terça-feira, 8 de março de 2022

OS NOVOS LUSÍADAS 

Por Joaquim A. Rocha


// continuação de 27/11/2021.


40

 

Ai rei de Portugal e dos Algarves,

Senhor da Guiné, daquém, dalém mar,

Ente vaidoso, chefe dos alarves,

Perito em mentiras, em intrujar;

Pede perdão aos céus, não tardes,

Porque o teu tempo está a terminar.

Entrega a satanás a tua alma

Pra ele te dar na morte paz e calma.

 

41

 

Quantas mulheres tornaste viúvas,

Quantos seres roubaste à natureza,

Tuas mãos rudes, vestidas de luvas,

Levaram aos lares fome e tristeza;

Nas praias há homens tocando tubas,

Sustentando os luxos da realeza.

Antes que a revolta estale em seu peito

Urge mudar lei, todo o direito.

 

42

 

Vamos dar ao povo o que é do povo,

Esqueçamos reis, príncipes, rainha;

Ofereça-se ao pobre um mundo novo,

Arroz de pato, canja de galinha;

Um ordenado que seja o dobro

Dessa insignificância mesquinha.

Pra que o trabalhador seja feliz

Não o obriguem a dobrar a cerviz.

 

43

 

Mísera terra, e míseros sóis,

Que cobrem com seu manto essa gente;

Giram na onda como girassóis,

A nenhum deus do Olimpo são temente.

Alimentam-se de ótimos rissóis,

São donos da ilha e do continente.

Controlam o tempo, a luz, a chuva,

Bebem espumante de pura uva.

 

44

 

Manuel Primeiro, «O Venturoso»,

Leva ao papa Leão rica embaixada,

De peito feito, muito orgulhoso,

Tudo prevê, não lhe escapa nada!

Oferta-lhe presente luxuoso,

Uma cruz em ouro, toda esmaltada.

Em troca pede treze regalias:

Para os bispos, padres, e obras pias.

 

45

 

O papa  recebe o embaixador

Com requintes de corte imperial.

- «Manuel», diz, «é um grande senhor,

Engrandece o nome de Portugal.

É uma honra, um grande favor,

Tê-lo como amigo, como igual.

Vais levar-lhe uma excelsa bula…

Que cem regras obsoletas anula

 

46

 

O português aceita, comovido,

O alto presente do senhor da igreja;

E num gesto de respeito atrevido

Sua branca e húmida mão beija.

O “príncipe” sorri, agradecido,

 Dá ao luso um licor de cereja.

E assim termina essa visita,

No desejo de que ela se repita.

 

47

 

Manuel recebe o embaixador,

Promove-o a ministro da corte;

Chama-lhe fidalgo, douto senhor,

Dá-lhe nome para além da morte.

E o povo, esse grande sofredor,

Inveja-lhe, com razão, sua sorte.

Mas num gesto puro, enigmático,

Considera tudo isso vil, errático.

 

48

 

Rei sofre da síndroma da vaidade,

Tudo para ele é importante:

Aldeia, vila, região ou cidade,

Tudo é poderoso, alto, gigante, 

Desde que aceitem sua vontade,

Seu poder, a mulher, a bela amante.

E para que a lei seja justiceira,

Concede forais à nação inteira.    

 

49

 

Reforma a antiga legislação,

Ditas Ordenações Manuelinas;

Afirma que a circum-navegação

É apenas sombra, puras neblinas.

Foge da mentira, do beija mão,

Ilusório canto de matinas.

Torna-se soberano poderoso,

E seu povo chama-lhe o Venturoso.

 

50

 

Manda construir os belos Jerónimos,

A lindíssima Torre de Belém;

Artistas conhecidos e anónimos

Trabalham por cruzado e um vintém,

Tornando os monumentos sinónimos

De um Portugal rico, gente de bem.

E pra que dos cristãos receba louros

Expulsa do país judeus e mouros.

 

51

 

Os que se converteram a Jesus

Serão designados de cristãos novos; 

Carregarão nos ombros outra cruz,

Ficam presos, tal galinhas nos covos.

Os seus olhos jamais verão a luz,

Tudo parecerá negro de corvos.

Esquecerão o Alá e Javé,

Agora têm novo credo e fé.

 

52

 

Ai que coisa esta das religiões

Que transforma os humanos em reféns;

Ficam cegos, entram em mil prisões,

  Em busca de céus, de divinos bens;

Perdem-se em miríades de ilusões,

Tornam-se vis escravos, zés-ninguém!

Buscam para os seus males uma cura,

Para os tormentos dor menos dura.

 

53

 

Seguem - na senda do desconhecido -

Caminhando além, de olhos vendados;

Buscando milagres, algo parecido,

E no fim todos se sentem frustrados…

Na pia o menino é benzido,

Levado pelos trilhos já traçados.

Prometem-lhe a cura da sua alma

Lugar no doce céu, com paz e calma!

 

54

 

Grande farsa, conversa de crianças,

Tudo que há está dentro do universo;

Fora existe nada, falsas esperanças,

Cabendo tudo num vazio verso…

Os deuses executam lindas danças

Mostrando, da medalha, o anverso.

Humanos devem crer na natureza,

Nossa madre, que nos serve à mesa.

// continua...

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