quinta-feira, 31 de março de 2016

LINA - FILHA DE PÃ
romance

Por Joaquim A. Rocha

desenho de Rui Nunes

4.º Capítulo


     Os meses foram fluindo. Lina já dominava todo o serviço, o magistrado contratara uma jornaleira, a Jesufina, para cuidar da horta, que agora estava um primor, «um brinquinho», como ele gostava de dizer. Tinha uma grande variedade hortícola. Quando as pessoas passeavam na Avenida olhavam para a horta do juiz e comentavam: «Que linda está! Aquelas couves, o tomate, os grelos, os pimentos verdes e vermelhos, as cebolas, até feijão verde tem!» Toda a gente admirava a horta do juiz.
    A Jesufina, aparentemente débil, esguia, mas rija como uma rocha milenar, nos seus quarenta e tal anos, tinha um orgulho tremendo naquela horta, tratava-a com esmero, com carinho, como se fora o filho que lhe morrera anos atrás, mas havia um senão: ganhara um medo colossal, danado, ao canzarrão. O bicho não simpatizava com ela e por isso, quando a via, ladrava-lhe sempre, mostrando-lhe uns dentes enormes e aguçados, prontos a morder, a estriçar aquele corpo. «Maldito cão» - resmungava ela.

**

     Lina tinha quase dezasseis anos. Os seus seios cresceram, as suas ancas já davam nas vistas. Os rapazes da Vila já andavam atrás dela, mas ouviam sempre a mesma resposta:

- Se se meterem comigo, ou me fizerem mal, digo ao Senhor Doutor Juiz.

     Eles temiam a autoridade. Julgavam que um juiz era uma espécie de rei em regime absolutista, um déspota – podia fazer tudo aquilo que quisesse: prendê-los, torturá-los, até matá-los! Afastavam-se dela, despeitados, dizendo-lhe:

- Pensas que és boa, que és importante, só por seres criada dum Senhor Doutor Juiz, mas há melhor do que tu. A nós não faltam raparigas. Adeus!
    
     Ela ficava absorta, afinal de contas era da mesma classe, gente pobre, que nunca teriam nada de sua legítima. Alguns até eram rapazes bonitos, empregados de balcão, aprendizes nas oficinas, e nos bailes sabiam dançar como ninguém. No entanto, ainda era nova para namorar, embora vontade não lhe faltasse, apetecia-lhe ser beijada, às escondidas, mas o patrão podia não querer que ela namoriscasse, até a podia despedir, e por outro lado ainda não esquecera os conselhos da mãe. Aquelas palavras sábias: «tem juízo, rapariga, não te deixes seduzir por um peralta, um malandreco da Vila», ainda não as esquecera.
     Nessa noite o juiz andava agitado. A namorada estava doente, tuberculosa, bebera demasiado vinagre para emagrecer, fizera dieta sem quaisquer regras, não aceitava ser gordinha, nédia, e agora fora internada num Sanatório, com poucas esperanças de melhoras. Já tinham tido contactos íntimos, embora irregulares, por causa dos mexericos, dos preconceitos seculares, mas agora ficara desarmado. Quando é que voltaria a vê-la? O mais certo era ela morrer. Teria que arranjar outra, mas como aquela não seria fácil. Filha de gente fidalga, rica, filha única, futura herdeira daqueles bens todos. Onde arranjaria outra igual? Faltava-lhe quase um ano para deixar Melcarte, depois iria para o centro ou sul do país, encontraria novas amizades, quem sabe, outros amores. Tinha 34 anos de idade, era saudável, boa figura, não faltariam pretendentes. Devia esperar pacientemente. Não lhe apetecia deitar-se. Foi até à sala, retirou um livro da estante, um romance de Eça de Queirós, O Primo Basílio, e começou a ler. Lina saiu da cozinha e foi-se despedir dele.

- Até amanhã, Senhor Doutor. Se precisar de alguma coisa é só pedir. Estou sempre às ordens.             

     Ele chamou-a, olhou para ela como antes nunca olhara, mirou-a dos pés à cabeça, e diz-lhe:

- Tenho andado tão ocupado que nem reparo em ti. Estás uma linda catraia. Deste um enorme pulo ultimamente.
- É bondade do Senhor Doutor. Eu não presto para nada. Sou pequenina e feia.
- Não te menosprezes. Chega-te mais para aqui.

     Pegou-lhe nas mãos, branquinhas, suaves, levou-as aos lábios, e pediu-lhe, com doçura:

- Senta-te aqui, nas minhas pernas; estou a precisar de carinhos. Tive um grande desgosto.

     Ela ficou muito corada, o sangue subiu-lhe ao cérebro, não sabia como reagir. Ele era o seu patrão e agora queria ser o seu amante. Que futuro seria o dela? Avançou um pouco, meteu-se entre aquelas pernas grandes, poderosas, e solicitou-lhe com meiguice:

- Não me magoe; eu nunca fui de ninguém, sou virgem.

     Ele estendeu os seus longos braços, abraçou-a com ternura, beijou-lhe os lábios, mexeu-lhe nos seios, rijos, redondinhos, com uns bicos entre o roxo e o vermelho, os chamados mamilos, quais cerejas em Maio, a explodirem de cor, depois levanta-se lentamente, pega nela como se fosse uma pluma e leva-a para a cama. Ela despiu-se, ficando completamente nua, e ele não resistiu àquele corpo intacto, pequeno mas bem torneado. Nem sequer pensou nas consequências. Cada coisa a seu tempo. Agora era um momento de gozo, de prazer infindo, de fantasias incomensuráveis. Estiveram entrelaçados quase toda a noite. Beijos mil, ternuras sem fim, palavras meigas.

- Meu amor: és a mais linda de todas as mulheres que já possuí. És um botãozinho de rosa!
- Ai Senhor Doutor: nunca imaginara que fosse tão bom. Serei sempre de vossemecê. Nunca hei-de querer outro homem na minha vida.

     E beijava-o ardentemente. Ardia em febre.

- Minha querida, jamais te deixarei. (E beijava-a com doçura, com meiguice, com paixão…)


     E depois de mil promessas, adormeceram profundamente. // continua...

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