segunda-feira, 27 de março de 2023

OS NOVOS LUSÌADAS (...)

Por Joaquim A. Rocha 



// continuação de 19/12/2022.


Segunda Parte

 

(1820 a 1910)

 

1

 

Estalou a revolução no Porto,

Devido à ausência do rei, da corte;

O país estava exausto, morto,

Bateu-nos à porta azar, não a sorte;

Portugal era então pequeno horto,

Sem rumo, dignidade, qualquer norte.

Graças à célebre revolução

Voltou a ter orgulho esta nação.

 

2

 

Manuel Tomás, português de lei,

José Borges, José Silva Carvalho,

Trouxeram orgulho à nossa grei,

Inundaram o país de doce orvalho;

Chamaram do Brasil o novo rei,

Tiraram certas cartas do baralho.

Apearam a Junta Governativa,

Criaram uma outra mais combativa.

 

3

 

Convocaram umas Cortes Gerais,

A fim de impor a constituição;

Ela elaborada, e tudo mais,

Dom João assinou com sua mão.

Dom Pedro, do Brasil o novo arrais,

Fez tal qual como o rei Salomão:

Proclamou a total independência,

Libertou o Brasil da dependência.

 

4

 

Dom Pedro tornou-se imperador

Daquele reino, daquele império,

Foi um parto alegre, sem qualquer dor,

Sem quaisquer enigmas, nenhum mistério.

A língua portuguesa, linda flor,

Uniu Luís, o Zé, e o Rogério.

Dom João Sexto ficou furioso,

Mas três anos depois achou gostoso.

 

5

 

Dom Miguel e sua madre Carlota

Não aceitaram o regime liberal;

Irritado, calçou a longa bota,

Vestiu a fardeta de general…

Reuniu, por meio de muita nota,

Pequena hoste de gente marginal.

Provocou a contra revolução,

Para ficar à frente da nação.


6

 

Vilafrancada se chamou ao ato,

Trazendo de novo o absolutismo;

Dom João reagiu estupefacto,

Hesitou entre a fala e o mutismo.

Decidiu estabelecer um pacto

Adotou neste caso o pacifismo.

Demite o governo, esconde o seu fel,

Nomeia generalíssimo Miguel.

 

 7

 

O seu filho não ficou satisfeito,

Queria mais, queria ser herdeiro,

 E notando o seu plano desfeito,

Torna-se desleal, um desordeiro;

Toma rédeas, enche de ar o peito,

Reúne a tropa no vasto terreiro.

Provoca a chamada Abrilada,

Numa triste, chuvosa madrugada.

 

8

 

Miguel é totalmente derrotado,

A tropa rende-se cobardemente;

Ele é para longe desterrado,

Vai descansar seu corpo, sua mente.

Oxalá que tal filho arrenegado

Permaneça longo tempo ausente.

Entretanto o rei Dom João falece,

E o povo depressa o esquece.


9

 

Deixou a uma Junta o governo,

Presidida por Isabel Maria;

Era primavera, depois do inverno,

A noite minguava, crescia o dia.

Afastou-se para longe o inferno,

Ganhou-se quiçá alguma harmonia.

João jaz em São Vicente de Fora,

Cuja vida ninguém lembra ou chora.

 

10

 

Pedro é o novo rei de Portugal,

E imperador do grande Brasil,

Que fazer? A pergunta natural…

É apenas um ser, não cem ou mil.

Outorga a Carta Constitucional,

Dá-a, como água de um cantil…

Os lusos bebem-na, sem surpresa,

Constituição vai pra baixo da mesa.

 

11

 

Dom Pedro, para bem cumprir as leis,

Abdica em sua filha Maria,

(mil oitocentos e vinte e seis),

Uma moça, pequena cotovia;

Era assim, o destino dos reis,

Tomar decisões de noite e dia.

E como ela tinha pouca idade,

Esperava até à maioridade.

 

12

 

Foi prometida a seu tio, Dom Miguel,

Que governaria como regente;

O infante, fundo poço de fel,

Ri-se, dança, delira de contente.

Essa notícia é doce de mel,

Permite-lhe, em Portugal, ser gente.

Aceita, agradece comovido,

O regresso ao seu país querido.

 

13

 

Armado em cavalheiro, mui leal,

Aceita ordens do irmão, da rainha,

Jura a Carta Constitucional,

Mas outra má intenção ele tinha.

Príncipe Miguel quer pra Portugal,

O seu regime, outra ladainha.

Veio de longe, d’Áustria, Viena,

Armado em cordeiro, mas hiena.

 

14

 

Mal chegado ao seu torrão natal,

Com asas de condor, soltas no vento,

Como um lobo, terrível chacal,

Dissolve, nervoso, o Parlamento...

Convoca as cortes de Portugal,

Que o proclamam rei no juramento.

Volta ao país o poder absoluto,

Poder dum só homem, louco e bruto.

 

15

 

Os liberais reagiram de repente,

Mobilizaram vinte ou cem mil,

Chamaram Pedro, soldado valente,

Para se iniciar a guerra civil.

Logo, não correu bem a esta gente,

O lutador não tinha inda perfil.

No Porto aderiram militares,

Mas fracos, foram todos pelos ares.

 

16

 

Alguns deles fugiram para Espanha,

Dali foram pra França e Inglaterra;

No país ficou Miguel com sua manha,

Rei absoluto, senhor desta guerra...

Dom Pedro os dentes arreganha,

Jamais deixará ao mano sua terra.

Os contra reúnem-se na Terceira,

Vila Flor está na fila primeira.

 

17

 

As tropas miguelistas vão à ilha

Convencidos de uma fácil vitória;

Contudo, sem os ditos na braguilha,

Sofrem pesada derrota inglória.

Liberais tinham na mão a manilha,

Lutavam por Dona Maria da Glória.

Em Vila Praia vencem o combate,

Com garra e engenho no ataque.

 

18

 

Dom Pedro continuava em Vera Cruz,

Sem novas, sem nada saber ao certo;

Avisado, no peito se fez luz,

Nada era perdido, tudo em aberto…

Queria voltar a Lisboa, a Queluz,

Quebrar com este tempo mui incerto.

Dá a coroa do Brasil ao filho,

Entra no barco em busca de sarilho.

 

19

 

Parte para a França, Inglaterra,

Para se juntar aos seus partidários,

Quer retomar para a filha sua terra,

Destruir os canalhas, os vigários;

Leva balas, espingardas, a guerra,

Para acabar com bestas e sicários.

Dali segue para a Ilha Terceira,

Para delinear a luta derradeira.

 

20

 

Com sete mil e quinhentos homens

Desembarca em Leixões, no Mindelo;

Gigantes, com força de lobisomens...

Não levam elefante, nem camelo;

Apenas a raiva, peitos enormes…

Nos seus olhos brilhantes, forte anelo.

Entram no Porto, invicta cidade,

Onde sofrerão muita crueldade.

 

21

 

O nosso Alexandre Herculano

Foi um dos bravos, grandes lutadores;

Tinha apenas vinte e dois anos,

Ainda na idade dos amores…

Ousado, valente, arturiano,

Causou no inimigo mil temores.

Nunca apreciou o absolutismo,

Combateu-o com garra, heroísmo.

 

22

 

Almeida Garrett, outro dos bravos,

Introdutor do romantismo entre nós,

Amante das lindas rosas e cravos,

Grande escritor, portentosa voz;

Sofredor, por paixão, d’amargos travos,

Moendo desgostos em velhas mós...

Lutou pela nação, a liberdade,

Pelos seus amores, contra o ultraje.

 

23

 

Cansados, já com falta de alimentos,

E numa tentativa derradeira,

Partem do Porto alguns elementos,

À frente dos quais Duque da Terceira;

Que apesar dos imensos tormentos,

Com uma vontade férrea, verdadeira,

Desembarcam nas costas do Algarve,

Onde vencem as tropas do alarve.

 

24

 

O duque vai a Lisboa tal Sansão,

Tudo derruba, causa terror;

Vence o general Teles Jordão,

Leva ao inimigo muita dor.

Não há piedade, não há perdão,

É preciso destruir o estupor.

Miguel levanta o cerco do Porto,

Corre a Lisboa, mas dá para o torto.

 

25

 

Travam-se no país duras batalhas,

Asseiceira e antes Almoster, 

Saldanha derrota os vis canalhas,

Terceira faz deles o que bem quer.

Esvaziam-se pipas, mil tinalhas,

Festeja-se em Gondomar, Alenquer.

Dom Miguel, resignado, vencido,

Assina a paz, num gesto comedido.

 

26

 

A leal convenção de Évora-Monte,

Acaba com a fratricida guerra;

É necessário que a paz desponte,

Sossego volte a esta linda terra. 

Bebamos todos nós da pura fonte,

Capítulo da história se encerra.

Dom Miguel partiu para muito longe,

Onde foi soba, tirano ou monge. 


// continua...  

Sem comentários:

Enviar um comentário