domingo, 29 de janeiro de 2023

PROFESSOR DOUTOR CÓNEGO JOSÉ MARQUES 


NOTA: faleceu na noite de 28 para 29 de Janeiro de 2021.


«Conheci o padre José Marques (foi assim que se apresentou) em 1976, quando ele, já assistente da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, mas então aluno do Curso de Bibliotecário Arquivista da Faculdade de Letras de Coimbra, veio pedir ao incipiente bibliotecário da Biblioteca Pública de Braga que eu era (também antigo aluno daquele curso) ajuda para um trabalho que estava a fazer para uma disciplina curricular. E logo ali, talvez por ambos sermos do Alto Minho (ele de Melgaço e eu de Monção) criamos laços de amizade que se iriam fortalecer e prolongar pela vida toda. Acompanhei o seu percurso académico, como professor, reputado paleógrafo, e investigador da Faculdade de Letras do Porto (de que foi diretor), com enorme gosto, ao mesmo tempo que ia fruindo com a leitura dos seus trabalhos, nomeadamente sobre a arquidiocese de Braga e o Minho medieval. Encontrava-o frequentemente como leitor da BPB e sobretudo do Arquivo Distrital de Braga, de que era utilizador assíduo. Muitas vezes recorri aos seus conhecimentos e colaboração no exercício das minhas funções de bibliotecário (realização de conferências, apresentação de livros – como foi o caso de “Liturgia de Braga”, do cónego A. Luís Vaz em 1992 - ou publicação de artigos na revista Forum do CCUM que eu coordenava) mas também em relação à ASPA, da qual José Marques era sócio e apoiou em diversas ocasiões (deve-se-lhe por exemplo a condução esclarecidada de uma visita à Sé de Braga ou a publicação de um artigo na revista Mínia). Devo-lhe ainda o convite, que muito me honrou, para ser professor do Curso de Especilaização em Ciências Documentais que o Professor José Marques criou na FLUP. Já depois da sua aposentação pude apreciar o caminho que o Prof. José Marques continuou a trilhar como investigador, materializado num conjunto apreciável de livros, artigos e recolhas documentais que incansavelmente ia publicando. Recordo, comovido, a apresentação do Cartulário de Fiães, feita junto àquele mosteiro melgacense numa esplendorosa tarde minhota, em agosto de 2016, durante a qual José Marques recordou o amor de sua mãe, a dura infância que viveu e o tempo em que, já sacerdote, se ofereceu para ir para França dar apoio espiritual (e presumo que material) aos emigrantes portugueses que então viviam penosamente nos “bidonvilles”. // Com o seu grande amigo Prof. J. Viriato Capela (catedrático em História da Universidade do Minho), visitei-o no hospital e depois na residência sacerdotal, quando esteve gravemente enfermo, mas mostrando sempre grande ânimo, falando de projetos de publicação a concretizar (o que ainda conseguiu), tendo eu ficado extremamente surpreendido quando nos disse que recitava o breviário pelo telemóvel. Também o encontrava ocasionalmente em Vila Praia de Âncora onde, como alto minhoto, gozava, como eu sempre fiz, parte das suas férias, mas trazendo sempre algum estudo para ultimar. Assisti a conferências proferidas pelo Doutor José Marques, em Braga, Monção, Melgaço, Paredes de Coura, Porto e Lisboa, e à apresentação dos seus últimos trabalhos. Nomeadamente, acompanhei de perto a organização do livro “Alto Minho e Galiza – estudos dispersos”, um projeto bastante antigo, uma obra de grande importância, editada pela Casa Museu de Monção e Câmara Municipal de Melgaço, em 2017, que o deixou muito feliz. Em fevereiro de 2020 colaborei com o grande fotógrafo e editor Libório M. Silva, na organização da exposição “Rostos da Escrita em Braga”, apresentada na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, para a qual o Doutor José Marques foi uma das dez personalidades selecionadas, tendo eu sugerido os cinco livros mais importantes da sua bibliografia para figurarem na exposição, com o que ele de imediato concordou. Fui regularmente privilegiado com a oferta dos seus livros e separatas, sempre enriquecidos com dedicatórias amigas. De entre eles recordo o seu Curriculum Vitae publicado em 2008, no qual são compiladas 338 referências bibliográficas relativas a monografias e outros artigos científicos, bem como 109 relativas à colaboração na imprensa local e regional (anoto que o seu primeiro artigo foi publicado neste jornal em 15/04/1976). Pois bem, na última mensagem que dele recebi, em 26/12/2020, dizia-me: “eu tinha de facto alguns projetos, que não desisto de os concretizar. Um deles é a reedição do meu curriculum académico, agora corrigido e aumentado, porque na 1.ª edição ficaram omissos muitos artigos e, após a aposentação, publiquei muito mais e queria reuni-los. Vamos lá ver o que é possível fazer”. Não tenho dúvidas que a sua produção se aproximaria dos seiscentos títulos. Seria bom tentar saber se esse trabalho ficou concluído pois, com a sua publicação, a comunidade académica (e não só) muito dele beneficiaria. Há um aspeto muito pessoal que me apraz aqui referir. Após o falecimento de minha mãe, a sua missa de sétimo dia foi surpreendentemente celebrada, sem que tal lhes fosse pedido, na igreja de São Lázaro, Braga, pelos senhores cónegos José Marques, Fernando Monteiro (que infelizmente também já nos deixou) e Carlos Nuno Vaz. Não sendo eu um homem de fé (mas a minha mãe era profundamente católica) tratou-se de um gesto de grande solidariedade e estima que a mim e meus irmãos tocou profundamente. Para além das suas qualidades como historiador, que todos reconhecem, e a sua vultuosa e qualificada bibliografia bem comprova, o que do Professor José Marques mais guardarei na memória e no coração será a sua amizade benevolente, a sua constante disponibilidade, a sua simplicidade, generosidade e afabilidade e, sobretudo, a sua tolerância.» Henrique Barreto Nunes (bibliotecário). 

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