domingo, 18 de dezembro de 2016

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha 




Um crime passional

     Casaram em 1901, tinha ele 25 anos de idade e ela apenas dezanove. Gostavam um do outro desde catraios, apesar da diferença de idade. Ele fez a 4.ª classe na escola do ensino primário da freguesia e depois agarrou-se à enxada, como praticamente todos os rapazes do concelho de Melgaço. No entanto, como havia muitos homens seus conterrâneos a trabalhar no comércio na capital do país acabou por deixar a lavoura e tentar a sua sorte em Lisboa. Não levou a sua esposa para lá; o ordenado de caixeiro era muito baixo, não dava para pagar a renda de uma casa. Ele residia num quarto, num daqueles prédios velhos da cidade, onde não se pagava muito. Um dia, talvez o mais terrível da sua vida, alguém lhe diz que a mulher o traía. Não queria acreditar. A sua amada Emília, tão pacata, tão apaixonada por ele, traí-lo? Isso era impossível. Tentou esquecer, mas aquele sentimento mesquinho apoderou-se do seu cérebro. Um dia resolve tirar tudo a limpo; a sua vida tornara-se num inferno. As cartas dela eram sempre amorosas, cheias de esperança. Em 1902 nasceu-lhes um rapaz, todos diziam que era parecido com ele, sossegou; mas o diabo não lhe dava tréguas - os ciúmes, a falta de dinheiro para a levar para a sua beira, tornaram-no um homem à deriva. Já quase nem conseguia discernir. Que fazer? Comprou uma arma e partiu para a sua terra natal. Por volta das três horas da manhã entra em casa e dirige-se para o quarto, onde esperava ver a sua companheira a dormir, mas o que de facto viu nunca o saberemos, pois o sacerdote que redigiu o assento de óbito não o diz. Também não nos informa que tipo de arma usou. Os jornais da altura também não ajudam muito a esclarecer esta tragédia.  
     Seguem-se as biografias destes dois desgraçados, duas criaturas na flor da idade, cujos sonhos não conseguiram concretizar. A criança cresceu, graças ao cuidado de seus avós, casou, e teve geração.  
 
PASSOS, Emília. Filha de Manuel Ferreira de Passos, lavrador, natural de Penso, Melgaço, e de Marcelina Martins Peixoto, lavradeira, natural de Messegães (São Miguel), Monção, moradores no lugar de Paradela, Penso. Neta paterna de José Ferreira de Passos e de Mariana Esteves Cordeiro; neta materna de João Martins Peixoto e de Maria Luísa Fernandes. Nasceu em Penso a 26/5/1882 e foi batizada na igreja católica nesse mesmo dia. Padrinhos: José Esteves Cordeiro e Josefina Esteves Cordeiro, solteiros, rurais. // Lavradeira. // Casou na igreja a 15/7/1901 com o seu conterrâneo e parente António da Rocha, de 23 anos de idade, solteiro, camponês. // Faleceu a 8/6/1903, no lugar de Paradela, às três horas da manhã, «sendo assassinada», sem testamento, com geração, e foi sepultada no cemitério local.  
 
ROCHA, António. Filho de Matias da Rocha e de Benta Joaquina Rodrigues, lavradores, residentes no lugar de Paradela. Neto paterno de António José da Rocha e de Maria Caetana de Lucena; neto materno de João Francisco Rodrigues e de Mariana de Araújo. Nasceu em Penso a 9/12/1876 e foi batizado na igreja católica no dia seguinte (*). Padrinhos: Manuel Luís Esteves e sua esposa, Maria José Afonso, rurais, do lugar de Paradela. /// (*) Fora sopeado em casa pela madrinha. // Casou na igreja a 15/7/1901 com a sua conterrânea e parente Emília Ferreira de Passos, de 19 anos de idade, solteira, camponesa, filha de Manuel Ferreira de Passos e de Marcelina Martins Peixoto. // A sua esposa foi assassinada por ele próprio às três horas da manhã do dia 8/6/1903, no lugar de Paradela. // Ele morreu a 8 de Junho de 1903, logo a seguir à morte da mulher, por suicídio. Viera de Lisboa, onde trabalhava como caixeiro, propositadamente para a matar, provavelmente por o terem avisado de que ela o traía. Não fizera testamento, e foi sepultado sem pompa alguma num terreno reservado junto ao cemitério para esse efeito. Segundo a igreja católica, o suicida não tinha quaisquer direitos e ia diretamente para o inferno. // Com geração.

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