sexta-feira, 17 de março de 2023

QUADRAS AO DEUS DARÁ

Por Joaquim A Rocha 







180

 

Oh! Minha ninfa peixeira,

Mãos rudes, corpo bonito;

Se não fosse essa sujeira,

Levava-te em meu carrito.

 

181

 

Subi à torre do castelo,

Atirei-me: - trambolhão.

Diz-me um anjo ao ouvido:

«Vem conhecer pai Adão

 

182

 

No tempo de meus avós

Namorar era engraçado:

A rapariga lá em cima,

Em baixo, o namorado.

 

183

 

Agora o namorar

É só de lábios colados;

É um longo abraçar,

São beijos nunca acabados.

 

184

 

Quando andava na escola

Nada tinha pra calçar;

Camisa toda rotinha,

As calças por remendar.

 

185

 

Pra ganhar algum dinheiro

Engraxei muitos sapatos;

Fui moço de sapateiro,

Consertei cem mil chanatos.

 

186

 

Um rapaz da minha terra

Foi para o rio nadar.

Aflita, sua mãe berra:

Ai filho, vais-te afogar!

 

187

 

Podia ter sido alguém,

Se não fosse tão bacoco;

Se usasse gravata fina,

E belo chapéu de coco.

 

188

 

Sofremos de uma doença

A que chamam cupidez;

É doença nacional,

Orgulho do português.

 

189

 

Passei fome, passei frio,

Mas sede só por olvido;

Tinha a água do rio,

A rica fonte do Vido.

 

190

 

Tens perninhas de primeira,

Um rostinho de segunda;

Cabecinha de terceira,

E de quarta tens a tunda.

 

191

 

A geada queima a flor,

A raiz não queima, não;

Teus olhos queimam, amor,

O meu frágil coração.

  

192

 

O general Bonaparte

Coitado, até dá pena;

Homem de engenho e arte

Foi morrer em Santa Helena.

 

193

 

O general Bonaparte

Tinha uma sorte pequena;

Dominou em toda a parte,

Sucumbiu em Santa Helena.

 

194

 

O pequeno Bonaparte

Foi um grande general;

Inspirado por deus Marte

Mandou invadir Portugal.

 

195

 

O terrível Bonaparte

Foi grande cabo-de-guerra;

Guerreou por toda a parte,

Conquistando mar e terra.

  

196

 

Napoleão Bonaparte

Foi militar genial;

Ganhou em Júpiter, Marte,

Mas perdeu em Portugal.

 

197

 

Bonaparte, inimigo,

Eu te condeno, afinal;

Cavaste o teu jazigo

Ao invadir Portugal.

 

198

 

Há anos, no rio Minho,

Vi um homem afogado;

A pele da cor do vinho,

O rosto desfigurado.

 

199

 

Nobre Centro Cultural,

De Belém, por lá morares;

Orgulho de Portugal,

Caravela de outros mares.

  

200

 

Tinha eu vinte e um anos,

Fui prà guerra combater;

Vi a morte com sopranos,

Convidando-me a morrer.

 

201

 

Fui um soldado sem brio,

Não tive orgulho na farda;

Detestava o atavio,

A pistola e a espingarda.

 

202

 

Fui para a tropa forçado,

Tal condenado à morte;

Podia ter emigrado,

Fugido dessa má sorte.

 

203

 

Pobre soldado recruta,

És tratado tal rafeiro;

Chamam-te filho da puta,

Pontapeiam-te o traseiro.

  

204

 

Mendigar não é pobreza,

Pedinte já ganha bem;

Tem rica cama e mesa,

Apartamento em Belém.

 

205

 

Dizem-me que sou racista.

Senhores: juro que não.

Só não gosto do fascista,

Do canalha, do vilão.

 

206

 

Não olho prà cor da pele,

Se é loira ou castanha;

O vulcão, quando expele,

Enche de cor a montanha.

 

207

 

Chamaste-me feio anão,

Por não ter o teu tamanho;

Mais pequeno é o cão,

E confiam-lhe o rebanho.

  

208

 

Veste calças de palhaço,

Usa brincos de mulher,

Bebe copos de bagaço,

Toma droga quanta quer.

 

209

 

Ando no mundo, sarcástico,

Passeando os olhos pios;

Só vejo sujo plástico

Poluindo belos rios.

 

210

 

Quem me dera ter dez anos,

Saber o que hoje sei;

Evitaria os enganos,

Os reles fora-da-lei.

 

211

 

Eu não quero ter dez anos,

Pra que tu os possas ter;

Que nos importam enganos

Se se ganha um lindo ser?

  

212

 

Se eu tivesse vinte anos,

Soubesse o que hoje sei,

Não conheceria enganos,

Nem chorava o que chorei.

 

213

 

Não quero o que desejei:

Diamantes, diademas;

Só a ti junto de mim,

Embalada em mil poemas.

 

214

 

És poeta, bem o sei,

Encontro-me entre iguais;

Não és rainha, nem rei,

Q’ importa se ainda és mais.

 

215

 

Tens um ar de donzelinha,

Herdado da meninice;

Uma pele moreninha,

Coração d’oiro, Alice.


// continua...

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