quinta-feira, 3 de maio de 2018

POEMAS DO VENTO

                                                                                             Por Joaquim A. Rocha


desenho de Rui Nunes

FIM E PRINCÍPIO 

 
 
Já ao longe vislumbro o teu exército.

O malvado, qual fera, vem atacar-me!

Os infantes apontam-me as suas

metralhadoras de cano negro;

são portadoras da fria morte!

Os mercenários avançam como robots,

Máquinas preparadas para matar!

Os teus aviões preparam-se para me bombardear.

Bombas gigantes estão a ser lançadas do espaço!

Os «drones» já descobriram o meu frágil corpo.

Os teus navios, vorazes monstros de guerra,

começam a vomitar a sua cólera incontida;

e as árvores, minhas protetoras,

caem como bebés: desamparadas e impotentes!

O teu juízo está feito. A tua sentença foi lida: 

condenação à fogueira! A Santa Inquisição ordena.

Devo morrer, desaparecer deste mundo.

Devo mergulhar no esquecimento

como coisa, ou objeto coisificado!

As primeiras chamas atingem-me.

As faúlhas elevam-se no espaço

As bombas começam a explodir.

O meu pobre corpo já não existe.

Está destroçado. Está reduzido

a pequenas partículas que as botas dos infantes

enterram na areia do deserto.

O oásis desapareceu. A vida pereceu.

Sobreveio-lhe a cruel lembrança…

O silêncio! Mas eis que a memória prevalece.

Existem as imagens retidas no armazém

do Tempo.

 Agora já não mais poderão destruir-me!

Nem com blindados, nem com balas mortíferas,

 nem com gases venenosos,

nem com a indiferença dos deuses.

Agora, reduzido a fragmentos, a pó, eu já poderei viver!

Ninguém pode afastar-me, sou apenas sombra.

Não poderão fragmentar-me segunda vez!

O poderoso exército já nada

pode contra mim.

Não suscitará ciúmes, nem ódio,

a minha sombra invisível.

As horas supremas de prazer, serão esquecidas,

O meu não corpo pairará no espaço como um balão que fugiu das mãos de uma criança!

Não sentirei medo, jamais terei esperanças.

Os meus sentimentos dissipar-se-ão no meio do infindo universo.

Visitarei galáxias, sóis escaldantes, planetas desabitados. Saciarei a minha sede de ser na bruma.

Em todas as aflições, se surgirem,

Ultrapassá-las-ei com o esquecimento.

Superarei a dor se regressar ao fingido corpo.

Eu sou uma ideia!

Eu sou uma não existência!

Ninguém poderá, doravante, ignorar-me!




desenho de Rui Nunes
 

  


 

  

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