sábado, 12 de dezembro de 2020

II PARTE 

Ferreira da Silva - Um Homem com Ideias.


Por Joaquim A. Rocha 




   No Notícias de Melgaço n.º 1510, de 3 de Maio de 1964, páginas 1 e 4, foi publicado um artigo da sua autoria, com o título “Empréstimo Municipal”; esse artigo tem imenso interesse, pois lembra as carências do concelho em termos de distribuição da água potável, rede de esgotos, higiene das ruas, das pessoas, etc.

    

     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1513, de 31/5/1964: «Lemos algures que a agricultura no nosso país é um sector deprimido. Pior, muito pior do que nas outras regiões, a parte acidentada do nosso país na qual se compreende o concelho de Melgaço, a agricultura constitui um grave problema praticamente insolúvel. O nosso meio rural está submetido a um depauperamento de incalculável extensão, resultante da própria orografia do terreno em fortes declives sustentados por verdadeiras muralhas de apoio, brasonadas pelo sangue e pelo suor do trabalho do homem. A terra arável, reduzida a parcelas pequenas, de superfície ínfima, talhada em rampa na lomba das montanhas, dificilmente sustentam o húmus produtivo, implacavelmente arrastado pela erosão provocada por agentes dinâmicos externos, mormente pela ação das águas para as correntes fluviais que lhes roubam a seiva e desgatam, progressivamente, as respetivas estruturas. Desta forma, o dispêndio dos adubos orgânicos, de curral, de nitreiras ou químicos, são levados pelos regatos aos rios, e pelos rios ao mar, onde se transformam em plâncton e abastecem, generosamente, a mesa de banquete dos peixes; com a matéria orgânica vai a parte suculenta da terra arrastada por agentes físicos, em uma tendência cada vez mais destrutiva e indomável, de reduzir o solo às partículas areentas do granito transformando no que chamamos saibro, onde as plantas se estiolam e morrem por falta de alimento. Aditemos à pobreza da terra falha de matéria orgânica, a carestia dos adubos, dos produtos fungicidas e inseticidas e, sobretudo, a falta de braços resultante do êxodo crescente e incontestável dos emigrantes, e teremos as causas reais do depauperamento do nosso meio rural. Por isto, a agricultura que sempre foi uma fonte de segurança social, de estabilidade económica, e “salvaguarda dos valores morais e de permanência das virtudes da grei”, constitui um sector deprimido relativamente aos restantes sectores da atividade económica: quer se trate do índice de produtividade de mão-de-obra ou de nível de vida das populações rurais. Enquanto não forem modificadas as formas de cultura tradicionais, substituindo-as por outras mais compensadoras, a nossa agricultura continuará a ser “a arte de empobrecer alegremente.” Tendo em vista o volume das nascentes e a precipitação de águas na nossa região, a cultura do linho e das pastagens a par do arvoredo, seriam naturalmente as indicadas, não falando na vinha, em certas manchas apropriadas ao cultivo de boas castas regionais e outras, adequadas à produção de bons vinhos, brancos e tintos. Para tanto, seria necessário a escolha de boas raças de gado leiteiro e de abate, instalado em vacarias higiénicas, construídas em obediência a regras já estudadas e experimentadas, a industrialização dos produtos lácteos e a instituição de adegas regionais, em regime cooperativo. A exploração das modalidades de cultivo referidas está condenada a estrondoso fracasso, não só por falta de disciplina do agricultor, da relutância pelos recomendados métodos de cultura e da insuficiência de capitais para realizar uma obra cujo custo de industrialização e comercialização dos produtos é muito cara. Na zona mais montanhosa a cultura da batata, a criação de gado ovino e suíno, e a preparação e comercialização das carnes, parece-nos a mais indicada. Da forma como se processa, a lavoura não assegura qualquer margem de lucro aos agricultores e o campo despovoa-se, em marcha acelerada, com rumo ao urbanismo e à miragem sedutora do êxodo para as terras do meio-dia, pujantes de seiva, de cultura mecânica, de intensa comercialização, de aproveitamento racional, de métodos científicos e de acesso às empresas industriais de transformação. As nossas explorações agrícolas, muito pequenas e fragmentadas, não permitem as modernas técnicas de cultivo e, consequentemente, uma rendibilidade aceitável, capaz de prender à terra as populações rurais, desviando-as da procura em terra alheia dos francos que, com menos esforço físico, lhes assegura, e aos seus, uma vida mais fácil e próspera.» // F.S.                  

     Ferreira da Silva, em finais de 1965, sendo então diretor do jornal “Notícias de Melgaço”, escreveu: «Quem por necessidade tenha de percorrer a rua Direita da nossa vila, dentro das suas vetustas muralhas, no fim da qual se situa o salão do Cine Melgacense (***), dificilmente se adapta e sofre a irregularidade do seu pavimento, que data dos primórdios da fundação da praça-forte de Melgaço. Foi esta rua aberta na parte central da cintura de muralhas interiores que fechavam e defendiam o acesso ao nosso burgo, onde residiam os seus moradores e ainda moram os habitantes da vila, sob as vistas da altaneira torre de menagem, mais conhecida entre nós por castelo. O seu pavimento é constituído em calçada de granito à portuguesa, como era habitual nas antigas construções, quando os senhorios dos domínios urbanos não optavam, por motivos de ordem económica, pelo lajeado ou lajedo que vemos cobrir as ruas das velhas vilas e cidades de certa importância. A ação destruidora do tempo, sobretudo das chuvas e o movimento dos habitantes e dos seus instrumentos de transporte e respetivos animais de tiro e sela, não só provocaram o desgaste das pedras da calcetaria, mas também compeliram o terreno à cedência ou abaixamento da calçada nos sítios em que a sua estrutura revela fundações mais fracas ou menos cuidadas por deficiência de enchimento ou defeito de constituição da terra que preenche os vazios da rocha onde foi implantada. Desta sorte, a calcetaria apresenta-se irregularíssima, aos altos e baixos, traduzindo-se por formas agudas e arestas vivas e em certos pontos por cotas de desníveis mais próprios do empoçamento de águas do que da utilização pessoal dos transitários. O pavimento assim desnivelado dificulta penosamente a marcha dos peões, ameaça a suspensão dos veículos que por ele transitam, atormenta e magoa os pés dos caminhantes e conspurca de lama, ou de poeira, pessoas, carros e animais, segundo as estações do ano, determinadas pelos equinócios e solstícios de verão e de inverno. Não exageramos afirmando que a rua principal da vila, cognominada de direita, para melhor significar que é torta, onde vive, aglomerada em colmeia, a maioria da população e onde existem edifícios caraterísticos de valor histórico, está pura e simplesmente intransitável. E se deste modo se apresenta a rua principal da vila intra muralhas, as ruas transversais e as que delimitam a parte baixa, à ilharga da nova avenida de circunvalação, talvez secundárias mas onde foram construídos monumentos valiosos, pertença da Misericórdia, nem é bom falar, com os seus pavimentos praticamente destruídos e matizados de autênticas crateras que no inverno exigem embarcações para serem atravessadas. Sabemos bem que a nossa Câmara não está em condições financeiras de remediar, de repente e de uma só vez, os inconvenientes que deixamos apontados. Porém, por etapas de seguidas empreitadas, e com o auxílio das comparticipações do Estado, o problema oferece solução viável fácil e breve. Apreciemos em primeiro plano o caso da espinha dorsal do velho burgo, a chamada Rua Direita ou, com mais propriedade, Rua Torta, que da igreja matriz se prolonga até à porta sul da vila, ostentando uma inscrição vandalicamente deteriorada da reconstrução da muralha, centrada pelo antigo edifício da Domus Municipalis e pela bela Torre de Menagem. Como reparar imediatamente o pavimento desta caraterística artéria, face às possibilidades financeiras do nosso município? Em nossa modesta e desvaliosa opinião, parece-nos que poderia começar-se pelo levantamento da calçada e nivelamento do terreno e, seguidamente, recolocar a mesma calcetaria depois de normalizada a estrutura do pavimento. Realizada esta primeira operação, passados um ou dois anos da regularização, ou seja, o tempo necessário para a consolidação das fundações, e reparados os desnivelamentos verificados, proceder-se-ia à betumenização do pavimento, asfaltando-o, ou alcatroando-o, a fim de estabelecer a necessária coesão da calçada pela aderência dos seus elementos de constituição. A rua ficaria nivelada e o piso suave e duradouro. Os gastos da reconstrução limitar-se-iam, inicialmente ao levantamento da atual calcetaria, ao enchimento do respetivo leito com uma razoável camada de areia e à recolocação das pedras, obedecendo às regras usuais de nivelamento. Decorrido o tempo indispensável à consolidação, o pavimento tornar-se-ia numa placa maciça e indivisível por meio da aplicação do aglomerado aconselhável ou de simples betuminização. Quem ousará afirmar que a nossa Câmara não está em condições de realizar este melhoramento? Nós, não! Outros que o digam, se são capazes…» F.S. 


     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1586, de 6/2/1966: «Talvez devido às más condições do tempo, que há uns meses nos fustiga, tem passado um pouco incomodado da saúde o nosso querido amigo, senhor Ferreira da Silva. Para recuperar as suas forças e consultar competente especialista encontra-se no Porto, de onde brevemente regressará ao convívio dos seus inúmeros amigos e às lides jornalísticas, momentaneamente interrompidas. Felizmente, o seu estado de saúde não inspira quaisquer cuidados. No entanto, fazemos sinceros votos para que o incansável diretor deste jornal retome dentro em breve a sua profícua atividade, continuando a tratar com mão de mestre e com a competência e oportunidade que todos lhe reconhecem os temas tão apreciados sobre os assuntos de candente interesse para o concelho, que todos desejamos cada vez mais progressivo. Ao querido amigo desejamos pronto e completo restabelecimento 

  

         Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1589, de 13/3/1966: «Regressou há dias à sua casa do Rio do Porto, em vias de completo restabelecimento, o nosso muito prezado diretor. Embora ainda um pouco combalido, pelos tratamentos a que se tem sujeitado, o seu estado geral e o seu aspeto são bons, o que muito nos alegra, bem como aos seus numerosos amigos, que são toda a população desta terra. À sua casa tem acorrido a visitá-lo e a inteirar-se do seu estado de saúde numerosas pessoas de todas as categorias sociais. Ao querido amigo desejamos pronto e completo restabelecimento.» // Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1593, de 17/4/1966: «A fim de tratar do completo restabelecimento da sua abalada saúde, partiu há dias para o Porto, com curta demora, segundo acabamos de saber, o inteligente diretor deste jornal e nosso muito querido amigo, senhor Ferreira da Silva. O seu estado de saúde chegou a inspirar cuidados, tanto à sua família como aos seus numerosos amigos, que – às centenas – têm acompanhado a evolução da doença e se têm informado do estado do querido doente. Felizmente que as apreensões se desvaneceram, pois o senhor Ferreira da Silva, embora ainda bastante combalido, tem vindo a recuperar de forma bastante satisfatória. Fazemos sinceros votos para que o nosso estimado amigo em breve possa tonificar os pulmões e exercitar os membros, voltando à convivência com os seus numerosos amigos, e continue a prender-nos com os seus tão apreciados artigos de “Notícias de Melgaço”.»  

   

     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1596, de 15/5/1966: «Prevenindo a hipótese de qualquer lapso, falta ou omissão, por deficiência de registo ou ignorância de presença dos inúmeros amigos ou simpatizantes que durante o longo período da sua doença lhe significaram o seu cuidado e interesse, e aos mais, por este motivo, não tenha feito pessoal ou indiretamente o seu agradecimento, vem por este meio apresentar-lhes os protestos do seu indelével reconhecimento pela sua gentileza e prova de consideração e amizade e informá-los de que felizmente se encontra a caminho de franca recuperação. Esclarece também que não lhe sendo possível assumir, por enquanto, as suas atividades de direção e publicidade deste semanário, declina toda a responsabilidade moral e legal do que aqui tenha e venha a ser publicado ou não seja subscrito com as inicias “F.S.” do seu apelido e não se enquadre nos estritos limites do noticiário corrente, como seja a transcrição de artigos oriundos dos organismos oficiais de publicidade e informação cuja orientação e doutrina não perfilha e enjeita por não corresponder ao seu passado e ao seu modo de pensar e sentir. Porém, as colunas deste jornal continuarão abertas a todos quantos nelas devem versar assuntos pertinentes aos legítimos interesses do concelho e de reconhecida utilidade ao seu progresso e engrandecimento // F.S.   

    

     Foi pena não ter vivido o 25 de Abril. Morreu na Vila de Melgaço a 4/7/1972, com setenta e oito anos de idade. // Pai de Maria Ivone e de Armando Jorge.

     /// (*) Nome completo: Ernesto Viriato dos Passos Ferreira da Silva.

     /// (**) Maria Beatriz finou-se em Braga em 1940; estava casada com o capitão de infantaria José dos Santos A. Pereira Valente.

     /// (***) Era conhecido por Cine Pelicano

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