segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

 


//continuação de 1/09/2022


86

 

Neste reinado de Dom João Quarto

Viveu o padre António Vieira;

Já do velhinho continente farto,

Partiu num navio, classe de terceira,

A fim de pregar a José, a Marto,

A bondosa doutrina verdadeira.

Andou pelos Brasis e outras terras,

Evitando sempre lutas e guerras.

 

87

 

Foi um notável orador sagrado,

Grandíssimo escritor de sermões;

Num português correto, refinado,

Conquistou muitíssimos corações.

Foi por vários povos respeitado,

Foram louvadas suas orações.

Acusado pela Santa Inquisição

Sentiu na pele a fome, a prisão!

 

88

 

Tentou para os índios a liberdade,

Apoiando-se num decreto real;

Mas era ainda cedo na verdade,

Estava muito verde o nosso Portugal.

«Mas antes seja cedo do que tarde»,

Pensava o missionário genial.

Apesar de preso e perseguido,

Jamais Vieira se deu por vencido.

 

89

 

Sonhou com um certo quinto império,

Com um mundo para todos melhor;

Ainda hoje pra nós é um mistério

Aceitar a ideia sem ter horror;

Cada qual defende o seu critério,

Ousa ir além até do amor.

Mas para que nada soe a falso

É preciso fugir do cadafalso.

 

90

 

Ao rei Dom João sucedeu Afonso,

Seu filho segundo, o «Vitorioso»;

Sem barba na cara, cabelo tonso,

Corpo grande, magro, rosto vistoso…

Olhos vivos, espertos, nada alonso;

Diziam-no esmoler, generoso...

Na morte do pai era inda botão,

Governando assim Luísa de Gusmão.

 

91

 

Quando se sentou no dourado trono

Quis para ministro Castelo Melhor,

Estadista famoso, nada mono,

Tornando o real exército maior;

Desprezando a cama, doce sono,

Lutou com o conde de Vila Flor.

Finda a guerra da restauração,

Logo vem outra: a da sucessão.

 

92

 

O rei Afonso, acusado de inapto,

É deposto a favor de seu irmão;

Foi preso, banido, sujeito a rapto,

Como se ele fora vil ladrão!

Nada a dizer, lamentar, pois de facto,

Poder corrompe, ninguém tem razão.

Foi para uma ilha dos Açores,

Para ali sofrer vexames e dores.

 

93

 

Logo outra guerra surgiu no horizonte,

A chamada Guerra da Sucessão.

Percorreu-se montanha, alto monte,

Pediu-se ajuda a Marte e Sansão;

Bebeu-se sangue da maldita fonte...

 Ganha a guerra, eis a desilusão,

Foge a tropa de Espanha por atalhos,

Senão seriam feitos em retalhos!

 

94

 

Um vil tratado deu à Inglaterra

Milhões de libras, imenso dinheiro.

Levaram o vinho para a sua terra

Em troca mandam tecido foleiro.

A alma lusa não grita, não berra,

Guarda pra depois o chocalheiro.

O povo está cansado da luta,

Já não discorda, e nada disputa.

 

95

 

João quinto, a rogo da Santidade,

Manda para Itália uma esquadra.

Junta com outras, forma quantidade,

A fim de lutar contra a fé malvada.

Pois acima de tudo a cristandade,

A religião mais prestigiada…

Em Matapan morre o turco infiel,

Eis segura a cruz de Emanuel.

 

96

 

Nessa altura vem ouro do Brasil,

Constrói-se em Mafra um convento.

Nascem cem capelas, igrejas mil,

O aqueduto é acontecimento!

Artes, belas letras, ganham perfil,

A História ganha asas ao vento.

Não digam que o dinheiro foi mal gasto

Pois ainda sobrou lauto repasto.

 

97

 

A Sé de Lisboa passou a patriarcal,

Os bispos ganharam novo estatuto.

É grande o nosso belo Portugal,

O que era novo é hoje vetusto.

É muito bom o que antes era mal,

O português fica fino e arguto.

No país a riqueza virou moda,

E na casa das freiras gira a Roda.

 

98

 

A seguir vem o tal «Reformador»

Cheio de prosápia, mil projetos.

 Sai-lhe na rifa o grande tremor,

Que arrasa duras paredes e tetos.

Depressa o ministro, pleno de ardor,

Convoca engenheiros e arquitetos.

E para que Lisboa logo renasça

Erguem-se mil prédios doutra traça.

 

99

 

Grão ministro, Sebastião José,

Chamou a si Eugénio dos Santos.

Este sábio arquiteto pôs de pé,

Sem quaisquer medos nem altos prantos,

Um plano grandioso e com fé.

Rasgou mil ruas, praças, sem quebrantos.

Transformou Lisboa na flor mais bela,

Mais vistosa que a rica Compostela.

 

100

 

O marquês de Pombal ficou zangado

Ao ver cair ferido o seu amado rei.

Logo acusou do vil atentado

Alguns nobres não tementes à lei.

E assim, em Belém, foram executados

Os inimigos da corte e da grei.

E logo depois, em concorrida ágora,

Foram mostrados os corpos dos Távora.

 

101

 

Também tombaram, depois do primeiro,

Os filhos do casal, José e Luís…

O conde de Atouguia, duque de Aveiro.

Mas não digam que só fidalgos quis,

Pois abateram, com tiro certeiro,

Quatro plebeus e uma meretriz.

Pra se verem livres dos parasitas

Correram do país os jesuítas. 

 

102

 

Livres dos maus, das feias alimárias,

O marquês à grande obra meteu mãos.

Criou imensas escolas primárias,

Para que houvesse espíritos sãos.

Além daquelas eram necessárias

Escolas para nobres e artesãos.

E para que a tudo desse remédio

Criou o ensino maior e médio.

 

103

 

Logo que morre el-rei, é corrido

Pela rainha Dona Maria Primeira;

Não sei se o castigo foi merecido

Por tanta culpa, tanta asneira...

Parte, humilhado, ofendido,

Para o norte, para a Beira.

Em Pombal morre, olvidado,

Pelas rodas do poder é trucidado.

 

104

 

Graças a Pombal surgiu a Imprensa,

Dita Imprensa Nacional de Lisboa,

Serviu o país, de Faro a Valença,

Salvou manuscritos de Diu ou Goa;

Reinou no seu espírito forte crença,

Tudo valia a pena, nada era à toa.

Cresce o comércio, agricultura,

Torna a vida dos povos menos dura.

 

105

 

Melhora o exército, a marinha,

Traz um especialista da Alemanha;

Cresce exponencialmente a vinha,

O milho… de Cabinda vem a sanha.

De África vem gente de carapinha…

E o camponês sua terra amanha.

Para evitar confrontos com Paris,

Sujeita-se à invasão do país.

 

106

 

Acaba com a vil escravatura,

Somente no continente, é verdade;

Serão poucos passos por porventura…

No Brasil índios ganham liberdade;

Aqui cresce a arte, iluminura,

Dos vetustos tempos não há saudade.

Acabam os velhos, novos cristãos,

Em Jesus Cristo são todos irmãos.

 

107

 

Levantou-se no Terreiro do Paço

A estátua de Dom José Primeiro;

É uma homenagem, um abraço,

A um monarca de corpo inteiro…

O qual - apesar de seu olhar baço -

Distinguiu o falso do verdadeiro.

Machado de Castro, o escultor,

Lavrou o metal com arte e rigor.

 

108

 

A Dom José sucedeu a «Piedosa»,

Deferindo o pedido de Pombal;

Não quis colaborar com a tinhosa,

Ela não queria este Portugal.

Instaurou-lhe um processo, a ranhosa,

Expulsou-o como se fosse animal.

Foi para longe mais de vinte léguas,

Tratar de porcos, cavalos e éguas.

 

109

 

Pôs em liberdade os prisioneiros,

Aos Távora a todos inocentou;

Tanta piedade para os primeiros,

Os supostos crimes lhes perdoou.

  Com sentimentos nobres e porreiros

Da má fama a todos libertou.

Reforçou laços com a Inglaterra,

Que mais tarde foi dona desta terra.

 

110

 

Perdeu para espanhóis Olivença,

Que Dinis rijamente conquistara;

Para recuperá-la há descrença,

A esperança é-nos bem amara...

Há que reivindicá-la sem detença,

Pois o tempo já é e nunca para.

Lembremos o Tratado de Paris,

Levante-se da cova Dom Dinis.

 

111

 

Dizem que protegeu as Letras Belas,

Fundando a Biblioteca Nacional;

Deixou os fundos mares, caravelas,

Ciência teve Academia Real;

Iniciativas puras, singelas,

Que honraram este Portugal...

Criou em Lisboa  a Casa Pia,

Para as crianças sem pais nem tia.

 

112

 

Mandou erguer Basílica da Estrela,

Na cidade de Lisboa, capital;

Obra perfeita, gigante, mui bela,

Que orgulha o peito nacional;

Apesar de pouco, tanto fez ela,

Pelo reino chamado Portugal.

E imensas coisas ficam por dizer,

Pois a tanto não chega o meu saber. 

 

113

 

Maldita campanha do Rossilhão,

Que trouxe a este país só desgraça;

Agiu-se sem tino, só coração,

Trazendo a Portugal fome e traça;

Perdeu-se Olivença sem razão,

E a independência da raça.

Vieram os espanhóis e franceses,

A fim de dominar os portugueses.

 

114

 

Devido ao bloqueio continental

O território foi invadido;

A realeza fugiu de Portugal,

O pobre povinho ficou perdido.

Napoleão quis o nosso mal,

Impôs o seu génio enfurecido. 

Vieram ajudar-nos os ingleses,

Tornando-se mais tarde fracas reses.

 

115

 

Soube-se depois que a velha rainha

Ficara enferma, louca, demente;

Dizia-se linguado ou tainha,

Lagartixa, sapo, rã, ou serpente...

Ninguém sabia o que ela tinha,

O seu olhar assustava a gente;

 Morreu no Brasil, nos braços do filho,

  Buscando nos céus pacífico trilho.

 

116

 

Três invasões sofreu este país…

Os generais Junot, Soult, Massena,

Derrubaram árvores, a raiz,

Mataram mais do que uma centena;

O inglês comeu-nos lebre, perdiz,

De nós o bretão jamais sentiu pena.

Ficou este território sem graça,

Pois tamanha foi a nossa desgraça.

 

117

 

Dom João Sexto, bondoso, clemente,

Ergueu a coroa estava no Brasil;

Isso descontentou imensa gente,

Não vir prà metrópole era ato vil;

O seu rei estava longe, ausente,

A muitos quilómetros, mais de mil.

Devido à guerra peninsular,

O país ficou de pernas para o ar.

 

118

 

Beresford governava a bel-prazer,

Tinha os portugueses em sua mão;

Gozava, pés cruzados, o lazer,

Criava esperança, ilusão…

Ria-se dos parvos com prazer,

Comia nosso peixe, nosso pão.

Gomes d’Andrade quis fazer-lhe frente,

Mas foi abatido como serpente.

 

119

 

O general e seus compatriotas

Foram garrotados tais criminosos;

Riram-se os malandros e as potas,

Choraram os rapazes tão mimosos.

Em Sant’Ana fecharam-se as portas

Àqueles mártires tão orgulhosos.

Por fim surgiu uma revolução,

Pondo na rua o déspota bretão.


Fim da 1.ª parte

Sem comentários:

Enviar um comentário