domingo, 3 de setembro de 2023

FERREIRA DA SILVA

Por Joaquim A. Rocha


 

     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1518, de 12/7/1964: «PERGUNTAR NÃO OFENDE. // A propósito do mutismo de que se envolvem os melhoramentos e conservação dos bens públicos da nossa Vila, fizemos no último número deste semanário algumas perguntas inocentes, sem intenção reservada ou objeto de censura, simplesmente como esclarecimento de todos nós munícipes interessados e, ainda, como incitamento das entidades responsáveis à sua imediata e breve resolução. Temos o convencimento de que as quatro perguntas formuladas constituem outras tantas interrogações que bailam no pensamento dos melgacenses com uma persistência e teimosia de obcecados. Os motivos da sua ansiedade são evidentes e por várias vezes os temos expostos em linguagem corrente e em termos acessíveis a todos os interessados, seja qual for o grau de entendimento e instrução. A experiência ensina-nos que em Melgaço a execução dos melhoramentos programados fica-se… nas tintas do papel de escrever se não houver quem espicace, anime e incite, as pessoas ou entidades a quem compete a sua realização. Isto de obras públicas não vai apenas com boa vontade, excelentes desejos e melhores intenções: exige movimento, dinamismo, energia, alor e decisão. Não basta programar, necessita de espírito de realização, certo como é que entre o pensamento e a execução medeia uma larga distância por vezes difícil de percorrer. Continuamos, aliás, como prometemos, a enunciação de mais algumas interrogações que registamos na ordem das realizações possíveis, já estudadas e de urgente execução. Sabemos que foi solicitado superiormente o empréstimo para a realização do saneamento e abastecimento de águas potáveis, em ordem a beneficiar da comparticipação do Estado e do subsídio prometido por Sua Excelência o Senhor Ministro das Obras Públicas, na sua última visita ao nosso concelho; e também sabemos que a Câmara tem há muitos anos um anteprojeto dessa importantíssima obra de salubridade pública indispensável à valorização física da população e ao arejamento civilizador da nossa terra. Não conhecemos o estudo e anteprojeto dessa urgentíssima obra pela qual tanto nos temos batido, mas natural é que precisem de ser atualizados já porque desde então as condições técnicas e económicas evoluíram, já porque a mão-de-obra se modificou na oferta e no preço. Poderemos saber o estado atual deste momentoso problema, que consideramos como o primeiro, o mais instante e o mais premente da escala dos problemas locais?! Consta-nos que a construção da casa dos magistrados encravou, sem que conheçamos a natureza e a extensão da avaria de engrenagem que paralisou o bom andamento desta útil e inadiável obra para a qual o Cofre dos Funcionários do Ministério da Justiça já havia transferido para aqui uma verba relativamente importante. À realização desta urgente obra está ligada a construção do novo mercado municipal visto que o antigo terá de ser objeto de demolição e ainda bem; o que para aí está, a que indevidamente se chama mercado, é um autêntico estábulo, cuja traça parece ter obedecido à ideia de construir um cortelho destinado a proteger e guardar gado, e jamais de ali expor à venda géneros e artigos frescos de consumo, indispensáveis à alimentação do povo. Trata-se de um velho, inestético e anti-higiénico barracão, sobre o comprido e sem outra aplicação que não seja a de recolha de animais nos dias ensolarados e quentes de verão, ou frígidos e chuvosos de inverno! Que se passa, então, acerca da casa dos magistrados cuja construção esteve em vias de ser iniciada?! Já se pensou no local destinado ao mercado municipal, uma vez que por disposição legal não é permitida, felizmente, a sua construção no terreno anexo ao recreio das novas escolas, no qual se haveria pensado, certamente, para completar o jogo dos disparates em que vivemos de há muito, em matéria de obras, nesta linda terra melgacense?! E não será tempo de encarregar alguém de elaborar a planta e projeto do novo mercado, e de pensar na verba e comparticipação ao mesmo mercado destinadas?! Finalmente, que se passa quanto à construção do silo, câmara de decantação, etc., da obra destinada a receber e a tratar os lixos e os restos inúteis da Vila que tanta falta faz e as mais elementares regras de higiene reclamam?! Perguntar não ofende. E nós, munícipes pagantes, salvo o devido respeito pela opinião dos centuriões, temos o direito de saber.» // F.S.         

 

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     No Notícias de Melgaço n.º 1519, de 19/7/1964, lemos: «INDÚSTRIA AGRÍCOLA: // Produziu grande celeuma na lavoura a oficialização do que se considera erro nefasto, de reduzir a agricultura à categoria de “indústria”. Nos jornais e nas revistas da especialidade, espíritos desempoeirados de lavradores e de economistas, têm como sofístico o processo de separar no complexo agrícola o proprietário do rendeiro, armando este em industrial. A definição fiscal de “indústria agrícola” é tida como locução de objetivos mal desenhados, dentro do conceito que atribui à propriedade agrícola o processo evolutivo de uma indústria sã. Vejamos o que se passa quanto à propriedade e sentido do palavrão oficializado pelo novo regime tributário. Em economia política a palavra “indústria” significa genericamente todas as operações que tendem à produção de valores e, no sentido mais geral, o conjunto de tudo o que o homem realiza para produzir ou fazer circular as riquezas. O seu desenvolvimento efetua-se pela divisão do trabalho. No seu sentido mais lato “SAY” classificou de extrativas as indústrias dos produtos da terra e “DUNOYER” dividiu e corrigiu a classificação do “SAY”, separando a agricultura das indústrias extrativas e definindo de indústrias agrícolas as que produzem substâncias da terra por meio de metamorfoses que o homem conhece pelas leis da vida animal e vegetal. Em última análise, a indústria agrícola pode sintetizar-se na que visa a modificar e aumentar a produção animal e vegetal. Por isto, não nos parece que a designação de “indústria agrícola” empregada no novo regime tributário, que tantas reações provocou nos órgãos representativos da lavoura e continua a ser objeto de diálogos apaixonados e veementes, mereça a estranheza e o sobressalto dos seus opositores. No prosseguimento da reforma fiscal publicou-se o decreto-lei n.º 45104, de 1 de Julho do ano findo, que insere o Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola". Por estes diplomas separou-se do complexo agrícola a renda fundiária do lucro da exploração tornando passíveis aquela, de contribuição predial rústica, e esta, de imposto sobre a indústria agrícola quando ultrapasse o rendimento anual de trinta contos. Considerou-se, assim, a renda como parte do produto atribuível ao capital fundiário (prédio rústico), de lentas variações, e o lucro do capital investido na exploração, de consideráveis e inconstantes variações anuais. Na tributação separada de proprietários e rendeiros não se verificará o fenómeno que a lei e todos os economistas repelem, da “duplicação do imposto”?! Teoricamente parece que tal fenómeno não se verifica visto que ao rendimento coletável do prédio é abatido o lucro do cultivador. Porém, na prática, o problema tem aspetos curiosos se atendermos a que, o rendimento teórico (rendimento efetivo) é agravado de mais ou menos 10% respetivamente, nos anos de má ou boa produção. Regressemos à questão prévia da definição fiscal que constitui o tema destas ligeiras considerações. Desde longa data que a agricultura é tida como uma indústria no âmbito da economia política, muito embora entre nós, mesmo no aspeto da exploração, semelhante designação a consideremos imprópria se tivermos em atenção os seus princípios, leis e finalidades. Na realidade, a definição fiscal de “indústria agrícola” constitui uma expressão mal soante e uma inovação sem sentido tradicional, talvez porque se considerou utópica a ideia de separar radicalmente a renda fundiária do lucro da exploração agrícola, de se tornar difícil organizar um processo aceitável para o cálculo do lucro das culturas multianuais e, finalmente, porque carece do dimensionamento, organização, disciplina, contabilidade e modernização, ao menos aparente, das empresas industriais e comerciais. Esta questão para as pessoas menos versadas pode parecer de “lana caprina” (*); para nós, tem um sentido profundo e inculca-nos a ideia de que a agricultura se manterá fiel ao conceito da “arte de empobrecer alegremente”. /// (*) Coisa sem importância.        

 

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     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1520, de 26/7/1964: «ILUMINAÇÃO PÚBLICA. // Não há ou não pode haver, com justiça, duas opiniões discordantes sobre a distribuição e intensidade da iluminação pública do núcleo populacional da Vila. Pode afirmar-se com toda a afoiteza e verdade que a Vila, considerada nos seus limites urbanos, está muito bem servida e, pelo que conhecemos, é uma das localidades mais bem iluminadas do país, dentro da sua classe e ordem de classificação administrativa. Porém, fora do núcleo central, nas áreas periféricas constituídas pelos percursos Vila-Convento-Orada-Carpinteira-Prado, a iluminação pública parece irmã siamesa das lamparinas do Valverde que Deus conserve à sua guarda, em bom lugar, mas longe de nós. E não só no que respeita à intensidade luminosa nas lâmpadas, mas também ao número das que se mantêm acesas naqueles percursos, nomeadamente em alguns que desde tempos recuados gozam da preferência dos melgacenses para os seus passeios higiénicos depois do jantar – digamos, o trecho Calçada-Nossa Senhora da Orada. Sobretudo nesta quadra do ano em que o citado percurso ao longo da formosa estrada da Orada (?) é frequentadíssimo por grupos de interessantes melgacenses, em amena cavaqueira e boa disposição, sorvendo gostosamente a fresca aragem que ali sopra e os faz olvidar a temperatura asfixiante da caloreira do dia; nesta estação calmosa dizíamos, o sistema nada recomendável do 29-30, espera aí que eu já vou, da iluminação com lâmpada sim, lâmpada não, carece de qualquer justificação ou razão de ser e diminui o encanto do agradável e belo passeio naquela estrada. A quem pertence a responsabilidade ou a culpa desta falha tão fácil de remediar? À concessionária? Não. A concessionária cumpriu a sua obrigação contratual, dispondo ao longo dos percursos mencionados, em número suficiente, os postes e armaduras com as competentes lâmpadas de iluminação. Simplesmente, cremos que por economia, a Câmara mandou desligar, alternadamente, as respetivas lâmpadas, deixando sem luz longos espaços que se tornam em temerosos e escuros trajetos, quando se funde, ou por qualquer motivo se avaria alguma, ou algumas lâmpadas, o que é frequente. Por outro lado, a intensidade das lâmpadas de iluminação, nos percursos periféricos referenciados, é apenas de 25 watts, portanto insuficiente considerando a altura a que estão colocadas as armaduras nos respetivos postes e a área do espaço a iluminar. É evidente que esta insuficiência do poder iluminante das lâmpadas necessita de ser remediada urgentemente, dentro do que dispõe o caderno de encargos e constitui obrigação da concessionária. Vejamos: Nos termos do artigo 7.º do contrato da concessão, 6.º período, as lâmpadas de iluminação pública cuja potência não deverá ser inferior a 40 watts… Ora se não podem ser de potência inferior a 40 watts como se explica que se tenham instalado lâmpadas de 25 watts? Note-se que enquanto o poder iluminante em velas coincide com a potência em watts até 25, o mesmo não sucede com as de 40 watts cuja equivalência é de 50 velas. Desta forma, a iluminação dos percursos periféricos acha-se desfalcada duplamente, em potência iluminante e em número de lâmpadas instaladas mas propositadamente não acesas! Tudo isto por medida económica?! Não está certo. Não pode ser. O que se passa é ilegal e atentatório dos direitos e interesses dos munícipes. Quanto à instituição do pé-coxinho, 29-30, espera aí que já lá vou, poderia admitir-se, a título excecional, nos meses não considerados de estiagem, nunca nesta época em que o percurso da Orada é o favorito, mais atraente e frequentado pela população melgacense. É indispensável que a Câmara dê o exemplo do respeito pelos legítimos direitos dos munícipes e pela lei, que é a letra do contrato de concessão. De resto, são os consumidores de energia elétrica quem pagam a iluminação pública, com o contingente gratuito que a Câmara recebe da concessionária, equivalente a 50% do volume da energia faturada ao preço do 1.º escalão das tarifas I e II, acrescido de 25% do volume da energia faturada ao preço do 2.º escalão das mesmas tarifas. Será que as coisas que interessam a Melgaço, ou aos seus habitantes, constituem matéria proibida, por força do arbitrário índice da imitação fraudulenta da “Syllabus” que, para uso interno, foi decretada por quem carece de autoridade e poder para tanto?! // F.S.    

  

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     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1521, de 2/8/1964: «PLANTIO DA VINHA. // Temos notícia de que uma grande parte das propriedades aráveis adquiridas por compradores de terrenos rústicos, próprios para a cultura de cereais (milho em especial), têm sido adaptadas à cultura da vinha, sem atenção e sombra de respeito pelo que está determinado legalmente sobre o condicionamento e plantio de videiras. Este desvio da cultura de cereais para a cultura da vinha vem agravar a crise gravíssima que os nossos lavradores atravessam, assistindo aterrados de ano para ano ao aviltamento do preço do vinho de consumo da sua produção. É evidente que na medida em que aumenta a produção vinícola no nosso concelho, de consumo restrito, diminui o preço da venda, a ponto de se aproximar de limites aviltantes em que o custo da cultura se nivela, sensivelmente, com o apuro da venda. Tenha-se em vista que, se não fora a destilação, os nossos vinhos vender-se-iam a rastos de barato, não cobrindo a despesa de mão-de-obra, enxertia e tratamento fungicida e inseticida. E por mais que se reclame contra a alta de preços dos adubos e produtos químicos de tratamento e da mão-de-obra, de oferta cada vez menor e mais cara, resultante do êxodo da nossa população rural para terras gaulesas, e ainda das medidas governativas quanto à eliminação dos excedentes sobre o consumo, dia a dia mais reduzido por falta de consumidores, estabelecendo instalações de queima, o certo é que a produção necessita de ser limitada com base nas melhores castas regionais, tratamentos e cuidados de fabrico, em ordem à obtenção de boas qualidades em paladar, acidez e grau alcoólico. Ao contrário da escolha e preferência pelas castas regionais recomendadas oficialmente, a partir de estudos enológicos muito aturados e da maior utilidade, os nossos produtores inclinam-se para as castas estranhas, de grande produção, como o garnacho, grand-resir, mancia e produtores diretos, fabricando autênticas zurrapas, de caraterísticas inferiores que nem como água-pé se recomendam. Revertendo ao caso da adaptação das terras aráveis, próprias para a cultura de cereais, ao plantio de vinha, chamamos a atenção dos nossos leitores para o decreto-lei n.º 38525, de 23/11/1951, pelo qual se procurou modificar o condicionamento de plantio de videiras em ordem a melhorar a qualidade dos vinhos e a evitar os prejuízos de ordem económica e social. Na nossa região são proibidas, sob penas de multas pesadíssimas, as plantações de vinhas contínuas (bardos) não devendo sair-se das plantações em bordadura nos limites “caraterizadamente” materiais dos campos de cultura, com as castas tradicionais. Os produtores diretos, rigorosamente proibidos, apenas são permitidos em ramadas ou parreiras sobre terreiros, logradouros, poços, tanques junto das casas de habitação, com o fim ornamental ou para sombra. O plantio da vinha é passível de licença, na qual se indica o número de pés para o consumo dos casais e casas agrícolas, não carecendo de licença as plantações nas bordaduras dos campos (como já referimos) e ainda em bordadura de outras terras intensamente exploradas com culturas herbáceas ou pomareiras, destinadas à produção de uva de mesa. Nestas condições, é preciso ter o maior cuidado nas plantações, a que muitos dos nossos lavradores e simples proprietários de prédios rústicos procederam e estão a proceder para não sofrerem o desgosto do arranque das videiras e a aplicação de coimas elevadas. Aconselhamos a que consultem o Grémio da Lavoura, os Serviços Agrícolas, ou a Direção de Fiscalização dos mesmos Serviços, antes de procederem ao plantio de videiras nos terrenos ou em condições que a lei proíbe e formalmente condena. O que para aí está a fazer-se é arriscado e não prescreve com o tempo após o início da plantação.» // F.S.

 

 

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     NOTA: no Notícias de Melgaço n.º 1522, de 9/8/1964, o senhor Ferreira da Silva não publicou qualquer artigo em virtude de se encontrar no gozo de férias em Vila Praia de Âncora. 

 

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     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1523, de 16/8/1964: «FESTIVAL DE FOLCLORE. // Realizou-se no passado dia 9 do corrente mês, em Santa Marta de Portuzelo, sob o alto patrocínio de Suas Excelências os Ministros do Interior, das Corporações e de outras distintas entidades oficiais, o X Festival Internacional de Folclore, ao qual deram a sua colaboração a Espanha, França, Itália, Alemanha, Suíça, Holanda, Polónia e Israel, ao lado de quase todas as províncias portuguesas do continente, Cabo Verde, Angola e Goa. O produto deste brilhante festival foi destinado ao Movimento Nacional Feminino para a família dos nossos soldados e reuniu no vasto recinto muitas centenas de pessoas que tributou aos vários grupos folclóricos as mais vibrantes aclamações. Foi um lindo, colorido e apoteótico espetáculo no desfile e exibição curiosa dos grupos representativos das regiões etnográficas apresentadas neste interessante festival. Depois das palavras de esclarecimento e louvor pronunciadas pelo Diretor do Festival, Dr. Sousa Gomes, foram hasteados os pavilhões nacionais dos países concorrentes e toque dos respetivos hinos, seguindo-se a apresentação e saudação às bandeiras. Na 1.ª parte do programa marcou logo uma posição de notável destaque, que conservou até final, o Israel Folklore by “Hora” (Dance Groupe de Jerusalém) constituído por um grupo de gentis jovens e seus respetivos pares, o qual apresentou danças em conjunto de belo efeito coreográfico e admirável originalidade. A leveza e conceção dos bailados no estilo árabe, da música e das canções, produziu na assistência um frémito de agrado e entusiasmo que se traduziu em considerável ovação. O entusiasmo da assistência redobrou e quase atingiu o delírio quando este curioso e notável grupo folclórico apresentou a dança de roda portuguesa “Rosinha” cantada na nossa língua após um ensaio e aprendizagem de um período escasso de dez minutos! Depois deste excelente agrupamento etnográfico a nossa preferência recaiu no “Groupe Folklorique Polónia de Sochaux” que sobressaiu pelo contexto espetacular das danças de conjunto impecavelmente ensaiadas. Os restantes agrupamentos estrangeiros e nacionais não desmereceram e completaram a exibição folclórica, tornando-a num espetáculo movimentado, cheio de cor e de ineditismo, imprevisto e sedutor que despertou a curiosidade e os aplausos da numerosíssima assistência. Entre os grupos nacionais distinguiram-se os Ribatejanos, Douro Litoral, Minho e do Ultramar. Não há dúvida, porém, que o maior realce e agrado do público recaiu sobre o grupo do Estado de Israel, pela originalidade, leveza e cadência de movimentos, bizarria do contexto, singularidade de trajes e figuração coreográfica, tendo merecido, com justiça, fartos aplausos e grande ovação. Os organizadores deste belo espetáculo merecem os melhores encómios quanto à seleção dos grupos concorrentes e pena foi que não lhes tenha sido possível preparar razoavelmente o acesso ao local da exibição e um parque aceitável para o estacionamento dos centenares de autos dos assistentes. Notamos ainda, com infinito prazer, a presença do nosso conterrâneo, distinto melgacense Dr. António Durães, que ali foi enriquecer a sua valiosa e numerosa coleção, filmando as exibições de todos os agrupamentos, sendo de esperar que qualquer dia, quando o julgue oportuno, facilite a sua passagem no Salão Pelicano para que os melgacenses possam apreciar os grupos atuantes deste grandioso e belo Festival Internacional de Folclore.» // F.S.        

 

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     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1524, de 23/8/1964: «EMPRÉSTIMO MUNICIPAL. // Por despacho recente de Sua Excelência o Ministro das Finanças, foi autorizada a Câmara Municipal deste concelho a contratar com a CGDCP o empréstimo de quatrocentos e cinquenta contos de réis destinado ao abastecimento de águas e rede de esgotos da nossa Vila. Finalmente a nossa Câmara terá à sua disposição uma verba relativamente volumosa para iniciar as obras daqueles importantes e urgentes melhoramentos, pelos quais nos vimos batendo com denodo e com fé e que consideramos fundamentais à saúde da população. O montante do empréstimo concedido, aumentado da verba de trezentos contos de réis, oferecida por S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas na sua última visita ao nosso concelho, elevado ao dobro pela comparticipação oficial, atingirá o valor de mil e quinhentos contos, verba que permitirá ordenar os trabalhos e a execução das obras em grande extensão. O resto virá por acréscimo do produto de dádivas e comparticipações sucessivas na medida em que estes grandes melhoramentos se concretizem nos seus elementos essenciais de execução. Não há que recear quanto à falta de verba para o acabamento total desta obra importantíssima, visto que outras autarquias se viram em idênticos embaraços e que saibamos nenhuma delas deixou de as completar. Torna-se preciso, isso sim, iniciar imediatamente as obras e dar-lhe andamento consecutivo até ao esgotamento total da verba arrecadada, certos de que o empreendimento não ficará a meio e acabará por se concretizar objetivamente em toda a sua conceção e projeto. Não é de mais relembrar o que tantas vezes temos dito e de novo insistimos quanto à atualização do estudo e projeto elaborado em tempos e existente no arquivo municipal relativo ao saneamento da Vila. É natural ou mais propriamente, é quase certo, que o estudo e projeto referidos tenham de sofrer alterações, mais ou menos profundas, quanto à conceção, localização, custo, programa de trabalhos e prazo de realização. Por isto mesmo nós lembramos e voltamos a insistir, pela necessidade de chamar os técnicos a fim de que, novamente, se pronunciem sobre os trabalhos de gabinete e externos correspondente adaptação aos locais de execução. Temos de considerar que na rua do Rio do Porto já existe uma conduta central de despejo a qual terá de ser prolongada até às câmaras de decantação e acética, a construir em sítio apropriado do regato; os ramais individuais das casas de habitação e de uma forma geral dos prédios urbanos da citada rua terão de obedecer à situação da conduta existente e à circunstância desta vir a ser um nó do coletor dos despejos das moradias implantado desde a estrada e do bairro do Rio do Porto. O nosso propósito neste caso, como no de tantos outros, é incitar as autoridades responsáveis a andarem depressa, a abandonar o imobilismo que tanto tem prejudicado a nossa terra e os seus interesses, que lhes cumpre respeitar e defender. Não devemos ficar à espera de milagres; há que agir e agir, enérgica e diligentemente, em ordem a resolver os pequenos problemas iniciais dos melhoramentos a realizar: elaboração técnica de estudos e projetos, sua aprovação pelas estações (deve ser repartições) oficiais competentes, sua discussão e aclaração quanto à localização e programa de trabalhos, prazos de execução, resistência, qualidade e caraterísticas dos materiais a empregar, mapa das redes, locais de visita e ligação, etc. Há um sem número de estudos prévios a fazer antes do início dos trabalhos e, por agora, é a eles que nos queremos referir e pretendemos ver efetuados. Sem a sua resolução não é possível começar as obras, e tudo quanto represente retardamento refletir-se-á na execução, acabamento e concretização do saneamento e consequentemente na eliminação dos asquerosos cheiros e emanações pestilentas das ruas da Vila.» // F.S. 

 

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     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1525, de 6/9/1964: «CORTEJO ETNOGRÁFICO. // Enquadrado na castiça e tradicional festa da Senhora da Agonia realizou-se na linda princesa do Lima, capital do nosso distrito, o cortejo etnográfico do povo das bacias hidrográficas dos rios Lima e Minho. As festas de Viana sempre se impuseram pela grandiosidade, afluência de forasteiros e caráter estritamente minhoto, e no seu enquadramento destacam-se a tourada (!), representação etnográfica e festa do traje, que constituem grandes atrativos e brilhantes números do respetivo programa. Neste ano alguns dos números do seu cartaz decorreram com o habitual brilhantismo, especialmente a Festa do Traje, espetáculo sensacional e único, só possível em Viana, e do fogo-de-artifício, variado, feérico e numeroso, a projetar-se nas águas remansosas do rio Lima. O certame da Festa do Traje realizado a meio da tarde com extraordinária concorrência de (forasteiros), nacionais e estrangeiros, recebeu uma grande ovação de apreço e justificada admiração, à medida que as freguesias desfilavam chamadas por ordem alfabética de nomes. Bem merecidos foram os aplausos da assistência perante a riqueza, policromia e colorido do traje à (…), com as modalidades introduzidas nas diferentes aldeias em obediência aos atos em que são representados – mordomas, noivas e trabalhos rurais. Este número das festas, possivelmente o mais belo e sumptuoso, é sempre um acontecimento atraente e causador de admiração geral, tanto quanto ao traje como quanto à exposição de objetos de ouro: cordões, medalhas e outras joias de valor real, ostentadas galhardamente pelas lindas moçoilas em seus bustos constelados. A serenata e fogo-de-artifício no rio Lima constituiu um número de grande atração pelo seu ineditismo e pela profusão, beleza e artifício das suas peças, colorido, e efeitos de luz sobretudo, nos numerosos bouquets queimados e da apoteose final. Não diremos o mesmo quanto ao cortejo etnográfico que continua a merecer os nossos reparos quanto à abertura carnavalesca dos gigantones, cabeçudos, Zés Pereiras, e gaitas-de-foles, mais próprios de números das caraterísticas folionas do carnaval do que de uma representação séria e curiosa das atividades do povo do distrito. Na verdade, a abertura do cortejo provoca a mais desagradável impressão e reduz o interesse que deveria merecer, justamente, a vasta e admirável representação etnográfica da linda e afanosa região de entre Lima e Minho. Depois de um carro da cidade, representativo de uma nau dos velhos e gloriosos navegadores (com canhões indevidamente colocados abaixo da linha de flutuação) seguiram-se vários carros representativos das atividades rurais das freguesias, servidos por figurantes que bastas vezes usaram de propósitos e atitudes apalhaçadas que reputamos menos próprias da austeridade de um cortejo etnográfico mas que, no fim e ao cabo, estiveram em perfeita correspondência e ao nível da censurável abertura carnavalesca dos gigantones e cabeçudos. Após os carros, entremeados por bandas de música, seguiam representações de costumes e trajes das freguesias representadas, oferecendo um motivo curioso e dando uma nota muito interessante e agradável. Desejaríamos que os nossos ligeiros comentários chegassem aos ouvidos dos promotores de futuros cortejos etnográficos a fim de eliminar tudo quanto nele constitui ramboiada e folia carnavalesca e de substituí-las por representações sérias e dignas de serem mostradas e admiradas pela assistência.» // F.S.      

 

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     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1526, de 13/9/1964: «PERIGO DE INCÊNDIO. // Sob o título Soldados da Paz dissemos em artigo de fundo no número 1488 deste semanário, de 20 de Outubro, do ano findo: “O que neste concelho está a passar-se em matéria de prevenção e extinção de perigo de incêndio revela uma imprevidência criminosa, da qual só daremos conta quando tivermos de enfrentar um sinistro sério e extenso. Será, então, tarde; não conseguiremos debelar o inevitável”. O problema da prevenção e extinção de incêndios continua na ordem do dia a apresentar-se como uma ameaça terrível sobre as propriedades urbanas melgacenses, completamente expostas ao perigo de fogo, sem possibilidades de auxílio e de meios técnicos quanto à sua extinção. Neste capítulo das necessidades preventivas de Melgaço, estamos em piores condições do que as existentes há meio século pois que, naquele recuado período, não havia meios técnicos, mas não faltava dedicação e heroísmo em caso de sinistro ou de incêndio declarado. Os tempos eram outros, os prédios primavam pela construção em sólidas paredes de alvenaria exterior e interiormente, e os perigos de incêndio restringiam-se ao chão das lareiras e de simples combustão na fuligem das chaminés. Os melgacenses mais enraizados ao seu cortiço, e não contaminados pela corrente emigratória, acorriam prontamente, à compita, para debelar os sinistros, num admirável espírito de compreensão, de solidariedade e de humanidade. Presentemente os utensílios domésticos de transporte de água não constituem meios eficientes para debelar e extinguir fogos; os prédios estão mais sujeitos em virtude das matérias comburentes das tintas e plásticos, dos perigos de curtos-circuitos e outros, e do êxodo resultante da emigração, que arrastou para longe a população ativa e válida ou criou hábitos egoístas e sedentários, em que a solidariedade e a humanidade parecem não ter lugar. Temos um edifício que, ao que se diz, é a sede social dos BVM mas que na realidade está adaptado à realização de bailaricos, exposições e a garagem de particulares. Bombeiros voluntários de Melgaço?! // Onde estão os bombeiros?!

     Porventura alguém trata ou já tratou da organização de um corpo ativo que reacenda a chama da ética do bombeiro, criando-lhe o espírito de sacrifício, de abnegação e humanidade? Não! Em Melgaço não há bombeiros e, como não há bombeiros, é evidente que não há material de ataque a incêndios; não há escadas, não há manga, não há bombas, não há… nada! É, ou não, isto, verdade?! Imaginemos um incêndio na vila, de certo vulto, em prédio apalaçado ou de andar nobre. Na primeira fase do incêndio, e na melhor das hipóteses, assistiremos à gritaria barulhenta de algumas mulheres de boa vontade que, a par de impressionantes gritos de socorro, se prestam a ser aguadeiras, transportando diligentemente a água em cântaros e em baldes de uso doméstico. Quem despeja os baldes nos andares superiores sem meios de acesso? O fogo continua a destruir edifícios e recheios até que alguém se lembre de pedir, telefonicamente, auxílio aos soldados da paz da vizinha vila de Monção. Os monçanenses acorrem com o seu material e quando chegam ficam paralisados perante as ruínas fumegantes que um percurso de 24 quilómetros, demoras e paliativos não puderam evitar! Limitam-se a auxiliar a remoção do triste rescaldo da destruição total causada pelo sinistro que um pequeno corpo de bombeiros local poderia evitar. Ainda há dias no lugar dos Bouços, da freguesia de Prado, ardeu totalmente um edifício pertencente ao guarda-rios Manuel Augusto Gonçalves, cujo incêndio foi provocado por uma caseira ocupada na imprudente desinfeção de um poleiro de galináceos por meio do fogo! Salvo o gado, não se recuperou mais nada! Arderam todos os cereais, vinho e outros produtos da colheita. O edifício era de andar e a água não chegou à parte superior. Entretanto, da muralha da avenida que circunda a vila, grande multidão assistiu, curiosa, ao desenvolvimento do fogo! Lembra-nos o episódio do incêndio da velha Roma, provocado propositadamente pelos escravos do feroz tirano que passou à história com o nome de Nero, para que este sanguinário imperador (matricida?), assassino cruel, e ao que consta marido de todas as mulheres e mulher de todos os maridos, pudesse deleitar-se com o espetáculo inédito, e imponente, de ver uma cidade transformada em braseiro e os seus habitantes em fuga louca com medo de serem calcinados.» // F.S. // continua... 


       

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