quarta-feira, 7 de junho de 2023

OS NOVOS LUSÍADAS (...)

Por Joaquim A. Rocha



// continuação de 27/03/2023. 

27

 

Pedro restaura a Carta de novo,

Proclama rainha sua filha Maria,

 Torna-se popular, dá-se ao povo,

Mas ao elogio não resistia;

Enquanto sua filha está no ovo,

Mantem-se ao leme, na chefia.

Joaquim António de Aguiar

Assina lei para as Ordens acabar.

 

28

 

Em mil oitocentos e trinta e quatro

O regente deixa este ingrato mundo;

«Rei Soldado», herói que eu idolatro,

Lutou com garra, como antes Edmundo.

Vencer o mano foi lúgubre, atro,

Um penar doloroso e profundo.

A sua morte deixou mil saudades

Aos povos dos campos e das cidades.

 

29

 

O sábio Mouzinho da Silveira

Começou reformas fundamentais:

Acabar com morgadios, primeira,

Extinguir dízimos, velhos forais;

A sisa, a falsa e verdadeira,

E sobretudo direitos reais.

Criou a divisão judiciária,  

Para combater a fera alimária.

 

30

 

Nascem as províncias no país,

Comarcas e muito concelho;

Lembram-se os tempos de Dom Dinis,

Mas ali povo não mete bedelho…

O rei fez tudo o que ele quis,

Não aceitava ideia… conselho.

Agora regime é liberal,

Embrião de um novo Portugal.

 

31

 

Extinguiram-se as corporações  

Chamadas de ofícios e artes;

Eram mil centros de complicações,

Dos absolutistas seu estandarte.

Faziam secretas reuniões

Colocando liberais sempre à parte.

Era gente muito antiquada…

Com inovações não queria nada.

 

32

 

Extinguiram ordens religiosas,

Fecharam-se mosteiros e conventos;

Os frades e freiras, almas sanhosas,

Foram levados pelos fortes ventos…

Esteio das reais cabeças rosas,

Causadoras de fraudes e tormentos.

Em nome de um deus crucificado,

Sugavam o «Zé» mal alimentado.


33

 

Os mosteiros de Fiães e Paderne

Foram centros de enorme riqueza;

Vejam o seu âmago, o seu cerne…

Tinham de tudo: roupa, boa mesa;

Lampreia, sável, bom salmão e cherne…

Campos, pesqueiras, lareira acesa.

Os abades foram grandes senhores,

Eram, de reis e nobres, os mentores.

 

34

 

Vencedores decretam amnistia

Para os crimes chamados políticos;

Para «malhados» não é alegria,

Tornam-se coléricos, assaz críticos.

Não descansarão de noite nem dia

Até destruírem os maus levíticos.

Dom Pedro Quatro é apedrejado,

Morre meses depois, o desgraçado.

 

35

 

«Maria do Brasil», «Educadora»,

 Governou com prudência e saber,

Mas a terrível ira redentora

Quase tudo deitaria a perder…

Movimentos, revolta sedutora,

O ódio na forja a derreter.

Os duques da Terceira e Saldanha

Usaram de muita ronha e manha.


36

 

Neste tempo de Maria Segunda

Havia banditismo e guerrilhas;

Matavam, roubavam, e davam tunda,

Formavam grupos, enormes quadrilhas…

Circulavam às voltas, em rotunda,

Como cães agrupados em matilhas.

O “Remexido” e “Zé do Telhado”

Eram chefes de um grau elevado.

 

37

 

Tomás das Quingostas, no Alto Minho,

Com o seu pequeno ou médio bando,

Roubava presunto, milho e vinho,

Tudo que pudesse ia furtando…

Consta que respeitava o povinho,

Que até dinheiro lhe ia dando.

Nas lojas vendiam-lhe tudo a fiado

Para se verem livre do malvado.

 

38

 

Aceitava serviços de matança,

Em todo o Minho ou na Galiza;

Não temia forças de segurança,

Não receia fronteira ou baliza…

Ao condenado não dá esperança,

Pois a sua morte na mente giza.

Serviu políticos, gente graúda,

Dá vivas à rainha, juiz saúda!


39

 

Depois duma longa perseguição,

É caçado como perdiz ou coelho;

Tentou a sua fuga, mas em vão,

Porque sofria há muito dum joelho…

A tropa deu-lhe ordem de prisão,

Usou-o como se fora trabelho.

Foi conduzido por doze soldados,

Preso a tronco com sete cadeados.

 

40

 

Nunca mais se soube nada da besta,

O seu grupo partiu para a montanha;  

Acabou-se para a corja a festa,

Diz-se que fugiram para Espanha,

Passando dias na densa floresta,

Alimentando a raiva, a sanha...

A rainha pediu aos generais

Que acabassem com esses animais.

 

41

 

A vida do Tomás é hoje lenda: …

Anos depois, montado num cavalo,

Com seu cabelo loiro, numa senda,

Como no fútil fenómeno de halo,

Falando língua que ninguém entenda,

Provocando ao passar ruidoso estalo,

Surge como alma vinda do espaço,

Alta pose, baixo estardalhaço.


42

 

Roubava aos ricos, dava aos pobres,

Impunha a sua força física;

Tinha sempre nos bolsos uns cobres

Para dar ao leproso e à tísica…

Tirava aos padres, doutores, nobres,

Numa tendência voraz, narcísica…

E a lenda cresce como a erva,

Transformando em princesa a serva.

 

43

 

A dita revolução de Setembro

Restaura a velha constituição;

Finais de estio, se bem me lembro,

Com os agasalhos ali à mão.

Manuel Silva Passos passa a membro

De um governo de coligação. 

O nobre visconde Sá da Bandeira

Encontrava-se na fila primeira.

 

44

 

Estranha revolta dos marechais,

Dois duques, grandes senhores,

Querem de novo a Carta, nada mais;

Lutam com ganas, causam dores,

Mas a sua causa tomba no cais;

Desta vez nenhum deles têm louvores.

Nasce uma nova constituição,

Quase ninguém sabe por que razão.


45

 

A revolução da Maria da Fonte

Pôs o país todo em polvorosa;

Destruiu-se tudo: barca e ponte,

A loba fera ficou mui raivosa.

E antes que o sol ao longe desponte,

A chama rompeu solene, airosa.

Isso por causa dos enterramentos,

Que queriam na igreja, não aos ventos.

 

46

 

Outra causa, que dizem verdadeira,

Tem a ver com impostos agravados;

O Costa Cabral, como a toupeira,

Tinha os seus grandes olhos tapados.

Graças a essa estranha cegueira

Houve muitos documentos queimados.

Devido à Convenção de Gramido,

O revoltoso deu-se por vencido.

 

47

 

Até parece que o português

Não aprende nada com o passado;

Derrama o sangue uma, outra vez,

Como se esse fosse o nosso fado.

Seja em Beja, Arcos de Valdevez,

Guimarães, Lisboa, ou rio Sado.

Que bom acabar com a violência,

Semear só paz na sua ausência.


48

 

Na famosa guerra da Patuleia

Lutaram cartistas e setembristas;

Ambos ouviram o canto da sereia,

Ambos eram tolos e masoquistas…

Ninguém lutava por sua aldeia,

Embora fossem nacionalistas.

Tudo por causa da Carta de Pedro,

Inspirada nas fábulas de Fedro.

 

49

 

A Carta, dita Constitucional,

Que Dom Pedro trouxera do Brasil,

Prenda que outorgara a Portugal,

- Ou apenas um sublime ardil -,

Traz dentro de si o bem e o mal,

Como pólvora dentro dum barril.

Como a aranha constrói a teia,

Ele impusera a sua ideia.

 

50

 

Saldanha, um homem irritadiço,

Provocando uma nova revolta,

 Intolerante, homem metediço,

Agindo bravo, com sua escolta;

Corpo grande, mas cérebro postiço,

Em tudo quer mexer, dar-lhe a volta.

Derruba ministério de Cabral,

Assume o governo, para nosso mal.


51

 

E assim, à pacífica rainha,

Que tudo fazia pela santa paz,

Meteram no seu corpo a morrinha,

A alma pérfida de Satanás.

Rezou à Santíssima, a São Braz,

Foi ao bruxo de Lugo, da Porrinha.  

Por fim, numa serena cama cai,

Ali, dormindo, o sonho se esvai. 

 

52

 

No seu reinado algo de bom se fez,

Boas Escolas Médicas surgiram,

Abriram liceus (aulas de francês),

Escolas primárias emergiram,

Acabou-se o incerto, o talvez;

E novas rosas nos jardins floriram.   

A música teve Conservatório,

Onde nasceu pauta e reportório. 

 

53

 

O Instituto Agrícola surgiu, 

Academia Politécnica do norte;

A rainha prometera, não mentiu,

Tudo queria fazer, não teve sorte;

Escola Politécnica sorriu…

Mais fizera se não fosse a morte.

 Sua memória merece respeito,

A nossa homenagem, nosso preito.


// continua...

Sem comentários:

Enviar um comentário