sexta-feira, 23 de junho de 2023

FERREIRA DA SILVA 

(Bracarense por nascimento, melgacense pelo coração) 


// continuação de 20/04/2023.


     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1511, de 10/5/1964: «NO RESCALDO DAS FESTAS. // Terminaram sem incidentes ou aborrecimentos imprevistos as festas do concelho, realizadas em honra de Nossa Senhora da Orada, padroeira de Melgaço. Tanto as festividades religiosas, como as profanas, revestiram-se de extraordinário brilhantismo e ordem irrepreensível que deixaram a todos os assistentes, forasteiros ou não, a melhor das impressões. Pena foi que a inconstância do tempo, deste maio florido, um tanto agreste e chuvoso, não convidasse a população das freguesias a demorarem a sua estadia na vila, gozando as iluminações, apreciando os concertos das bandas de música e o fogo-de-artifício, queimado no final de cada dia em que se desdobrou o programa das festas. Sobretudo ao fim das tardes e entrada das noites, um vento sul desagradável e frio, com precipitação de aguaceiros e chuviscos intervalados, desanimou a gente das freguesias mais distantes, convidando-a a prematuro recolher a penates, destruindo as esperanças e previsões do comércio dos Cafés e Casas de Pasto. O programa dos festejos foi pontual e rigorosamente cumprido e todos os números executados com beleza, brilhantismo e alguns até com imponência. Salientaremos a ordem, o respeito e a organização impecável da majestosa procissão, com elevado número de lindos figurantes vestidos a primor e enorme acompanhamento; as feéricas iluminações, especialmente do túnel da Rua Nova de Melo; o concurso pecuário e o festival noturno que culminou na cascata luminosa precipitada das ameias da velha torre de menagem. A Comissão organizadora está de parabéns e bem merece os agradecimentos de Melgaço que, em um gesto de justiça e de apreço o reconduziu, para no próximo ano assumir o pesado e fatigante encargo de promover e continuar esta festa tradicional, que os verdadeiros melgacenses com o maior desgosto viam desaparecer de ano para ano. Não exageramos ao afirmar que ao dinamismo e bairrismo de um grupo de moços bem-intencionados e esforçados se deve a ressurreição da esquecida festa da Ascensão a maior do concelho e aquela que reúne as suas melhores tradições. Porém, é preciso continuar sem desfalecimentos, com afinco e firmeza de ânimo. Esta festa caída no esquecimento, e praticamente adormecida em sono letárgico, durante mais de duas décadas, acaba de ressuscitar mas, para atingir um motivo de atração e de interesse geral, necessita de continuação em anos sucessivos, cada vez com mais brilhantismo e ativa propaganda. No intuito, com o único propósito de sugerir à Comissão Organizadora da Festa do próximo ano algumas ideias e lhe dar modesta achega, lembramos que deveria iniciar desde já os seus trabalhos: no aspeto financeiro, criando vinhetas alegóricas, género selo, de pequenas taxas que seriam coladas pelos comerciantes nas faturas das vendas a prazo e nas embalagens dos artigos vendidos a dinheiro, cujas importâncias seriam cobradas mensalmente pelo tesoureiro; explorar, sempre que possível, e oportunamente, bailes e outras diversões recreativas, tômbolas, quermesses, etc.; solicitar da Câmara a criação de uma pequena taxa sobre certos consumos controláveis, em ordem à formação de um subsídio substancial destinado à festa. No âmbito da organização, parece-nos da maior conveniência dividir e executar em separado a festa: [isto é], no campo religioso, e profano; de modo a que uma não prejudique a outra. A festa religiosa seria programada para a véspera e dia santificado, começando pela habitual procissão das velas na véspera, e no dia imediato pelos atos litúrgicos na Igreja Matriz, com missa a grande instrumental, sermão por afamado pregador e procissão com grande e escolhido figurado. Nos dias seguintes começariam as festas profanas, com a abertura da feira franca, exposição de máquinas e produtos agrícolas, concurso pecuário, gincana de automóveis, tiro aos pombos ou aos pratos, e outras tidas por produtivas e úteis; no sábado, grande festival noturno com fogo-de-artifício, concertos musicais, iluminações, etc. // O encerramento das Festas poder-se-ia realizar no domingo de manhã depois da missa, com a recondução da Nossa Senhora da Orada à sua capela privativa e adeus à Virgem pela população que a este piedoso ato possa assistir. Reputamos de grande interesse que as festas profanas se celebrem no fim da semana, em ordem a facilitar e convidar a afluência de forasteiros, previamente atraídos por uma propaganda inteligente e ativa, nas estações da rádio Vigo e das emissoras nacional e regionais. Se a Comissão Organizadora mostrar interesse por estas sugestões não teremos dúvida em desenvolver e indicar concretamente as soluções que se nos afiguram viáveis e possíveis para o efeito.» // F.S.

 

 


     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1512, de 24/5/1964: «A ARTE E OS ARTISTAS. // Defendeu-se durante muito tempo a ideia de que a arte é essencialmente aristocrática, cultivada apenas pela chamada gente de escol. Desta forma, vulgarizar e democratizar a arte seria um empreendimento absurdo até porque, quando não reclame o génio ou um entendimento superior, necessita de uma cultura excecional ou, pelo menos, bastante elevada. Parece que sendo a arte uma coisa humana, como a religião e outras formas de ideal, o gosto, o sentido da beleza, a revelação do belo e os impulsos do idealismo, são dotes constituintes do homem e, portanto, assimiláveis pela verdadeira educação popular. É pura heresia e ímpia blasfémia limitar a educação do povo a noções práticas e positivas sobre tudo que se destina a deter a inteligência e os braços para a jornada da vida material sem levantar os olhos para as regiões elevadas e luminosas que exaltam a imaginação. Segundo Pecaut e Baure a arte é tudo quanto o homem faz de belo, só pelo prazer de fazer uma bela coisa. Não constitui monopólio de uma classe, ou dos melhores preparados cultural ou economicamente, mas sim e unicamente apanágio do homem bafejado pelo alor entusiástico dos puros júbilos da imaginação. Falar em arte é dizer música, poesia, arquitetura, escultura, pintura… E se a revelação da arte pode constituir dote e qualidade ingénita do artista, a compreensão e apreciação da beleza da sua obra é fruto de estudo e da educação do homem. Desdobrando o filme das obras da antiguidade até aos nossos dias, desde a ideia da escravidão que os egípcios revelam à harmonia civilizadora dos gregos com as suas três ordens, dórica, jónica, e coríntia e esculturas, à intensidade extrema da vida romana e ao cunho inconfundível da arte bizantina, o nascimento na idade média da época gótica, filha do cristianismo, o surto renascentista que reconduziu a arte à natureza e a expansão empolgante da arte contemporânea, de forte inspiração guerreira ou de serena paz campestre, verificamos que milhares de artistas filhos do povo, filhos de camponeses e operários consagraram à arte toda a sua vida e lhe sacrificaram prodígios de energia, de sacrifícios e de heroísmo. O povo não é só trabalho rude; é, também, expressão de inteligência e de exaltado idealismo. Aqui mesmo, em Melgaço, temos exemplos, muito valiosos da democratização da arte e da sua ostentação por homens filhos do povo, cheios de talento e vocação artística. Vão passados poucos dias e revemos ainda, na nossa retina, o andor em folha-de-Flandres em que foi entronizada a imagem da Virgem de Fátima, trabalho de grande inspiração e beleza, concebido e realizado por Raul Ferreira Cardoso (Cataluna), transportado por quatro esbeltos rapazes na majestosa procissão que percorreu a vila na quinta-feira da Ascensão. A conceção e a decoração do lindo trono, o seu picotado, colunatas, remates e sobrecéu, os varões de transporte e tudo o mais, é obra admirável que muito honra o artista, cujo nascimento não mergulha em raízes aristocráticas nem recebeu a luz da claridade ensolarada da instrução e de cuidados educacionais.

     Outro exemplo que muito admiramos e que prende a nossa atenção é revelado pela beleza, a graça e a distinção da talha de Abel Rodrigues (Barrenhas), outro artista melgacense (*) de grande sensibilidade e sentimento profundo, na interpretação viril do gótico e da delicadeza de alma do manuelino, que nos faz lembrar a paz ancestral dos conventos (*) cristãos. Nos lindos altares saídos das suas mãos inspiradas, em que o arco pleno de abóbada românico é substituído por ogivas e janelas ogivais de estilos primários, radiantes ou fulgurantes e colunatas em que predominam ricos e múltiplos ornamentos. Conhece-se nos seus admiráveis trabalhos de talha que a fé do artista é verdadeira e profunda; lembram-nos as capelas votivas anichadas em escuras abóbadas laterais, nas profundezas misteriosas dos templos erigidos em homenagem de gratidão a Deus, que poupou a vida dos homens. É uma arte toda interior, voltada para dentro da alma, preocupada só com a expressão do que se passa no seu íntimo: dor, esperança, súplica, voo para Deus

     Com o desaparecimento destes artistas a arte religiosa morrerá em Melgaço?! // Não seria uma ideia a defender a criação de uma escola de artes e ofícios enquanto são vivos estes últimos abencerragens da arte melgacense, capazes de nela exercerem funções docentes e preparando sucessores?! // F.S.      

 

     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1513, de 31/5/1964: «MELGAÇO AGRÍCOLA. // Lemos algures que a agricultura no nosso país é um sector deprimido. Pior, muito pior do que nas outras regiões, a parte acidentada do nosso país na qual se compreende o concelho de Melgaço, a agricultura constitui um grave problema praticamente insolúvel. O nosso meio rural está submetido a um depauperamento de incalculável extensão, resultante da própria orografia do terreno em fortes declives sustentados por verdadeiras muralhas de apoio, brasonadas pelo sangue e pelo suor do trabalho do homem. A terra arável, reduzida a parcelas pequenas, de superfície ínfima, talhada em rampa na lomba das montanhas, dificilmente sustentam o húmus produtivo, implacavelmente arrastado pela erosão provocada por agentes dinâmicos externos, mormente pela ação das águas para as correntes fluviais que lhes roubam a seiva e desgastam, progressivamente, as respetivas estruturas. Desta forma, o dispêndio dos adubos orgânicos, de curral, de nitreiras ou químicos, são levados pelos regatos aos rios, e pelos rios ao mar, onde se transformam em plâncton e abastecem, generosamente, a mesa de banquete dos peixes; com a matéria orgânica vai a parte suculenta da terra arrastada por agentes físicos, em uma tendência cada vez mais destrutiva e indomável, de reduzir o solo às partículas areentas do granito transformando no que chamamos saibro, onde as plantas se estiolam e morrem por falta de alimento. Aditemos à pobreza da terra falha de matéria orgânica, a carestia dos adubos, dos produtos fungicidas e inseticidas e, sobretudo, a falta de braços resultante do êxodo crescente e incontestável dos emigrantes, e teremos as causas reais do depauperamento do nosso meio rural. Por isto, a agricultura que sempre foi uma fonte de segurança social, de estabilidade económica, e “salvaguarda dos valores morais e de permanência das virtudes da grei”, constitui um sector deprimido relativamente aos restantes sectores da atividade económica: quer se trate do índice de produtividade de mão-de-obra ou de nível de vida das populações rurais. Enquanto não forem modificadas as formas de cultura tradicionais, substituindo-as por outras mais compensadoras, a nossa agricultura continuará a ser “a arte de empobrecer alegremente.” Tendo em vista o volume das nascentes e a precipitação de águas na nossa região, a cultura do linho e das pastagens a par do arvoredo, seriam naturalmente as indicadas, não falando na vinha, em certas manchas apropriadas ao cultivo de boas castas regionais e outras, adequadas à produção de bons vinhos, brancos e tintos. Para tanto, seria necessário a escolha de boas raças de gado leiteiro e de abate, instalado em vacarias higiénicas, construídas em obediência a regras já estudadas e experimentadas, a industrialização dos produtos lácteos e a instituição de adegas regionais, em regime cooperativo. A exploração das modalidades de cultivo referidas está condenada a estrondoso fracasso, não só por falta de disciplina do agricultor, da relutância pelos recomendados métodos de cultura e da insuficiência de capitais para realizar uma obra cujo custo de industrialização e comercialização dos produtos é muito cara. Na zona mais montanhosa a cultura da batata, a criação de gado ovino e suíno, e a preparação e comercialização das carnes, parece-nos a mais indicada. Da forma como se processa, a lavoura não assegura qualquer margem de lucro aos agricultores e o campo despovoa-se, em marcha acelerada, com rumo ao urbanismo e à miragem sedutora do êxodo para as terras do meio-dia, pujantes de seiva, de cultura mecânica, de intensa comercialização, de aproveitamento racional, de métodos científicos e de acesso às empresas industriais de transformação. As nossas explorações agrícolas, muito pequenas e fragmentadas, não permitem as modernas técnicas de cultivo e, consequentemente, uma rendibilidade aceitável, capaz de prender à terra as populações rurais, desviando-as da procura em terra alheia dos francos que, com menos esforço físico, lhes assegura, e aos seus, uma vida mais fácil e próspera.» // F.S.

 



     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1514, de 7/6/1964: «TURISMO REGIONAL. // Não é segredo para ninguém que o turismo desempenha uma elevada função na recuperação económica e financeira europeia e se em certos casos adquire foros de indústria chave no geral é fator de inegável prosperidade pelo que representa em abundância na entrada de divisas. Vários são os países que devem à avalanche turística a sua prosperidade atual e que amortizaram os seus empréstimos externos com as receitas provenientes do turismo. Entre nós o turismo tem desempenhado um fator importante para o equilíbrio da balança de pagamentos, lançando as suas receitas invisíveis no custo do esforço industrial a que vimos assistindo nestes últimos anos. Para se aquilatar do valor, dimensão económica da movimentação demográfica dos nossos visitantes, basta atentar nos números mencionados por Sua Excelência o Sr. Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho: quinhentas e vinte mil entradas de estrangeiros com a permanência média no nosso país de quatro dias e um total de receita da ordem dos seiscentos mil contos! Não devemos ignorar que pouco ou quase nada temos feito para o desenvolvimento do turismo no nosso território; falta-nos uma rede de hotéis dotados de todo o conforto moderno, um sistema de transportes satisfatório e atrações turísticas, tanto do ponto de vista etnográfico como do acesso e propaganda dos nossos monumentos, coleções artísticas e do folclore nacional. Dando relevo à carência de alguns aspetos da nossa impreparação para receber os que visitam o nosso país, atraídos pela amenidade do clima, da extensão da orla marítima, das excelentes praias oceânicas, da originalidade dos costumes e das panorâmicas extraordinárias que extasiam o espírito e prendem de admiração os mais exigentes, queremos acentuar que o crescente nível de vida dos habitantes dos países ricos, industrializados e mais desenvolvidos economicamente, que permitem férias pagas aos trabalhadores, converteu os turistas num fenómeno sociológico que deve ser considerado na sua justa medida, ao programarmos as normas orientadoras da política turística. Há necessidade imediata da organização de agências turísticas, tendentes a desviar as correntes de viajantes para o nosso país, facilitando-lhes informações precisas, plaquetes atraentes de tudo que é nosso e merece ser apreciado e defendendo os da especulação por via de uma cuidadosa revisão dos preços do que lhes vendemos ou lhes cobramos a título de serviços prestados, evitando a vergonhosa curiosidade indígena e a falta de atenções, de respeito e de consideração de que tantas vezes são alvo. As agências centrais encaminhariam o turista desde o incitamento dos pedidos de viagem às facilidades de entrada e trânsito no nosso país, sua estadia, cuidados, atenções, informação detalhada quanto a alimentação, albergaria e aluguer de casa nas praias, e tudo o mais capaz de proporcionar férias agradáveis e a preços justos aos que escolhem Portugal insular, continental e ultramarino para as suas digressões anuais. Nas sedes dos distritos e dos concelhos deveriam estabelecer-se casas de turismo destinadas a prestar, com o maior escrúpulo, todas as informações úteis, a organizar roteiros, chamar a atenção para os monumentos artísticos e históricos, museus, coleções de objetos de cerâmica e outros de caráter regional, antigos e modernos, e enfim, de tudo quanto pareça digno de ser mostrado e admirado. Nisto consiste em parte uma das caraterísticas mais importantes da infraestrutura do turismo regional. As comissões de turismo a organizar nas terras que as mereçam e devam ser visitadas pala sua originalidade e pontos de vista notáveis têm uma obra difícil e vastíssima a realizar: coleções de fotografias bem escolhidas dos monumentos, panorâmicas e aspetos da vila dignos de admiração, em postais ilustrados; a fiscalização do arranjo das localidades e intervenção junto da Câmara em ordem a manter o seu asseio e conservação; a vigilância de tudo quanto respeita à higiene e limpeza, sobretudo dos locais a visitar, e a reclamação de medidas adequadas às entidades da administração e da saúde pública: a verificação das ementas, asseio das salas de jantar, dos produtos confecionados e dos preços das refeições servidas, etc. // Na nossa terra não poderemos fazer turismo sem a construção de uma pousada sob os auspícios do SNI, que poderia elevar-se no castelo de Sante, [freguesia de Paderne], uma casa de chã em condições recomendáveis e hospedarias e estalagens limpas e arejadas para serviço de pratos regionais e de pernoita. O turismo regional não é uma instituição destinada a explorar comercialmente o freguês; é, antes do mais, uma organização perfeita, impecável e atraente, onde o cliente esteja à vontade e a seu gosto, sem motivos para aborrecimentos e sem suspeitar de ser vítima de torpes especulações.» // F.S.        

 



     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1515, de 14/6/1964: «SANTOS POPULARES. // Após o feio cariz do frio e chuvoso mês de Maio, do tal Maio florido em que as flores murcharam enregeladas por uma temperatura polar e as cerejas se comeram ao borralho, sucedeu este lindo Junho de noites frescas mas pleno de claridade, aquecido durante os dias por um sol aliciante e vivificador. Parece que as coordenadas geográficas e as linhas climáticas do ano em curso se quebraram, fragorosamente, de encontro à barreira deste mês abençoado separando, nitidamente em estações distintas o passado, com termo em Maio, do futuro, com início em Junho! E porque não deveria ser assim?! // Sem estudos aprofundados, o fenómeno não exige a reunião de elementos sobre o movimento de massas de ar e formação de anticiclones para se interpretar e compreender; explica-o a circunstância de Junho ser o mês consagrado a adoração e festividades em honra do triunvirato dos santos populares que dão pelos nomes de António, João e Pedro. Os santos precursores e taumaturgos perderiam prestígio e fama nas massas populares se não proporcionassem aos seus devotados fiéis os favores de um tempo radioso nos dias das suas respetivas consagrações. Os agentes físicos que explicam e regulam os fenómenos atmosféricos cedem a sua ação e poder a misteriosas forças sobrenaturais, timonadas no cosmos pelos simpáticos e populares triúnviros. Já passou o dia treze consagrado a Santo António, que foi guerreiro ilustre e endiabrado monge, terror das moçoilas e dos seus cântaros de barro, quando procuravam nas fontes a água para os arranjos domésticos. Por todo o país se multiplicaram minúsculos e singelos altares, elevados ao acaso nos recantos, nos portais, nas praças e nos jardins pela criançada e mocidade foliona que, sob a invocação do santo brincalhão organizaram descantes, bailaricos e alegres divertimentos, animados por pequenas e artísticas peças de fogo-de-artifício, foguetes de três estalos e bichas de rabiar… Mais integrados nos costumes e tradições populares e animadas foram as invocações realizadas na capital, onde poderíamos admirar orgulhosos e bonitos tronos com o seu padroeiro e festivas iluminações locais, fogos, marchas luminosas e bailaricos até alta madrugada. Na nossa terra também se festejou, no atual mercado, uma consagração alusiva ao santo folião, com animado bailarico, mesmo à beira, muito pertinho dos consagrados e afamados Santo António da Misericórdia e da Igreja Matriz, herdeiros presuntivos dos lacões e dos fumeiros da vila e… paredes meias com outro santo, de carne e osso, da hagiologia melgacense – o Augusto Santo Antoninho Durães. // Segue-se agora o dia de outro grande santo popular – São João – consagrado em todo o país com grande euforia e opulência regional, desde os mercados lisboetas às Fontainhas portuenses e ao São João da Ponte, da velha cidade dos arcebispos – a Bracara Augusta dos romanos – que, desde recuados tempos contemporâneos do arcebispo D. José de Bragança, filho de D. Pedro II, se festeja na cidade com extraordinário brilho e folia noturna. O caráter popular do culto Joanino, cuja filiação nos antigos cultos siderais é denunciada pelo solstício de verão, justifica a vibração jubilosa das fogueiras, promessas, bailaricos e cantares, em manifestações inéditas e ruidosas desde as primeiras idades. Recordamos a quadra: “O carnaval em Veneza / A semana santa em Sevilha / O São João em toda a parte / Mas é Braga quem mais brilha.” // Para concluir teremos a consagração do último triúnviro – São Pedro, no dia 29 deste mês [de Junho], também com iluminações feéricas, artísticos fogos-de-artifício, descantes e festejos populares por esse país além. Quem não admirou ainda o extraordinário painel de Tarouca do Apóstolo e do sumptuoso quadro do Grão Vasco de Viseu, figurando o 1.º Pontífice da Igreja? O pescador que foi do lago de Tiberíades (*) até Roma guiado pela luz interior?! // Lemos que a Igreja facilita o casamento em série dos pares que o desejem, nos dias consagrados à adoração dos três santos populares. Bem-haja. Talvez essa boa medida contribua para a legalidade do nascimento de muitos inocentes, filhos de mães que no ano anterior gozaram em alegres folguedos as orvalhadas das noites festivas dos santos populares.» // F.S. /// (*) Este nome está relacionado com Tibério, imperador romano; o lago, ou mar da Galileia, situa-se ao norte de Israel.          

 

*

 

     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1516, de 21/6/1964: «A QUEM COMPETE. // Estamos em plena estação calmosa, visto que entramos no solstício do verão e afluem às nossas termas os doentes que para os seus males físicos procuram alívio nas virtudes terapêuticas das águas mineromedicinais da estância do Peso. A presença de doentes – diabéticos, hepáticos renais, vesiculares, e de certas vísceras, na estância do Peso é motivo de visitas mais ou menos frequentes ou numerosas dos seus familiares e amigos; outras visitam afluem à nossa terra em curta digressão dos fins-de-semana, em passeios turísticos ou simples admiração da verde paisagem da nossa encantadora região.

 

     O Minho sempre foi considerado a província mais garrida, de mais vivas cores e de maior atração turística do país, não só pelos horizontes luminosos e pelas manchas ricas de cor da sua admirável paisagem mas, também, pelos seus valiosos e belos monumentos religiosos e profanos, pela sua etnografia, pela rede das bacias hidrográficas, do seu aproveitamento hidroelétrico, e correspondentes albufeiras e embalses lacustres, pela profusão das suas estâncias de repouso e de águas mineromedicinais, pela extensão da sua orla marítima com lindas e excelentes praias e pinhais. Por esta razão, é a nossa província a mais visitada por excursões de toda a parte, nacionais e estrangeiras, de estudiosos, admiradores do belo, apreciadores da sua magnífica cozinha regional, dos afamados e frescos vinhos verdes, das romarias, arraiais e festividades aos santos padroeiros e dos oragos venerados nas igrejas, ermidas e capelinhas que se situam no alto dos seus relevos orográficos num interminável e autêntico rosário de oferendas e de fé. É evidente que nesta peregrinação da polícroma paisagem minhota a montanha ocupa um lugar de destaque, pela sua solenidade e grandeza, e as chamadas terras altas constituem grande atração pelo seu conjunto serra-planície, de dilatados e alacres horizontes pujantes de luz e de cor. // Melgaço, sendo a sentinela do Alto Minho e linha divisória de várias províncias galegas, com monumentos admiráveis, ricos de história e de motivos de arte e arquitetónicos, de miradouros de sonho, deslumbrantes de beleza e de tons variados, com mananciais de águas potáveis de pureza, frescura e paladar divinos e mineromedicinais de efeito garantido e notório, terra de pitéus inigualáveis, e de verdasco capitoso e refrescante, está dentro da escala obrigatória das peregrinações aos santuários e locais aprazíveis da nossa província, a mais atraente e alegre de Portugal. // Sendo assim, após a visita à estância do Peso, um dos pontos de paragem obrigatória é a Vila, as muralhas do castelo, torre de menagem e monumentos periféricos – Convento, Pastoriza, São Julião, Orada, etc. // Neste primeiro contacto com a terra de Santa Maria os visitantes começam por afastar-se aterrorizados, dos traiçoeiros precipícios que se lhes deparam na Calçada, logo à entrada norte da Vila – formados pelos alçapões ou bocas das tolas de rega, sem vedação, criminosamente alargadas, como se ali fossem postas propositadamente para dar trabalho aos ortopedistas, na cura das ruturas gambiais dos desprevenidos passeantes… // Os pavimentos das ruas, junto das tais ratoeiras, em pleno Largo e na Rua do Rio do Porto, por motivo de quaisquer obras, por ventura necessárias, efetuadas pelos serviços do CTT, camarários ou particulares, apresentam altos e baixos que a torrente das águas mais acentuam, assemelhando-se a uma pista de montanha russa em feira popular! // A sala de visitas, que é a Praça da República, continua a suportar o vandalismo dos que impropriamente se dizem melgacenses, que - por maldade, barbarismo e estupidez - partem as travessas dos bancos e cavam no sol sulcos e buracos sem razão ou motivo aparente! A dominar esta linda praça divisam-se o edifício esventrado da antiga escola Conde Ferreira e o sanitário do Jardim do Cardoso, dois testemunhos vivos do desinteresse dos detentores dos selos da administração. O que está a passar-se na vila em matéria de cuidado, de limpeza, de asseio, de fiscalização e de conservação do que é nosso e não de quem manda, é simplesmente vergonhoso e contra semelhante incúria não nos calaremos.» // F.S.            

 

*

 

     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1517, de 28/6/1964: «SILÊNCIO LETAL. // Na nossa terra abusa-se demasiadamente do silêncio sobre o estádio das obras programadas, sobretudo das que respeitam à Vila, e essa omissão estranha e impressionante conduz à falsa ideia do desinteresse ou do abandono total das entidades oficiais pelas responsabilidades assumidas. Parece que a imprensa local não conta ou merece pouca atenção dos responsáveis pela administração e, no entanto, à semelhança do que vai por esse país fora, poderia constituir uma poderosa alavanca e um auxílio precioso à realização do programa de trabalhos pré-estabelecidos e superiormente aprovados. Neste semanário nunca recusamos guarida à propaganda, esclarecimento e apoio de tudo quanto represente ou constitua interesse ou melhoramento da terra melgacense. Por isto, não compreendemos a razão que leva as entidades locais responsáveis a manter sobre as obras de embelezamento e de interesse concelhio o mutismo de Buda ou o segredo de Conrado. É evidente que, em caso de injustificada demora, de torpedeamento ou de embaraço oficial ou particular, quando trazido ao nosso conhecimento, tomaríamos, deliberada e energicamente, a posição que nos compete de defender intemerato e insuspeito do engrandecimento de Melgaço. Não nos move “parti pris” (*) ou censura intencional contra qualquer pessoa ou organismo, mas tão-somente o desejo de ser útil e desinteressado colaborador dos que por dever do cargo, ou por mera iniciativa pessoal, se dispõe a melhorar e a tornar mais bela a terra melgacense. Ora, uma vez que parece haver o propósito de nos conservar à margem, ou de nos equiparar em ignorância aos míseros munícipes, aos quais só se lhes reconhece a única qualidade de pagantes, vamos iniciar uma série de perguntas inocentes que, repetimos, visam ao nosso esclarecimento e de todos os que nos leem e não ao ataque ou censura daqueles que, no caso, aparentemente, podem considerar-se atingidos. Assim, começaremos pelas escolas da Vila que, salvo pequenos retoques e arranjos de pouca importância, estão em condições de ser entregues e inauguradas oficialmente no próximo período escolar de Outubro. Qual a via de acesso da escola para os professores e crianças matriculadas que, no próximo ano letivo ali vão receber as luzes do espírito? O caminho rural e intransitável que passa ao lado e que a invernia impedirá de ser utilizado, ou a rua que está projetada e cujo alargamento e pavimentação é tempo de começar? Não deve estranhar-se a pergunta, visto que a ronceirice oficial, se não for vencida por uma série de justificadas e tempestivas reclamações, acaba por nada fazer e deixar tudo como está; então, a data da inauguração do edifício escolar, que nos dizem ser o melhor do distrito, professores e crianças terão de munir-se de botas de água, até aos joelhos, para atravessar o charco… Outras perguntas: O pavimento das ruas, destruído pelos serviços dos CTT, continua com os altos e baixos que tornam o piso desagradável e quase impossível, ou esperamos a chegada do inverno e consequente dificuldade dos consertos, de modo a torna-lo totalmente intransitável?!  

 

     Que se passa com a construção do edifício da CGDCP ou, mais concretamente, quando começam as obras?! Ficaremos eternamente a prestar informações ao respetivo arquiteto que, tanto podem ser necessárias à elaboração do projeto como simples expediente dilatório?! Não seria oportuna uma reclamação da Câmara à administração daquele organismo? E acerca do malfadado e malcheiroso sanitário do irrisório Jardim do Cardoso?! Quando se iniciará o aterro daquele monturo indecente que é um verdadeiro escarro nojento em pleno coração da Vila?! Aquilo exige a remoção imediata das louças sanitárias e das cantarias ali tão mal aplicadas, seguida do entupimento do infeliz e anti-higiénico abrigo… // Continuaremos. // F.S. /// (*) trata-se de uma locução francesa; resolução tomada, etc. // continua...     

Sem comentários:

Enviar um comentário