Dali;

Um Metrass sonhador,

Roupas de Dona Fifi.

 

351

 

   São João tem namorada,

Está feliz e contente;

Ela é bela, perfumada,

Não tem cara de doente.

 

352

 

São João ama Mimi,

Moça bela e morena;

Que conheceu em Madrid

Em uma noite serena. 

 

353

 

Na noite de São João

Não há frio nem morrinha;

Todo o mundo é folião,

Até o morcão alinha!

 

354

 

São João pra namorar

Disfarçou-se de mulher;

Foi a uma loja comprar

Um vestido a condizer.

 

355

 

Quem me dera, São João,

Ter a tua mocidade;

Ter uma pistola à mão

Para matar a saudade.


// continua...

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