domingo, 13 de março de 2022

FERREIRA DA SILVA (...) 

(Bracarense por nascimento, melgacense pelo coração).

// continuação de 30/11/2021.


     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1469, de 28/4/1963: «QUEM TINHA RAZÃO? // Sob o título “Depósito de Garantia” escrevemos em 3 de Março último, que a concessionária do fornecimento e distribuição de energia elétrica em baixa tensão neste concelho deveria, obrigatoriamente, aceitar fiador considerado idóneo, a título de garantia do consumo de energia elétrica pelos respetivos consumidores – quando estes preferissem esta modalidade. No entanto, a concessionária teimava em exigir indevidamente o depósito de garantia em metal sonante, recusando-se a aceitar a modalidade da apresentação do fiador idóneo. A sua violência chegou ao ponto de ameaçar os consumidores de cortar-lhes a ligação, interrompendo arbitrariamente o fornecimento de energia elétrica desde que se não submetessem à sua ilegal exigência! Contra isto protestamos e chamamos então a atenção do senhor presidente da Câmara Municipal a fim de exigir o cumprimento exato do que se estabelece no contrato da concessão. Não ficamos por aqui; individualmente reclamamos junto da Direção Geral dos Serviços Elétricos, solicitando o esclarecimento e cumprimento da violada cláusula contratual – artigo 18.º do contrato da concessão de distribuição. A reclamação seguiu junta ao inquérito administrativo para a declaração de utilidade pública sobre a qual aquele alto Organismo do Estado acaba de pronunciar-se nos termos constantes do ofício que passamos a transcrever: “Serviço da República. Ministério da Economia. Secretaria de Estado de Indústria. Direção Geral dos Serviços Elétricos. Excelentíssimo Senhor Ernesto Viriato dos Passos Ferreira da Silva. Casa do Rio do Porto. Melgaço. Reclamação. Arq. 249. Proc. 16/403. N.º 7122. Data 20/04/1963. Assunto: exigência de depósito de garantia ou de fiador idóneo, pelo concessionário do serviço de distribuição elétrica. Tendo sido recebida uma reclamação de Vossa Excelência inclusa no processo de inquérito administrativo para declaração de utilidade pública, sobre o assunto em epígrafe, cumpre-me informar que a empresa concessionária, interrogada por estes Serviços, declara ter aceitado e continua a aceitar fiadores idóneos em alternativa de depósito de garantia. Haverá naturalmente de ser observada a formalidade da comprovação da idoneidade do fiador. A Bem da Nação. Repartição de Concessões. Secção de Distribuição. O Engenheiro Chefe da Secção (assinatura ilegível). // Assim mesmo. Tal e qual escrevemos e avisamos os melgacenses. Porém, a concessionária mentiu descaradamente ao Organismo Superior do Estado, que disciplina e condiciona a distribuição do fornecimento de energia, quando declarou “ter aceitado e continuar a aceitar fiadores idóneos em alternativa do depósito de garantia. A concessionária exigiu, grosseiramente, o depósito de garantia e recusou-se a aceitar fiador idóneo sob a ameaça do corte da corrente à respetiva instalação. Assim é que está certo. Esta é a verdade. Só ultimamente, depois de interrogada pela Repartição de Concessões, Secção de Distribuição, praticamente depois de se ter locupletado com as importâncias dos depósitos de garantia, feitos coativamente por quase todos os consumidores, é que a concessionária deliberou arrepiar caminho e aceitar a alternativa do fiador idóneo. Habilidosamente, demorou a deliberação, e entretanto continuou a ameaçar os consumidores com a suspensão do fornecimento e, quando todos ou quase todos os consumidores fizeram os depósitos em moeda, declarou aceitar a fiança idónea! É espantoso, mas é verdade! Mesmo assim, em que termos a concessionária interpreta e aceita a idoneidade de fiança? Exigindo, indevidamente, certidões da Conservatória do Registo Predial, pelas quais se verifique que o fiador apresentado pelo consumidor possui bens imobiliários com rendimento suficiente à garantia a prestar! Outra habilidade saloia da concessionária que não tem justificação possível. Então a concessionária ignora que o Registo Predial não é obrigatório?! A que propósito, ou despropósito, faz semelhante exigência aos consumidores? Não lhe serve para fiador um comerciante, um capitalista sujeito a imposto complementar, um funcionário público ou um proprietário de bens rústicos ou urbanos que pague razoável coleta de contribuição predial? Voltamos a repetir: Melgaço não é terra de pretos incivilizados e os melgacenses não devem submeter-se às prepotências e às extorsões da concessionária. Em última instância quando não encontrem o devido e merecido apoio das autoridades locais, deverão dirigir-se à Repartição das Concessões – Secção da Distribuição da Direção Geral dos Serviços Elétricos (Rua de São Sebastião da Pedreira, 37, Lisboa) certos de que ali encontrarão a Justiça que lhes assiste em face dos compromissos assumidos no contrato de concessão da distribuição. O assunto está oficialmente esclarecido e constitui ato condenável de má-fé deturpar ou iludir os direitos que contratualmente ficaram estipulados.» // F.S.       

 

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     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1470, de 5/5/1963: «O SEU A SEU DONO. // No jornal Agora, de 30 de Março p.p., divertiu-se (?) o Dr. Artur Anselmo com bajulações a uns e impropérios a outros – tanto a pessoas deste concelho como a pessoas de Monção. Dos primeiros – de alguns – já recebeu os agradecimentos. Os segundos visados, deste concelho, não lhe reconhecem categoria moral para merecer uma resposta. No entanto, como é um retrato, este jornal, com a devida vénia, transcreve de A Terra Minhota e para que conste: Pessoa amiga deu-nos conhecimento de certa alusão feita à Colónia Balnear Infantil, em “escrito” da autoria do Dr. Artur Anselmo, e publicado no jornal Agora. E depois, a nosso pedido, deu-nos nota do período que lhe fazia, na verdade, referência. Era ele: “É que Monção chegara ao ponto de ter a funcionar em Âncora uma Colónia Infantil de Férias, com dinheiro arranjado por categorizados elementos da maçonaria.” Esta afirmação, segundo o nosso ilustre informador, vinha encaixada entre uns hossanas a Sua Excelência o senhor Governador Civil de Viana e ao Presidente da Câmara de Monção, a quem ele nas vésperas havido pedido quinhentos escudos emprestados, e uns ataques vesgamente disfarçados a certos monçanenses. Confessamos a surpresa da alusão feita de tal maneira à Colónia Balnear. Não nos magoava uma alusão, justificada ou injustificada, à administração da vida da Colónia, à maneira de recrutamento das crianças beneficiadas, ao seu tratamento, etc., sabe-se lá, a algo que nos dissesse respeito. E até agradecíamos porque essa alusão, séria ou não, teria sempre o condão de estimular a nossa atenção, o nosso zelo e o nosso carinho. Mas não. O autor do escrito enveredou por aludir a benfeitores e a corações que têm impulsionado a Colónia, acontecendo que os ausentes, longe da terra, estão sem saber pormenores pelos quais possam aquilatar com verdade do fundamento ou não fundamento daquela insinuação. Não podemos deixar, por isso, de lhes vir trazer ao conhecimento que o escrito do Agora não representa um ato sério da parte do seu autor. O Dr. Artur Anselmo tem levado em Monção, ultimamente, uma existência penosa, num estado de espírito descrente e incerto. Com tabuleta de advogado nesta Vila, dois processos o tem atormentado atrozmente: um processo-crime que lhe move o digno agente do Ministério Público e uma ação cível para cobrança de dívida que lhe move o senhor Antero Rodrigues. Daí que, apesar de ter sido há alguns meses, segundo fez constar, nomeado Inspetor de Desemprego, graças à proteção de um primo bem colocado no Governo, ele se veja na necessidade de passar algum tempo em Monção. E, ou porque o emprego seja a propósito ou porque sinta a necessidade espiritual de esquecer algo, tem vindo de algum tempo para cá a cadenciar a sua vida em passos de um desnorteamento arrepiante. Por outro lado, e a achincalhar-lhe a “vida” que leva, diz alguém que toda a sua literatura no Agora seria imediatamente retificada se os visados se cotizassem em cinco contos. Chantagem?! Embora não acreditemos, ousamos pedir aos amigos dedicados da Colónia, desde a Dona Francisquinha de São Pedro, a seu irmão João da Cunha Sotomaior; à Dr.ª Matilde Rosa Araújo e Dr.ª Beatriz Ramalhete Barbosa; ao Januário Barbeitos; Raul Rocha; Amândio Barbosa; Abílio Rodrigues; Comendador Jerónimo Vilarinho, a toda a Colónia de Barbeita e Valadares, cuja enumeração é impossível, melhor, a todos os monçanenses que lhe têm oferecido o carinho das suas dádivas ou, pelo menos do seu afago, que desculpem ao Dr. Artur Anselmo a insinuação escrita no jornal Agora. Ele fê-lo em um momento de ideias turbadas e, talvez, nem se quisesse referir à nossa Colónia. A fórmula que empregou: “É que Monção chegara ao ponto de ter a funcionar…» dirá respeito a uma colónia do passado e a nossa Colónia é do presente e do futuro. A nossa Colónia é de muitos que agora já são homens, e é ainda das criancinhas pobres e enfezadas de todo o concelho. É uma Obra que não é maior por falta de forças físicas para se lhe dedicar e cuja firmeza não será abalada nem pelo cheiro pestilento dos odores alcoólicos do Bar do Tino, nem pelos escritos vesgos de um oficial do desemprego, por mais chantagem que queira fazer, ou pela melhor vontade que tenha de pagar as suas dívidas com a ponta romba do fueiro com que escreve.» // F.S.        

 

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     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1471, de 12/5/1963: «BARBÁRIE. // Em todos os centros urbanizados encontramos um recinto central, por via de regra ajardinado, de que os naturais se orgulham e mostram aos forasteiros, classificando-o, vaidosamente, de sala de visitas da sua terra. Reportando-nos unicamente ao nosso país, notamos, aprazivelmente, lindos e bem cuidados jardins, onde o bom gosto dos canteiros e a policromia das plantas, dos relvados e das flores, nos detém e surpreende em extática veneração dos primores da natureza. Nesta quadra primaveril os seres vivos dos reinos animal e vegetal erguem-se exuberantes em toda a pujança do crescimento, cantando e elevando ao céu um hino de alegria e de triunfo em louvor da vida. Pondo de parte outros recintos mais escondidos e desprezados, também temos em Melgaço uma sala de visitas, por sinal bem bonita e admiravelmente situada, na parte mais central da vila, onde crescem roseiras bem tratadas e outras plantas em pleno florescimento. Todos os melgacenses deveriam orgulhar-se da sua praça e jardim central, olhar pela sua manutenção e conservação e guardá-lo de estragos e vandalismos do rapazio endiabrado e dos adultos mal-intencionados e malfazejos. É com profunda tristeza que notamos no nosso jardim, quase poderá dizer-se, no nosso único jardim, nesta época tão garrida e ufano das suas rosas e tons de variadas e vivas cores, vis-à-vis com o quadro verde dos montes que se erguem em pano de fundo no outro lado do rio, os estragos propositados, praticados macabramente por quem se diverte a fazer mal e a marcar a sua passagem com atos de autêntica e criminosa barbárie. Os relvados, calcados e recalcados pelo rapazio que do jardim fazem estádio para o jogo da bola, correrias e brincadeiras despropositadas, os passeios laterais e centrais ou abertos em enormes cortes pelas enxurradas ou cobertos de buracos dos jogos da criançada, que um carro de saibro regularizaria, dão uma ideia de abandono e de desinteresse. E para completar este negro quadro de falta de cuidado e de maldade, nem os bancos, os modestos e solitários bancos ali colocados para recreio e descanso dos visitantes, escapam à sanha feroz dos incivilizados que se entretém a partir as réguas de que são formados! Não há nesta terra autoridades que se decidam a pôr termo a esta malvadez? A Câmara não tem zeladores que vigiem o seu património, que é também património dos próprios malvados, capazes de identificar os autores das tropelias indicadas e de os punir, a si ou aos seus ascendentes ou responsáveis, pelos atos de vandalismo com que intrepidamente se recreiam?! E, além dos seus funcionários, não poderia concertar com a G.N.R. uma fiscalização e vigilância mais eficientes para acabar de vez com os díscolos malfeitores?! Estamos certos de que com um pouco de boa vontade os zeladores municipais e a G.N.R. seriam suficientes para pôr termo a esta vergonha mas, quando as autoridades não sejam bastantes, colaboremos todos com elas, ajudando-as a cumprir a sua missão de defender a nossa terra: os moradores do largo fazendo polícia de conta própria e denunciando às autoridades os indivíduos que pratiquem ali atos de malfeitoria; os professores primários fazendo nas suas aulas preleções condenatórias destes atos, pedindo a cooperação dos alunos e incitando-os ao dever de ajudar a repressão. Não há dúvida que deve promover-se uma campanha de educação e de respeito do que é nosso e de repressão dos bárbaros que ignoram ou esquecem que a nossa terra é a nossa casa, a nossa pátria, que todos nós temos obrigação de defender e respeitar. Em sequência da crítica objetiva e construtiva que prometemos e a que nos propomos fazer nas colunas deste jornal, não deixaremos de verberar este e outros aspetos gritantes da nossa vila e concelho, em ordem a elevá-la e aos seus naturais, ao nível e categoria dos povos civilizados, amantes do seu torrão natal. Aqui deixamos mais este apelo e, sem querermos meter foice em seara alheia, sugerimos à edilidade melgacense que nos parece útil substituir as réguas em pinho dos bancos por outras em madeira de castanho ou cimento, de modo a resistirem às tentativas selváticas de arranque que reputamos condenáveis e indignas de quem as pratica. No fim e ao cabo seria remédio seguro e sairia mais barato à Câmara.» // F.S.       


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      Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1472, de 26/5/1963: «RUÍNAS. // «Que a ação corrosiva do tempo destrua ou deteriore alguns dos monumentos do passado e a incúria oficial ou a falta de meios financeiros permita a sua ruína compreende-se: é um desleixo e, possivelmente, um mal lamentável que temos de aceitar por força imperiosa das circunstâncias contra as quais poderemos protestar mas não evitar. Há monumentos que as instâncias oficiais protegem e velam pela sua conservação, como sejam os que têm interesse histórico ou artístico, outros que caiem em ruínas se o interesse local pela sua manutenção não substitui, por motivos de ordem emotiva, o interesse geral. Porém, não se compreende, nem é admissível, que os municípios consintam a construção de edifícios que não obedeçam a um mínimo de regras e condições normalmente exigidas em terras e centros urbanos dignos deste nome, no que respeita a arquitetura, normas de segurança, localização, prazo de construção, etc. // E mais condenável ainda é o facto de se consentir em que se iniciem construções e não se providencie quanto à sua construção sem interrupções até à sua conclusão e vistoria, pelos serviços técnicos competentes, dentro de um período considerado razoável. Olhemos para o que se passa dentro da nossa vila neste capítulo. Por um lado, construções em locais excecionalmente bem situados e centrais, que mais parecem destinadas a instalações fabris de que a estabelecimentos comerciais e ao inquilinato de habitação; por outro lado, edifícios começados a construir há mais de uma dezena de anos, e cuja conclusão parece esperar pelas calendas gregas… Quem entra por uma das portas mais movimentadas ao norte do nosso burgo e caminha até à sua praça central, os olhos detém-se surpreendidos, pasmados, do mau gosto da traça de um mostrengo ali em construção e quedam-se revoltados contra as negras paredes elevadas quase até às nuvens, de um prédio junto ao terreiro que, praticamente, se encontra deteriorado pelo tempo e com o seu vizinho a ameaçar ruína, parece terem a única finalidade de estreitar a entrada da Rua Nova de Melo ou a impedir o seu acesso. O prédio da Calçada, que ocupa uma grande área, em sítio de valioso valor comercial, onde se pensa instalar várias atividades, em ordem a reunir e condensar ali quase todas as modalidades do comércio local, está a ser construído em obediência a uma traça infeliz, sem sentido das proporções e de perspetivas que arrepiam o bom gosto e a apreciação visual de quem passa. Repare-se no pé direito do andar térreo ou rés-do-chão, e nas dimensões do único andar nobre, esmagado por telhado avantajado que parece reduzi-lo às proporções de simples águas-furtadas! O erro ou mau gosto do arquiteto poderia ter sido corrigido por quem aprovou o projeto, chamando para ele a atenção do proprietário construtor e impedindo que uma construção vasta e de custo elevado se transforme num mostrengo inestético e infeliz. Os prédios do Terreiro e da Rua Nova de Melo, um sujeito à derrocada das suas paredes em ruínas, e a ameaçar a segurança pública outro, de paredes negras, sem cobertura, elevadas há dezenas de anos, que parece traduzir o que ficou do rescaldo de um terrível incêndio; é um triste sinal do desinteresse oficial e uma das maiores vergonhas da nossa terra. Bem desejaríamos louvar as iniciativas daqueles que contribuem, de qualquer modo, para o engrandecimento e embelezamento de Melgaço, empregando o seu dinheiro em construções, utilitárias ou não, suscetíveis de aumentar o seu património e a valorizar o seu esforço progressivo. A Câmara, em nossa opinião, deve facilitar ao máximo as iniciativas, protege-las, auxilia-las, incentivá-las, porém dentro de normas e de obrigações que se generalizaram em todas as terras que se presumem de civilizadas. Assim, não. Não é só falta de gosto, mas também, e sobretudo, incúria e preguiça, para não dizermos alheamento e ausência de amor regional.» // F.S.           

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      Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1473, de 2/6/1963: // «Quando nos dispúnhamos a saborear uma xícara de café na linda princesa do Minho – a Vila de Caminha – ouvimos de chofre, pela rádio, a notícia alucinante: morreu Aquilino Ribeiro! Sentimos como que uma pancada na cabeça, ficamos atordoados, o coração quase paralisou e os olhos estavam humedecidos. Sabíamo-lo doente, mas sem gravidade, e estávamos preparados para assistir à homenagem que o Rotary Clube de Viseu estava a organizar, em comemoração do jubileu literário do eminente polígrafo e ilustre homem de letras, dos maiores entre os grandes que, pela sua excecional capacidade criadora, pela beleza e riqueza do seu portentoso estilo, se elevou às culminâncias de Mestre consagrado das letras nacionais com larga projeção internacional. // Morreu Aquilino Ribeiro! Infelizmente a triste notícia era verdadeira! Morreu um Homem! Um homem com h maiúsculo, igual a si próprio até ao último suspiro; um escritor cuja saudosa memória ficará acesa no nosso coração, como uma chama viva e imperecível perenemente ligada à glória de Portugal! Ainda há poucos dias enriquecemos a estante da nossa modesta biblioteca, onde se alinha toda a obra literária do Mestre, com a reedição revista de “Abóboras no Telhado”, onde o polemista de extraordinário valor deixa algumas das personagens em farrapos; “Tombo no Inferno” e “O Manto de Nossa Senhora” (teatro), drama serrano, espécie de buette, género literário de nós, [portugueses], desconhecido. // Homem de letras, jornalista, escritor, crítico, biógrafo, polemista, historiógrafo, investigador, ensaísta, contista, novelista, romancista, Mestre Aquilino sorveu a sua imensa atividade e inspiração nas fontes que brotam da terra e do povo, viveu e morreu como um autêntico democrata e combativo liberal. Nos sessenta volumes da sua bagagem literária, encontramos de tudo: autobiografia – tríptico de “Jardim das Tormentas”, “Lápides Partidas” e “Via Sinuosa”; tradutor – “Dom Quixote de La Mancha”; polemista – “Abóboras no Telhado”; contista – “Quando ao Gavião Cai a Pena”, etc.; biógrafo e crítico – “Romance de Camilo”, etc.; novelista – “Filhas de Babilónia”, “Estrada de Santiago”, etc.; romancista – “Maria Benigna”, “Arcanjo Negro”, etc.; antropomorfista – “Romance da Raposa”, “Mestre Grilo Cantava e o Gigante Dormia”, etc.; ensaísta – “Luís de Camões, “Cavaleiro de Oliveira”, etc.; historiógrafo – “Constantino de Bragança”, “Camões, Camilo, Eça”, e alguns mais, etc.; paisagista – “Geografia Sentimental”, etc.; cronista – “A Grande Casa de Romarigães, etc. // Aquilino Ribeiro estava em plena comemoração do 50.º de vida literária e a receber as homenagens de admiração do mundo das letras pela sua obra ímpar, inimitável, de conteúdo maravilhoso, fecundo de verdade e de beleza humana. A morte é uma consequência da vida, mas neste surto foi além de traiçoeira e impiedosa terrivelmente assassina. Não matou, assassinou… Assassinou um dos maiores vultos do nosso século, uma das maiores glórias da nossa pátria, um dos grandes da literatura mundial. Aquilino era um serrano por nascimento e pelo coração; um atleta formado nas inclemências serranas da Beira; maciço, forte, leal, combativo, intemerato, sadio e sempre de alma aberta às ideias nobres, à verdade e à causa do democracia. Não o acompanhamos à sua última morada, no cemitério que por ironia toponímica chamam de Cemitério dos Prazeres, mas daqui, do extremo norte do país, também batido pelos ares da serra, nos descobrimos com o maior respeito e piedosa (…) e recolhidamente desfolhamos, com a maior emoção, sobre o seu ataúde, as pétalas da nossa imperecível saudade. Aquilino entrou na imortalidade; silenciosa e amarguradamente entoamos a oração da Paz. MORREU UM HOMEM! No panteão da história passa a ocupar um lugar de honra.» F.S.                     

 

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     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1474, de 9/6/1963: «MERCADO MUNICIPAL. // Consta-nos que a edilidade do nosso município tomou, ou está em vias de tomar, a louvável e acertada deliberação de proceder ao apeamento do chamado mercado municipal, aquele barracão inestético e acanhado que, para vergonha nossa, foi construído à ilharga da “Domus Municipalis”. Em tempos idos, à data da sua inauguração, comentamos e criticamos, com dureza, em O Melgacense, a asinina ideia de construir no referido local o estapafúrdio edifício, a que chamamos “mercado lampreia sem respiradouros”. Entendíamos então, como hoje, que o local da implantação do mercado foi mal escolhido, não só pela inconveniente vizinhança do edifício da Câmara Municipal e das repartições públicas mas também, e sobretudo, pela diminuta área demarcada, sem possibilidades de alargamento. O resultado está à vista: um ridículo barracão sobre o comprido, constituindo uma ligeira e vergonhosa construção sem o mínimo de condições sanitárias e de utilização ao fim a que se destina. Aquilo que para ali está tem o aspeto de um recinto coberto destinado a resguardo de animais em dias de chuva ou de sol escaldante; só lhe faltam as manjedouras na parede do fundo para ser um estábulo. Mercado, nem de nome poderemos chamar-lhe se quisermos ser honestos e conscienciosos. Por isso louvamos com entusiasmo a anunciada resolução da nossa edilidade, em ordem a arrasar aquele vergonhoso coberto e tributamos-lhe vibrantes aplausos pela execução de tão útil medida o mais rapidamente possível. Ignoramos o destino que a Câmara pretende ou pensa dar ao terreno onde está implantado o mostrengo; pela localização, e pela área, comporta, certamente, um grupo de construções capaz de contribuir para atenuar o problema da habitação e de embelezar o amplo largo que se projeta em frente. Não é isto, porém, o que neste momento nos interessa, e sim o local que a Câmara destina ao futuro mercado, bem como as caraterísticas técnicas e a arquitetura do novo edifício. Ouvimos falar, vagamente, nos terrenos traseiros ao recreio das novas escolas em construção!... Ouvimos falar, mas não acreditamos. O Senhor Presidente da Câmara é um distinto professor primário e esta qualidade profissional informa-o do que convém à população escolar que vai frequentar as novas escolas, em matéria de pedagogia, higiene e de condições sanitárias. Não aprovará, com certeza, a escolha infeliz de um terreno ligado ao novo edifício escolar, nem a construção (no mesmo terreno), do futuro mercado, o qual traria problemas sérios de educação (linguagem desbocada dos compradores e vendedores), antipedagógicos (convivência inconveniente), anti-higiénicos (cheiros e escorrências) e outros mais. Não. Junto das escolas, não!... Há muitos terrenos em boas condições de localização e de acesso para o efeito. Basta que a escolha se faça sem olhar a interesses particulares, financeiros ou emotivos dos seus proprietários. A causa pública está acima dos interesses particulares. Quanto às caraterísticas e arquitetura do edifício chamamos a atenção da Câmara para o moderníssimo mercado coberto da progressiva freguesia do “Castelo da Maia”, do concelho da Maia, bem mais pequeno do que o nosso, de desenvolvimento e progresso notáveis, construído num terreno paralelo à estrada Braga-Porto, que nos poderia servir de modelo. Fazemos referência àquele mercado, não só pela beleza das suas linhas, inteligente conceção técnica e moderna divisão dos dois corpos do edifício, unidos por uma elegante placa, mas ainda porque não podemos compreender que uma simples, muito embora progressiva freguesia de um concelho mais pequeno do que o nosso, tenha possibilidades económicas superiores às do nosso concelho. Não compreendemos, nem aceitamos, semelhante anomalia. É evidente que aquela moderníssima e elegante construção foi grandemente comparticipada e que a fonte onde a Câmara da Maia bebeu, é a mesma, supomos nós, onde a Câmara de Melgaço poderá dessedentar-se. Vale a pena, senhor Presidente, ouvir sobre o assunto o seu colega da Maia e inspirar-se no projeto do referido mercado para a construção do nosso mercado coberto. É tempo de terminar [com este absurdo]: [não se pode aceitar] que o peixe, os vegetais, a fruta, etc., continuem expostos ao tempo, que é o mesmo que dizer expostos às moscas, às poeiras e outros veículos de fauna microbiana.» // F.S. // continua...               


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