sexta-feira, 4 de novembro de 2022

FERREIRA DA SILVA 

(Bracarense de nascimento, melgacense do coração


// continuação de 25/08/2022...


     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1491, de 12/11/1963: «MEDIDA URGENTE. // A população rural deste concelho está justamente preocupada e, porque não dizê-lo, assustada, com o número de casos de assaltos e roubos, pela calada da noite, nas suas habitações. Em primeiro lugar começou a dança dos cofres no Hotel Ranhada e da Estação dos C.T.T. de Castro Laboreiro, este último sem qualquer resultado; depois seguiu-se o assalto e vários furtos (…) às próprias casas de morada dos habitantes, uma delas do senhor Domingos José Domingues, comerciante da vila de Castro Laboreiro, onde os gatunos se locupletaram com alguns milhares de escudos, levados do seu estabelecimento comercial, ao qual chegaram, após a passagem sorrateira pelo quarto de dormir da filha do proprietário, sem que esta despertasse do seu pesado sono. Há (…) dias novo roubo foi cometido em casa do senhor Joaquim Gonçalves, por um indivíduo a quem deu aposentadoria em sua casa e em cujas propriedades trabalhava como pedreiro de muros e (…) desta vez o mariola safou-se com quatro mil escudos em moeda, uma samarra e um par de botas (…) perseguido pelo roubado e pela G.N.R., acabando por ser capturado nuns campos da vizinha freguesia de Valadares, concelho de Monção, tendo sido apreendido o produto do furto e terminou a sua aventura por ser preso e enclausurado na cadeia comarcã, onde se encontra aguardando julgamento. (…), os casos que chegaram até nós e que, em boa verdade, precisam de ser descobertos para o devido corretivo. Temos ouvido queixas de muitos habitantes das zonas rurais que nos manifestam o medo, verdadeiro pânico, de que se encontram possuídos, com (…) alegando que, nas suas freguesias, existem apenas velhos, mulheres e crianças, visto os homens válidos terem emigrado para servir empresários por esse mundo fora e, por consequência, estão à mercê de indivíduos do sexo masculino oriundos de outras terras do país, que nas localidades serranas alugam o seu braço e executam os trabalhos que aparecem, até conseguirem o preciso para pagar o engajamento ou de se lhes proporcionar a oportunidade de se ausentarem com os haveres alheios. Não se nos oferecem dúvidas de que os habitantes serranos correm grande perigo com a presença entre eles de indivíduos que se lhes apresentam a solicitar trabalho e por lá ficam, muitos deles, à espera de uma ocasião favorável para atentar contra a segurança e os haveres, por via de regra mal defendidos e pior recatados, daqueles que confiadamente os empregam e lhes dão a ganhar o pão. Em nossa opinião impõem-se, urgentemente, uma medida de caráter geral, no sentido de cadastrar todos os indivíduos, não naturais de Melgaço, que se encontram disseminados pelas freguesias do concelho de modo a que, no momento preciso, possa saber-se, rapidamente, aqueles que se ausentaram sem razão plausível e possam ser objeto de suspeitas de autor ou conivente em atos criminosos. Para tanto, a autoridade administrativa, pela sua secção policial, de colaboração com os regedores e auxiliada pela G.N.R., organizaria fichas individuais, por freguesias, dos indivíduos estranhos ao concelho, anotando todos os elementos de identificação tidos por úteis e necessários. Estas fichas deveriam ser organizadas em triplicado, e distribuídas e arquivadas na secção policial e administrativa, regedorias e G.N.R., devendo ser complementadas e averbadas com as indicações prestadas pelas autoridades policiais das terras da naturalidade dos identificados, quanto ao seu comportamento e registo de quaisquer eventos e aventuras ali conhecidas, consideradas puníveis ou simplesmente condenáveis. Desta forma, seria possível seguir-se uma pista presumivelmente verdadeira, logo após a notícia de qualquer facto punível, praticado em circunstâncias não esclarecidas e envoltas em misteriosas condições, tanto quanto à forma como à execução. Os naturais do nosso concelho, de certo modo, estão isentos de mácula no capítulo de assaltos e roubos de certo vulto, quando não têm cooperação de estranhos e, ainda quando incitados por essa colaboração exótica, em regra de espanhóis, reduziam-se a alguns vadios conhecidos, felizmente desaparecidos há muitos anos, e dos quais deixou de haver notícias. Um sistema de vigilância sobre os estranhos e uma rápida identificação pelas fichas que preconizamos, seria muito útil às autoridades empenhadas na descoberta dos autores de atos e factos criminosos, dando-lhes possibilidades que atualmente não têm. Aqui fica a sugestão e para ela esperamos a atenção do senhor Presidente da Câmara, visto que também é da sua competência o exercício de funções policiais.» // F.S.                                 

 

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     No Notícias n.º 1492, de 24/11/1963, publicou: «MANIFESTO DOS VINHOS. // Nos termos do artigo 1.º do decreto-lei n.º 34054, (…) a vindima até ao dia 5 de Novembro de cada ano, os viticultores são obrigados a manifestar a totalidade da produção do vinho verde e de produtos diretos. Esta disposição legal é bem clara e em matéria de prazo é expressa e terminante, quando fixa o limite de 5 de Novembro de cada ano. Pois, a despeito da clareza do texto e do prazo (…) expressamente fixado, a Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes circulou nos Grémios da Lavoura a comunicação de que não deveriam receber os manifestos do vinho da última colheita, considerando prorrogado até ao fim do corrente mês de Novembro o prazo legalmente estabelecido! Semelhante comunicação causou a maior surpresa e perplexidade nos órgãos diretivos dos Grémios da Lavoura e nos viticultores dos respetivos concelhos. Que desejaria a Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes atingir com tão estranha como ilegal medida? Esta interrogação saiu de todas as bocas e deu origem às mais díspares interpretações. Duas ordens de razões preocuparam os viticultores do nosso concelho: a) a ilegalidade da comunicação por parte de quem não é pessoa legítima para alterar uma disposição legal – artigo 1.º do decreto-lei n.º 54054 e, consequentemente, a responsabilidade dos viticultores, caídos em falta e sujeitos à multa devida pela transgressão, no caso de acatarem a arbitrária decisão da Comissão – visto que, o prazo estabelecido constitui regra de direito público que só por outro decreto-lei poderia ser alterado ou modificado; b) o ponto de vista e os fins que a Comissão pretende atingir, sobrepondo-se à lei e ousando modifica-la, sem competência legal para o fazer. // Razão têm os viticultores melgacenses em estarem preocupados com o caso, não obstante o Grémio da Lavoura estar disposto, como aliás é de seu dever, a defender os presumíveis transgressores, pois que acatando as determinações da Comissão V.R.V.V., implicitamente, assume a responsabilidade do que àqueles possa vir a acontecer. Averiguados os motivos desta anomalia estranha, chegamos à conclusão de que a suspensão dos manifestos, e consequente prorrogação do prazo legal, visava a dar tempo a que, superiormente, fosse aprovada a ferina proposta pela qual se solicitou a elevação da taxa dos manifestos, fixando-a em escudos 25$00 por pipa de quinhentos litros. Como se a lavoura, que vegeta em condições de miséria extrema, pudesse suportar uma alcavala de ordem tão elevada! Felizmente, deu-se a tempo pela traição que se preparava e o Conselho Geral do nosso Grémio protestou, telegraficamente, contra o solicitado aumento das taxas e pediu um inquérito às atividades da C.V. da R. V.V. que, neste caso e no da queima, agiu em prejuízo da lavoura melgacense, causando-lhe danos irreparáveis. Ignora a CVRVV que a lei de meios (mais conhecida por lei orçamental) proíbe terminantemente aos organismos corporativos aumentar os impostos e taxas atualmente em vigor?! Mas quando assim não fosse e admitindo, por absurdo, - que é também um processo de demonstração, - que superiormente se aprovasse a pretendida alcavala, a sua execução só teria lugar no ano próximo, em obediência ao princípio consagrado da não retroatividade das leis fiscais. O protesto apresentado pelo Conselho Geral do nosso Grémio junto de Sua Excelência o Sr. Ministro da Economia, não se limitou a informar a impossibilidade da lavoura suportar o agravamento dos manifestos e a queixar-se das graves irregularidades praticadas pela CVRVV e pelos seus funcionários, na tristíssima e insensata atuação nas operações de queima do vinho da colheita anterior, mas também sugeriu que as funções daquela Comissão passem a um organismo integrado na Junta Nacional do Vinho, eleito pela Federação dos Grémios da Lavoura, isto é, uma eleição em que a lavoura intervenha diretamente e em ordem a que passe a ser um organismo que, em nome da lavoura defenda os interesses dos lavradores, e não uma tribuneca que prejudique a lavoura em nome dos lavradores e em benefício dos seus interesses pessoais ou coletivos. Torna-se indispensável uma atuação enérgica a bem da moral e da Organização Corporativa, terminando com a indefensável autonomia de que goza a Comissão de VRVV e subordinando-a à Federação dos Grémios da Lavoura, única e legítima representante da lavoura regional. Isto, como é evidente e lógico: A bem da Nação.» // F.S. // P.S. – Depois de escrito e composto este artigo fomos informados de que o prazo do manifesto foi novamente prorrogado até ao fim do mês de Dezembro próximo. Não dirá isto, tudo?! 

 

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     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1493, de 1/12/1963: «ORATES DO VOLANTE. // O número de desastres verificados, por via de regra resultado da velocidade excessiva, melhor disséssemos “suicida”, (…) pelos condutores de veículos automóveis, constitui um longo e pavoroso martirológico que (…) as estatísticas (…) sobre a viação (…) nas rodovias. Nos casos do dia referem os jornais, habitualmente a série espantosa de acidentes de viação verificados nas estradas e arruamentos por esse mundo além. Nos países mais avançados a estatística neste setor atribui ao excesso de velocidade a causa fundamental dos acidentes no nosso país, as causas registadas são de vária ordem e, muitas, certamente evitáveis. Em boa verdade, não se admite que, no número das causas originárias dos desastres ou simples acidentes, diariamente registados no setor da viação, além da velocidade excessiva – causadora do maior número – se revelem casos de embriaguez, insuficiente conhecimento das regras de condução, falta de carta, descuidos graves ou falta de atenção e, de uma maneira geral, o não cumprimento dos (…) e restrições constantes do Código da Estrada, reguladores da liberdade de trânsito nas estradas, ruas e caminhos do domínio público, das autarquias locais ou do domínio privado, normalmente aberto ao trânsito público. O mal resulta, ainda, da falta de conhecimentos técnicos e de educação dos transitários, quer sejam condutores encartados de veículos automóveis ou motorizados, bicicletas ou simples peões. Todos os dias se nos deparam frases feitas como estas: - “sangue nas estradas”; “furiosos do volante”; “a morte espreita-vos”; “em qualquer parte se deparam obstáculos”; “cuidado senhores automobilistas”; etc., e, de quando, em vez, a Polícia de Viação e Trânsito organiza verdadeiras rusgas e exercícios de fiscalização em ordem a verificar a legalidade dos condutores e respetivos veículos.» 

     Porém, em nossa opinião, a atuação da PVT nessas operações periódicas de verificação geral das cartas de condução, dos livretes e mais documentação respeitante aos veículos, provoca transtornos aos automobilistas devido às paragens e demoras forçadas que lhes exigem e cria àquele organismo policial um clima de antipatia, em virtude de a sua ação se limitar a constatações de faltas burocráticas e consequente aplicação das multas. Julgamos que mais se lucraria em ministrar prudentes conselhos em vez de se aplicar multas a torto, e a direito, e que a fiscalização exercesse a sua função, acima de tudo, com referência às manobras perigosas, andamento acelerado, iluminação, sinais, ultrapassagens imprudentes, e outras deficiências e prevaricações dos maluquinhos do volante, e à sua insensata e perigosíssima forma de conduzir o seu veículo. E muito importante seria uma campanha de apertada fiscalização dos condutores de veículos motorizados de duas rodas e dos ciclistas que, em constante infração dos preceitos mais elementares do Código da Estrada, são os responsáveis de tantos e tantos acidentes de viação que bem poderiam ser evitados: falta de luz ou sinal luminoso na retaguarda, ocupação do meio da faixa de rodagem nas estradas vulgares, falta de indicação das manobras que pretendem efetuar, excesso de velocidade, etc. E não só a PVT mas também a GNR muito teriam de exigir neste concelho; em especial na Rua do Rio do Porto, no sentido descendente e na entrada na estrada nacional, na qual se abusa criminosamente da velocidade e da maneira imprópria de condução, constituindo um perigo permanente e um autêntico atentado contra a segurança dos transeuntes e da vida das crianças, numa artéria tão movimentada e tão mal projetada. Consideramos verdadeiro milagre a percentagem relativamente ínfima dos casos de morte e dos atropelamentos com ferimentos graves ali verificados. A rua é bitola estreita, com curvas extraordinariamente mal lançadas, de muito movimento de peões, motorizadas, camiões e veículos automóveis ligeiros, com o trânsito em ambos os sentidos; de modo que, não havendo o maior cuidado e atenção, uma prudente redução de velocidade, é caso, na verdade, para proclamarmos: “ o sangue está na estrada!” - “Cuidado, seus furiosos do volante! – Olhem que o fim da ladeira do Rio do Porto marca a etapa das velocidades e impõe um andamento prudente e moderado, facilmente dominado pelos travões e pelos reflexos dos condutores. // F.S.   

 

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     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1494, de 15/12/1963: «SEMPRE TEIMANDO. // Sob o título “INÉRCIA” escrevemos no número 1465, deste semanário, de 17 de Março do ano corrente, uma curta crítica sobre a necessidade imperiosa e urgente de demolir as ruínas do edifício construído a expensas do legado testamentário do benemérito e filantropo Conde de Ferreira. Nele funcionaram durante muitas décadas duas salas de aula, onde lecionaram professores distintos, consagrados de alma, e coração, ao ensino primário, e ali ministraram o pão do espírito a muitos melgacenses que se distinguiram e exerceram (…) situações na vida pública e particular. O velho edifício que a ação do tempo e as necessidades pedagógicas tornaram inadaptável e impróprio à alta missão social e cultural que lhe era atribuída em época distante, menos exigente do que a atual, foi posto em praça pública e arrematado pela CGDCP, a fim de no local ser construído o móvel destinado à conveniente instalação e funcionamento dos serviços daquele importante organismo da administração pública e à moradia do seu pessoal dirigente. Em breve teremos o prazer e a alegria de assistir à inauguração do novo edifício escolar, onde funcionarão seis salas de aula, três para cada sexo, em boas condições de higiene, de iluminação, de conforto, e de que beneficiarão as crianças da vila e da periferia, em idade escolar. Entretanto as ruínas do velho edifício escolar do nome do seu fundador “Conde de Ferreira” continuam em pé, ali à Praça da República e Rua Nova de Melo, a desafiar a paciência dos melgacenses e a envergonhar um dos locais mais concorridos e mais asseados (sem piada ao chamado jardim do Cardoso) da nossa vila. A despeito do esclarecimento prestado ao senhor Presidente da Câmara pela Administração da CGDCP, por intermédio dos seus serviços, quanto à construção do edifício destinado à instalação da Caixa Económica, Transferências, Depósitos Obrigatórios e outros serviços, o certo é que o mostrengo mantem-se impávido, a exibir a sujidade e negrume das suas ruinas e a demonstrar o indiferentismo, a inércia e a incúria dos nossos serviços de urbanização. Não só a demolição e construção do edifício estão por iniciar como nem sequer foi apresentada à apreciação e aprovação da Câmara a respetiva planta! Isto, apesar de se ter informado o senhor Presidente do Município de que esta obra, da maior importância no embelezamento da sala de visitas da nossa vila, seria compreendida no programa de construções dos anos 1963-1964. Não limitamos a nossa crítica a protestar contra o imobilismo dos nossos dirigentes, entendemos que é de nosso dever sugerir uma atitude enérgica e firme, relativamente a exigir-se a realização da obra num prazo curto e determinado, sob pena de expropriação do terreno e revenda a quem tenha maior respeito pelas necessidades urbanísticas da nossa terra e ofereça as indispensáveis garantias de construção – a curto prazo – de um edifício digno do local. Na defesa das coisas de Melgaço não nos deteremos em nenhuma espécie de considerações, olhando apenas a parte material e moral dos temas a tratar, completamente alheios a pessoas que ignoramos, desconhecemos e se situam no nosso espírito a distância infinita. É evidente que – como ensina o ditado: cada cabeça sua sentença; não pensamos todos igualmente e cada qual vê os problemas sob um ângulo que, raras vezes, coincide com o foco de visão dos outros.» 

 

P.S. – «Ainda há dias alguém, que usa o nome de uma fadista vulgar, ousou lembrar-nos a letra de uma canção prostibular e asquerosa, do mete, mete, o nariz em qualquer sítio… Que tristeza nos deixou a nojenta epístola, escrita em mau português e imprópria de quem pretende ensinar e educar, não obstante a sua ignorância crassa das regras gramaticais da língua pátria. Não lhe levamos nada pela lição, contudo: o pronome relativo “quem” funciona, geralmente, como substantivo, é invariável, refere-se só a pessoas, e vem sempre precedido de uma preposição que o liga ao antecedente. Não lhe teriam ensinado isto?! Pobrezinha!» // F.S.   

 

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     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1495, de 22/12/1963: «FINALMENTE. // Não pretendemos enfeitar-nos com a coroa de louros da vitória ganha, aliás em condições muito difíceis, contra a teimosa e imprudente campanha desenvolvida pela Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes, acerca do aumento nas taxas dos manifestos do vinho. No prélio entraram afoitamente, com mais direitos do que nós, a Federação dos Grémios da Lavoura de Entre Douro e Minho e o nosso Grémio da Lavoura; a estes organismos cabe, com toda a justiça, o direito ao reconhecimento e aos louvores da lavoura melgacense em particular e da região dos vinhos verdes em geral. Quanto a nós, limitamo-nos a apoiar firmemente as diligências e atuação do Grémio da Lavoura que, valha a verdade, neste caso agiu com superior inteligência, admirável persistência e louvável firmeza, em defesa dos produtores vinícolas e, por extensão, dos interesses da lavoura do nosso concelho. Nesta ingrata luta pelos direitos e interesses materiais da (…) jamais desfaleceu o nosso ânimo e a nossa confiança e confiamos cheios de fé em que as instâncias oficiais superiores não aprovariam o agravamento da triste situação da lavoura minhota, reduzida, economicamente, à condição miserável de pagar tudo por altos preços e de vender os seus produtos a rastos de barato! Na realidade, o nosso lavrador paga caro a mão-de-obra e assim mesmo considera-se feliz se a consegue; os géneros alimentícios, quando os há, e se o comércio lhos faculta; as sementes, os adubos, os fungicidas, os inseticidas, e o mais de que tem necessidade para continuar a ser escravo da terra, por dedicação atávica, visto que não passa de ilusória miragem a esperança de uma exploração lucrativa do solo. Junte-se a isto o agravamento da contribuição predial rústica, da qual o Estado tem necessidade imperiosa para se equilibrar neste clima de guerra, criado pelas ambições desmedidas de amigos e inimigos, mancomunados ao serviço de falsos idealismos e de fúria destruidora da nossa vida administrativa. Não falemos em que tudo encareceu: - selo, imposto de consumo, emolumentos e taxas dos serviços públicos e particulares – e atendamos que a bolsa é só uma e bem magra por sinal. Por outro lado, em quanto que a lavoura tem de suportar estoicamente o aumento de tudo quanto precisa de comprar, em contrapartida, o aviltamento do preço dos produtos que vende, é tendenciosamente alarmante e, dia a dia, menos compensador. Parece que ainda há quem nutra ilusões sobre as possibilidades lucrativas da lavoura minhota, limitada a uma produção escassa de cereais, de vinho de baixa graduação, e de um ensaio pecuário que quase não conta na economia do nosso lavrador. E, certamente, por este defeito visual do valor e dos resultados da produção agrícola, alguns magnates, instalados admirável e comodamente nas cadeiras dos vários organismos que controlam, disciplinam e vivem à tripa forra da lavoura, lembram-se de sugar, com taxas e impostos, o anémico e quase exangue corpo daqueles que teimam em ficar amarrados ao torrão que os viu nascer e onde virão a enterrar-se. // Poucos são, infelizmente, aqueles que por teimosia ou por atavismo se mantêm fieis à terra e dela procuram viver; se não foram as divisas, ganhas à custa de sacrifícios incontáveis, pelos nossos emigrantes, que em terra estranha comem o pão que o demónio amassou, gastas um tanto ou quanto perdulariamente no arranjo das suas casas de habitação, em plantações de bacelos e ramadas em ferro, a terra de semeadura no nosso concelho, já teria sido abandonada por falta de braços e de meios para a cultivar, ou estaria de pousio, a desmoronar-se pela erosão e inclemência do tempo, ou transformada em viveiro das espécies florestais. // Pois, neste momento calamitoso para a lavoura, lembrou-se a Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes de solicitar superiormente o aumento da taxa do manifesto do vinho, de escudos 2$50 para 25$00 por pipa de quinhentos litros. Uma insignificância, apenas dez vezes a taxa atual! Porém, nem todos os membros diretivos dos organismos ligados ou criados em benefício da lavoura estão instalados em fofas cadeiras de mando, digerindo pingues honorários, indiferentes às desgraças e à miséria do espoliado lavrador; outros, mais pequenos em hierarquia e mais compreensivos, como os grémios da lavoura, protestaram, e muito bem, contra a premeditada extorsão, incompatível com a situação dos pobres e desgraçados cavadores da terra. O governo da nação fez justiça à lavoura: disse “Não” aos potentados, que sabem que há uma lavoura apenas porque dela vivem… // O nosso Grémio recebeu a circular n.º 33, de 10 do corrente mês, informando que foi “superiormente resolvido proceder, desde já, à cobrança da taxa do manifesto de produção, ao abrigo do decreto-lei n.º 45391, de 28 de Novembro p.p. ainda pela importância fixada no n.º 1 do artigo 1.º do decreto-lei 34054, ou seja, $00,5 por pipa.” // Finalmente fez-se justiça à lavoura e resolveu-se, neste capítulo de taxas, em conformidade do solicitado, enérgica e insistentemente pelo nosso Grémio da Lavoura. Bem-haja Ascensão Afonso, estamos todos de parabéns: a direção do Grémio, os viticultores melgacenses e nós, pelo contributo que demos e jamais lhe negaremos.» // F.S.   

       

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     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1496, de 29/12/1963: «CORTEJO DE OFERENDAS. // Seguindo o benemérito exemplo de outras instituições de beneficência e caridade do país, vai realizar-se no próximo dia 6 de Janeiro, mais um Cortejo de Oferendas em prol do nosso Hospital. Ignoramos se na escolha do dia 6 de Janeiro – Dia de Reis – para a realização do cortejo, teve influência a histórica viagem dos três reis magos: Gaspar, Belchior e Baltazar, vindos do leste da Palestina, guiados por uma estrela, para em Belém prestarem adoração e ofertarem presentes ao recém-nascido Menino Jesus. Se, como supomos, a escolha do dia de reis, destinado ao cortejo de oferendas em benefício do nosso hospital, foi inspirado nas personagens que o evangelho designa pelo nome de Magos e no seu (…) significa as primícias dos povos pagãos (…) à fé, temos como certo o êxito desse oportuno cortejo de dádivas, dentro do quadro (…) da mais útil e abençoada quadra de bem-fazer. As oferendas dos três reis magos – ouro, mirra, incenso – converter-se-ão no nosso caso em valores preciosos, em qualidade e em quantidade, em socorro da penúria do nosso hospital que, com as maiores dificuldades, vem exercendo a sua alta missão de velar pela saúde física e de cerrar as chagas dos pobres, numa piedosa cruzada de caridade cristã, de bondade, de beleza, e de humanidade, fiel ao lema: “quem dá aos pobres, empresta a Deus.” Desejaríamos registar em resultados materiais o êxito só comparável no valor moral desta simpática iniciativa, dentro da qual todos temos um lugar marcante para o nosso óbolo, rico ou pobre, constituído por um pouco do que nos sobra em favor daqueles que precisam. Num auto exame de consciência concluiremos que desperdiçamos imensos valores que, utilizados em socorrer os desprotegidos da sorte e os faltosos de saúde, poderia minimizar a falta de recursos alimentares e levar auxílio e alívio aos doentes. O apelo feito à caridade dos melgacenses em benefício da única instituição de beneficência do nosso concelho pela Comissão Organizadora do Cortejo de Oferendas merece o louvor e o apoio de todos quantos aqui vivem ou fora daqui labutam por uma vida melhor e mais farta. A Comissão aceita e agradece qualquer dádiva, grande ou pequena, compatível com a situação económica de cada um, e deseja a presença, em número, dos oferentes ou não, em ordem a animar o cortejo e a corresponder ao aflitivo apelo que dirige ao bondoso coração dos melgacenses, certa de que, o seu generoso concurso nesta obra de caridade constitui o mais apreciado e digno gesto de filantropia e solidariedade humana. Ao apelo da Comissão Organizadora juntamos o nosso apelo e o da Comissão de Honra, constituída pelos seguintes devotados e prestantes cidadãos: «Sua Excelência o senhor Governador Civil do Distrito; Sua Ex.ª Reverendíssima o senhor Vigário Geral da Arquidiocese; Cónego Martins Graça; D. Ulisseia Lopes; Excelentíssimos Senhores Amadeu Abílio Lopes, Presidente da Câmara Municipal de Melgaço, professor Manuel José Rodrigues; presidente da União Nacional, professor José Augusto Lourenço; Dr. Sérgio da Silva Saavedra, subdelegado de saúde; presidente da Assistência, Artur Teixeira; tenente Vasco Vilas Boas, comandante da Guarda-Fiscal; Dr. António Cândido Esteves, diretor clínico; reverendíssimo clero do concelho; excelentíssimo professorado do concelho; Dr. António Durães; Ernesto Viriato dos Passos Ferreira da Silva, antigo Governador Civil e diretor do Notícias de Melgaço; Dr. João de Barros Durães; Manuel Bento de Sousa Barros, chefe da Secção de Finanças; Carlos Eduardo Matos de Almeida Viana Lopes, tesoureiro da Fazenda Pública; António Salgueiro da Mota, chefe dos CTT. Por Lisboa – Excelentíssimos Senhores: Raul Rocha, industrial; Gaspar Octávio dos Passos Almeida, industrial; Manuel Alves “San Payo”, fotógrafo de arte. Pelo Rio de Janeiro – Excelentíssimos Senhores António Meleiro (Cabana) e José Joaquim Domingues. Pelo Porto, o excelentíssimo senhor Artur Correia dos Santos, comerciante. // Todos unidos no mesmo fraterno ideal de caridade, de benemerência e de solidariedade, associemos os nossos esforços e liguemos as nossas almas em plena e total comunhão de desejos, em ordem a tornar o próximo Cortejo de Oferendas no maior, mais brilhante e produtivo dos cortejos realizados. Avante por Melgaço. Ajudemos o nosso hospital. // P. S. – Depois de ter sido composto este modesto artigo fomos informados de que devido ao estado de saúde do reverendo padre Justino Domingues, bondoso abade da paróquia da vila, a data do cortejo de oferendas em benefício do nosso hospital foi transferida do dia 6 para o fim do mês de Janeiro, o que comunicamos para conhecimento dos nossos assinantes e leitores.» // F.S.               

 

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     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1497, de 12/01/1964: «VALERÁ A PENA?! // Em artigos de fundo incluímos e defendemos neste semanário, no passado ano de 1963, uma série de reivindicações que estão no pensamento e no coração da gente melgacense e, para algumas delas, indicamos as soluções que nos pareceram possíveis dentro da economia do nosso concelho. Convencemo-nos e esperamos que a Câmara considerasse e estudasse a gama de melhoramentos e reclamações por nós apresentadas, com interesse e sentido realizador, tomando a iniciativa de as patrocinar ou de encabeçar uma Comissão, por si organizada, quando reputasse necessária a colaboração maciça dos melgacenses em evidência, aqui residentes ou não, e das forças vivas do concelho. A título de lembrança, e nunca é demais insistir e lembrar, enumeraremos, por ordem cronológica, os problemas e reivindicações tratados neste semanário, considerados urgentes e imperiosos na vida e no desenvolvimento progressivo e civilizador da nossa terra. Lembramos a crítica objetiva às ruínas do que foram as escolas, mantidas em funcionamento muitas dezenas de anos, e construídas a expensas do legado testamentário do capitalista e filantropo Conde de Ferreira, e sobre as quais se espera, há uma eternidade, o levantamento do edifício destinados aos serviços da CGDCP; a seguir, o problema máximo do saneamento, sem a resolução do qual não é possível dar a sanidade e o ar de civilização de que carece a nossa vila, tendo-se para ele indicado soluções viáveis; depois, a campanha educativa do cuidado no embelezamento, na defesa e na fiscalização camarária dos bancos, jardins e pavimento da Praça da República, a nossa sala de visitas, que entendemos dever ser objeto do nosso mais acrisolado carinho e amor; em sequência do nosso programa, tratamos da construção do novo mercado municipal, agora na ordem do dia, pela escolha do local da praça do peixe, a fim de nele se construir a casa dos magistrados judiciais, para a qual o Cofre daqueles funcionários já votou e pôs à disposição da Câmara uma parte da respetiva verba, suficiente ao início dos trabalhos; sobre o chamado jardim do Cardoso, lembramos que não é sítio próprio aquele onde foi construído um arremedo de sanitário, com uma única entrada, a despeito de se destinar aos dois sexos, e que representa uma aberração e uma porcaria gritante, que é indispensável e urgente modificar e transferir para local apropriado; tratamos, também, da grande aspiração concelhia – a continuação do caminho-de-ferro Monção-Melgaço precisamente, no momento em que os monçanenses reclamavam e reclamam a demolição da sua estação ferroviária e desvio das linhas de manobra, a fim de prolongarem um dos seus principais arruamentos até à estrada nacional Valença-Monção; não esquecemos o calcetamento e arranjo das ruas da parte antiga da Vila – intramuralhas – reclamado não só pelos moradores mas também, e sobretudo, pelos visitantes e turistas; sugerimos um trabalho sério de reorganização da Associação Humanitária dos BVM e do seu corpo ativo e, entre outras medidas reputadas indispensáveis e atuais, demonstramos quanto seria útil e imperiosamente urgente o cadastro dos indivíduos não naturais deste concelho que aqui prestam serviço e trazem assustada a população feminina das freguesias montesinas. Depois deste rápido balanço a uma parte das nossas atividades jornalísticas, ocorre perguntar: - “valerá a pena”?! Parece que não. // Consta-nos que, teimosa e indefensável (ou indefensível) se projeta construir o mercado municipal no terreno que confina com o recreio das novas escolas da Vila, o que é antipedagógico e antieducativo, expondo as crianças de ambos os sexos à convivência vergonhosa de pessoas cuja linguagem é composta dos mais indecentes palavrões, às escorrências e aos cheiros nocivos à saúde. A ser verdade isto, protestamos indignamente contra esta monstruosa decisão e voltaremos ao assunto novamente para dizermos da nossa justiça. // F.S. // continua...          

 

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