terça-feira, 27 de setembro de 2016


       ENTRE MORTOS E FERIDOS
          (dois anos de guerra na Guiné-Bissau)


Por Joaquim A. Rocha




13.º Capítulo


 
A CAMINHO DE CUFAR
 
 

     Mais um domingo lisboeta. As lindas ruas da Baixa… sempre a abarrotar de gente! Começava a notar-se turistas estrangeiros e imigrantes africanos por tudo que era sítio. Políticas de imigração não existiam; entrava quem queria neste pequeno e periférico país. Depois da descolonização vieram de África centenas de milhar de pessoas: novas, velhas, saudáveis e doentes; honestas e nem por isso.

     Os dois amigos reencontraram-se, como já era hábito, no Café Suíça; mas agora já era difícil arranjar um lugar, pois as mesas estavam quase sempre ocupadas. Esperaram um pouco e lá conseguiram sentar-se. Henrique perguntou:
 

- Depois de Bolama foram para onde?

- Encaminhamo-nos para Cufar (que numa das línguas locais significa morrer, terra onde se morre).

     Três dias antes de partirmos escrevi a uma cantora do norte, a tal namorada do fadista, na altura já muito em voga, de seu nome Mariana, a pedir-lhe que fosse minha madrinha de guerra. O Luís Augusto, assim ele se chamava, deu-me a morada e eu não hesitei – se ela não respondesse o que perderia eu? O fadista queria era ler as cartas dela, pelos vistos estavam indiferentes.

- E ela respondeu?

- Nem pensar! Silêncio absoluto. Responder a um soldado? Se eu fosse oficial! Escrevi também a duas raparigas do Minho, de origem modesta.

- Essas responderam.

- Sim, essas aceitaram o meu pedido. Queres que te leia as cartas?

- Adoraria.

- Como tive sete madrinhas de guerra, somente te vou ler as cartas de uma delas, apesar de serem todas interessantes.

- Sete?! Nada mal: uma para cada dia da semana! Gostaria que as lesse todas, mas já que não quer…

- Não se trata de querer ou não querer, simplesmente seria enfadonho para ti. E tens sorte eu trazer uma dessas cartas, pois com as mudanças de quarto não sei como ainda as conservo! Eis a primeira:

 
   Senhor

                Recebi o seu aerograma e realmente fiquei surpreendida e para mais sendo de uma pessoa para mim desconhecida. Ainda gostava de saber quem foi esse meu conterrâneo conhecido que lhe deu o meu nome e morada, mas já calculo quem seja e da minha parte diga-lhe que mando os meus parabéns; eu não me importo ser madrinha de guerra do senhor, mas desde já lhe digo que sou ainda muito nova, pois tenho somente dezoito anos. Se isso não lhe causa nenhum impedimento, eu pela minha parte aceito.

     Diz o senhor que é de Melgaço, realmente é uma terra muito linda, já lá fui algumas vezes, mas é pura coincidência, tenho também uma pessoa na família que foi madrinha de um rapaz dos seus sítios, que estava em Moçambique, mas felizmente já voltou para cá são e salvo.

     E é tudo, não tenho mais nada para lhe dizer, mas há-de ver que daqui para o futuro as cartas que lhe escrever não vão ser curtas, pois a mim parece-me que se fosse jornalista havia de ter sempre qualquer coisa para pôr nos jornais, quem sabe, ainda pode ser que o venha a ser, ainda sou nova e o mundo dá tantas voltas…

     Receba cumprimentos sinceros da que já pode considerar madrinha de guerra.

                                                                                  Fernanda

 

- Parece-me que teve sorte. Moça brilhante a escrever, nova e culta. Uma minhota inteligente.

- Sim, é verdade. No entanto…

- Aconteceu depois alguma coisa desagradável?!

- Se não te importas, continuo a contar-te a minha modesta odisseia. Mais tarde digo-te o que se passou com esta madrinha. Não levas a mal?

- De modo algum! Preciso controlar a minha mórbida curiosidade. // continua...

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