domingo, 1 de agosto de 2021

 

POEMAS DO VENTO

Por Joaquim A. Rocha


// continuação de 23/05/2021

PRISÃO SEM GRADES VISÍVEIS

 

Deixai-me ainda possuir o vento,

como vós possuís vossas mulheres;

deixai ainda afogar minha dor

nas ondas revoltas do imenso mar.

Deixai-me respirar este poluído ar

que suja meu peito rebentado.

Deixai-me ser eu por algum tempo.

Deixai minha imaginação voar juntamente

com as aves dos ares e com as nuvens dos céus.

Deixai meu pensamento confundir

o real com o aparente.

Deixai saciar minha sede nos oceanos profundos.

Deixai que eu tenha tormentos!

Deixai, enfim, que eu atropele todo o mundo!

Deixai que abarque, num só abraço, toda a

humanidade raquítica, esgrouviada,

esfomeada, espoliada, e me vingue,

um só momento,

de toda a humilhação por me terdes

trazido ao vosso mundo-cão!

 

Eu não sou como vós – eu detesto-vos!

Sou um pedaço de ódio rolando no espaço,

sem mais espaço para rolar.

Sou erva daninha destruindo toda a

vossa ração de carneiros imundos.

Sou tempestade nas vossas ocas

cabeças de elefante balofo e manso!

Eu sou destruição, anjo mau da natureza!

Sou a própria natureza: agrido, violento,

esfarrapo e destruo!

 

Sois os meus inimigos; sou o vosso inimigo.

Vós não podeis comigo. Eu sou o cerne da

vossa culpa – sou a vossa culpa!

Sou a vossa permanência putrefacta

neste mundo putrefacto!

Eu borro a vossa pompa bacoca, bacilosa;

eu mijo nas vossas caveiras

plásticas, artificiais.

Estou-me nas tintas para as vossas vis,

asquerosas, peçonhentas, existências.

 

Vós ultrajastes-me, obrigastes-me a viver!

Destes-me um nome e um número

e atirastes-me para o meio de vós.

Mas eu confundo-vos, eu fujo

da vossa presença.

 

Eu não sou um dos vossos – não!

Eu posso ainda autodestruir-me.

É um trunfo nas minhas terríveis mãos

- é incontrolável.

Eu saberei usá-lo.

Nesta prisão, sem grades visíveis,

continuarei a resistir.

A negar que vivo!

Mas o que é a vida senão este desespero?

 

2/5/1978

 


TU ÉS O MEU SOL

 

Ainda te amo – se não mais!

Não te esqueço – nem posso.

Mesmo que pudesse não queria.

Este sofrimento é-me necessário.

Nada faço para me aproximar de ti.

Este afastamento é já aproximação.

Vives em mim como um ser vivo.

Tudo o que faço é para ti e invento.

O vento traz-me os teus soluços.

Nada sabes de mim, nem sequer que existo.

Nada sei de ti, mas sei que existes.

Não falo para ti, mas falo em ti.

Todos os dias te vejo, mesmo que não venhas.

Todos os dias te falo, mesmo que não ouças.

A tua imagem é a minha respiração.

O arfar do teu peito sinto-o

mesmo estando tu afastada!

Sei agora que nunca serás minha.

Eu, pelo contrário, serei só teu.

Fiz esta promessa a mim próprio:

viver apenas para ti… por ti!

Já não imploro, nem choro – amo-te!

Os dias passam. Eu não. Eu sou tu.

Conheço a cor dos teus cabelos.

Não conheço o sabor dos teus lábios.

Conheço os teus sorrisos.

Não conheço um sorriso teu.

Nem eu nem tu somos ilusão: existimos.

Eu existo para ti. Tu existes para quem?

Amas? – Já não sofro, de tanto sofrer!

Já não choro, porque tudo chorei.

Continuo a amar-te. Sempre, sempre…

Mesmo que outra mulher passe na minha vida

tu ficas, tu permaneces – para sempre. Em mim!

A Terra não toca o Sol, mas gira à sua volta.

Assim serei eu. Tu és o meu sol. Aqueces-me.

Iluminas-me.

Só vivo porque tu vives – apenas vivo.

Tentarei merecer a tua indiferença.

Boa noite. Amanhã é um novo dia. Não novo!

 

18/10/1977 - // continua...

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