quinta-feira, 1 de outubro de 2020

 

                                                         O FIM DE UM SONHO

                                                                     (conto) 

// continação...

 

O ano 2020 chega. Para alguns traz novas esperanças, sonhos de grandeza, de bem-estar. Para outros, é a continuação de uma pobre vida, cheia de obstáculos, de azares inultrapassáveis. O turismo em Portugal vai crescendo como labaredas na floresta, após um incêndio naquele imenso mato amarelo, seco, com troncos altos como gigantes. Os incêndios em Portugal, devido à sua grandeza, transformaram-se em polos de interesse: por um lado os madeireiros; por outro lado os corpos de bombeiros, voluntários e profissionais. Alguns políticos veem as suas carreiras interrompidas devido ao fracasso no combate a esse flagelo. Há sempre falta de equipamento, de pessoal, etc.; os comandantes são acusados de não saberem coordenar as operações. Enfim, em «casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão.»          

     Em Março desse ano de 2020 surge a terrível notícia: um vírus, pequeno e façanhudo, que residia na China há milhões e milhões de anos, apenas conhecido pelos cientistas dessa especialidade, residindo habitualmente em sítios sombrios, “em casa dos morcegos”, espalha-se pelo planeta através do ser humano. Homem, ou mulher, que fosse infetado por esse minúsculo ser, invisível a olho nu, logo transmitia a outro ser humano, através da boca, ou nariz, a doença, designada COVID 19. Em virtude de toda a gente, ou quase toda, no século XX e XXI, viajar, é óbvio que o bicharoco se espalha rapidamente por todos os países e continentes. Os médicos, os enfermeiros, procuram rapidamente suster a pandemia, mas isso torna-se impossível. Milhares e milhares de pessoas são infetadas, sobretudo as mais idosas, incapazes de resistir a esse animalzinho, um predador que tudo destrói no seu percurso de morte, mais feroz do que um tubarão assassino. Os políticos tudo fazem para minimizar os prejuízos causados por essa “fera asiática”, mas as economias dos países, antes fortes, tornam-se caravelas ao sabor do mau tempo, num mar agitado. Os hospitais, centros de saúde, e também as clínicas, enchem-se de doentes; os lares, onde a gente da terceira ou quarta idade aguardam a hora da partida, são fortemente atacados, sobretudo devido às visitas, pelo bichinho gorduroso, as mortes acontecem com regularidade, quase naturalmente. Compram-se milhões de máscaras de tecido a fim de todos as usarem quando saem à rua. Protegem sobretudo a boca e o nariz, diz-se. O tempo vai passando e o bicho permanece. Subsistem dúvidas. Será que isto terá um fim? Quem sobreviverá? Há quem diga que, tal como os tremores de terra, haverá réplicas. As igrejas cristãs, e outras, estão com receio que as pessoas deixem de acreditar nos santos e em Jesus, etc. Fátima tornou-se, no século XX, no peteiro da igreja católica portuguesa. No ano de 2020, por causa do vírus, nada, ou pouco rendeu. Os clubes de futebol, bem assim como de outras modalidades, estão com graves problemas de receita. A escandalosa venda de jogadores estagnou. Quanto tempo mais durará esta incerteza? Os bancos, companhias de seguro, restaurantes, livrarias, teatros, cinemas, o comércio em geral, quase paralisaram. A natureza está imensamente descontente com a espécie humana: os oceanos, os mares, os rios, estão poluídos, as florestas vão a pouco, e pouco, desaparecendo, os animais selvagens sentem-se encurralados. Os automóveis, os aviões, os barcos, etc, tudo invadem, ocupam tudo, são os senhores do planeta. Ao cidadão comum, às aves, aos peixes, está a faltar o espaço vital. As gaivotas, esfomeadas, vêm até à cidade em busca de alimento; por isso, as andorinhas e os andorinhões, grandes comedores de insetos, por causa delas, pois são suas vítimas, já mal se veem no meio urbano.                             

     Aurora Germana, como toda a gente, ficou com medo. Era uma mulher de meia-idade, ainda lhe restavam uns anitos para ocupar o seu lugar na barca de Gil Vicente, não estava nada interessada em acabar seus dias devorada por bichinhos de meia tigela. Perto de sua casa morava uma brasileira, alta, forte, bonita, sempre bem-disposta, mais nova do que ela uns bons dez anos. Falava-se que tinha um pacto com o demónio, ou coisa do género. Constava por ali que ela falava com os espíritos dos mortos. Através das cartas adivinhava o futuro das pessoas; tinha uma bola de cristal, búzios, etc. Estava bem apetrechada para adivinhar o passado e o futuro de todos. Quanto a dinheiro, recebia o que lhe dessem, não possuía tabela de preços. Certo dia, Aurora não hesitou. Mandou chamá-la, apenas para ter uma simples conversa com ela. Não queria envolver-se demasiado em negócios de espiritismo e bruxaria. Segundo lhe tinham dito, algumas amigas, estas entrevistas por vezes acabavam mal. O diabo, ou lá quem era, depois de invocado, entrava em ação, e naquela sala tudo se mexia, tudo rebolava pelo chão, pratos, chávenas, pires, os cabelos ficavam de pé. A brasileira não tinha aspeto de bruxa, mas nunca fiando. A metamorfose dá-se de um momento para outro. Os espíritos falam por intermédio da sua boca, a médium, com vozes roufenhas, normalmente agressivas, respondendo ao que se lhe perguntou. Há quem afirme que tudo isto não passa de uma pequena peça de teatro, cujo ator principal é a tal mulher, neste caso concreto, a brasileira. E os padres? Alguns deles são exorcistas. Ficção? Realidade? // continua...

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