terça-feira, 21 de julho de 2020

MELGAÇO: PADRES, MONGES E FRADES.
 
Por Joaquim A. Rocha

desenho de Luís Filipe Gonzaga Pinto Rodrigues
 



// continuação…



     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 83, de 26/10/1930: «Serões em Família. Terceiro elemento da Trindade Educadora – Razão de Ser e Missão – Testemunhos Célebres – Base de Todo o Progresso e Bem-Estar. // A crença universal de todos os povos de que fazem parte o testemunho particular da nossa própria consciência e as aspirações nobilíssimas do nosso coração, atesta-nos que com a morte começa outra vida, melhor e mais duradoira, e cuja sorte depende da livre escolha do homem. Como toda a vida racional é atividade consciente, e a atividade é luta para alcançar um determinado fim, essa vida, para ser feliz, teve de ser conquistada à custa de muitos e porfiados trabalhos, que importa orientar bem. Assim como há uma sociedade que busca aos homens a sua felicidade temporal, assim há outra sociedade, de ordem superior – a ordem sobrenatural – que dirige a atividade humana em ordem à felicidade eterna: - a Igreja. A sua doutrina está de tal modo de harmonia com a natureza humana, que lhe garante não só a felicidade eterna, mas ainda o bem-estar e felicidade temporais. Isto prova irrefragavelmente a verdade, tantas vezes afirmada pelos teólogos, que a ordem sobrenatural – a ordem da graça – não destrói, mas aperfeiçoa a ordem da natureza. É como que um complemento da lei natural, reflexo da divina lei inscrita no coração dos homens. “Coisa admirável” – escreveu Montesquieu. A religião cristã, que parecia não alvejar outro fim que o da nossa felicidade na outra vida, assegura-a também nesta, a religião e a felicidade dos povos. E por isso, conclui logicamente: “Combate-la é um absurdo social.” // Júlio Simão deixou-nos esta sentença, não menos verdadeira e exata do que autorizada e insuspeita: “guerrear o cristianismo é guerrear a civilização, pois a doutrina contida no catecismo civilizou, só por si, o mundo.” Se atendermos ao estado de confusão e desordem do mundo romano quando os discípulos fervorosos do Mestre Divino espalharam o catolicismo pelo imenso império e verificarmos os frutos que logo produziu, necessariamente damos razão aos dois autores acima citados. E Thiers, referindo-se exatamente a este capítulo da História, afirma: “Sem o catolicismo o mundo cairia no caos.” // Adentro da Igreja nascente começou a desenvolver-se a mais formidável e gigantesca obra de reconstrução social que a História regista ainda, obra que perdurou e continuará através dos séculos. “Quando se tem assistido de perto a este espetáculo – diz Taine, o positivista – pode avaliar-se a influência do cristianismo nas nossas modernas sociedades, pois é ele que traz o pudor, a doçura, a humanidade que, entre nós, conserva a honradez, a boa-fé, a justiça. Nem a razão filosófica, nem a cultura artística e literária, numa honra feudal, militar ou cavalheiresca, nem os códigos, nem os governos, nem as administrações, podem substitui-lo nesta obra benéfica.” // “Em uma sociedade verdadeiramente católica, acrescenta Donoso Cortés, são impossíveis duas coisas: o despotismo e a revolução.” Se é certo que grande parte dos católicos não são tão bons como a doutrina que professam, foi preciso abandoná-la, ao menos praticamente, para que estes flagelos aparecessem nas nações cristãs, foi necessário proferir e aceitar o erro e seguir o tradicional ódio semita para fomentar as discórdias que a História menciona…»…J.G.M.Barcense).                


Comentário: Este texto ultrapassa a visão humana quanto ao tempo de vida real e imaginada. Fala-nos de duas vidas: esta que vivemos no planeta Terra, curta, cheia de percalços, de incidentes, de desilusões, em alguns casos prenhe de infelicidade, e a outra, sobrenatural, eterna, a qual foi – segundo o autor do texto – escolhida por nós enquanto vivemos na terra. É óbvio que o bebé que morre vai direito ao céu, porque não teve tempo de praticar maldades, os ditos pecados. Os adultos, esses, podem escolher: se obedecerem às leis da igreja católica, se derem uma sopinha aos pobrezinhos, se forem à missa pelo menos uma vez por semana, e deixarem ali uma boa esmola, esses, depois da morte, poder-se-ão sentar ao lado dos santos, ouvindo a música, o cântico dos anjos. É óbvio que a vida não é isso. Depende muito da família onde se nasce. Um casal remediado ou rico pode proporcionar aos filhos uma boa educação, ótima formação, enfim, uma segura escada para subirem a empregos bem remunerados. Quanto ao casal pobre, com pouquíssimo poder de compra, que poderá oferecer aos filhos? O senhor que escreveu este naco de prosa não deve ter conhecido a fome, a humilhação, a falta de tudo. Nenhuma religião, por mais sã que ela seja, pode satisfazer as necessidades primárias do ser humano; até porque os membros das religiões não dão, recebem. E se alguma vez dão é porque estão apenas a servir de intermediários. // Outra coisa: antes do cristianismo, com o seu deus único – pai, filho, espírito santo – existiram várias civilizações no planeta, com os seus heróis, os seus santos, os seus deuses e deusas, tudo em relativa harmonia. E, como nada é eterno, desapareceram, ou hibernam há séculos. A imaginação do ser humano não tem limites, daí nascerem religiões, crenças, como nascem cogumelos; e tal como no conto, acrescenta-se-lhe sempre um ponto. Estes teóricos normalmente mencionam pensadores, figuras famosas, para afirmarem a sua teoria, mas raro ou nunca falam de outros que jamais a aceitaram, mesmo sendo perseguidos e torturados. Quanto a mim, este senhor ultrapassou todas as fronteiras do bom senso, pontapeando em cada frase a realidade, indo até além do absurdo. Como é que nós, humanos, podemos saber o que se passa depois da morte? Há céu e inferno? Há purgatório? Há de facto tudo que nós quisermos, ou não, mas somente durante aqueles anos de vida; quando fechamos os olhos tudo termina, é o fim. Jesus ressuscitou, segundo a bíblia. E nós?           

 

     J.G.M. continua com a sua escrita assertiva, sem quaisquer dúvidas, fazendo-nos crer que não se pode viver fora da religião cristã, sobretudo à margem do catolicismo. Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 84, de 2/11/1930: «A razão: lei e experiência. Um facto histórico; Abraão Shelley – A História confirmando o 1.º capítulo da epístola aos romanos. Quimera que sempre o será e uma sentença de Bacon. = A razão humana orienta-se no exercício da sua atividade, pela lei, natural ou positiva, e pela experiência. Se a lei é um farol que lhe indica o caminho a trilhar, a experiência é um guia prático que lhe toma a mão para mais facilmente o percorrer. A experiência é pessoal e coletiva, ou histórica. A pessoa, se bem que utilíssima, está sujeita a erros; porém, a experiência histórica é de valor apreciabilíssimo: um facto verificado através dos séculos não pode deixar de ser admitido. Pois bem: ouçamos um importantíssimo depoimento da História: a incredulidade e suas consequências são a causa da infelicidade da humanidade. Escreveu algures Abraão Shelley: - “Muitos lutadores se perderam na vida por darem ouvidos de mais à incredulidade. Os ímpios são hediondos como sacrílegos e honrosos como inimigos da felicidade humana; insultando ou negando Deus, infelicitam quem os ouve e neles crê.” No meio social, onde se desprezou o elemento religioso, aparecem os vícios, corrompem-se os costumes, pervertem-se os carateres, rompem-se e pulverizam-se os laços que ligam os homens; o homem torna-se o lobo do seu semelhante, não há harmonia social, o crime campeia descomedido e impune, o respeito mútuo é coisa vã e irrisória, as paixões estuam grotescamente. Como afirma São Paulo na sua epístola aos romanos, Deus entrega aqueles que abandonam a sua lei, os seus mandamentos, aos desejos do seu corrompido coração, aos instintos brutais da natureza humana decaída. Pensou-se que a difusão da instrução – laica, note-se – reformaria a sociedade, e a guiaria a uma era nova. Como se enganam tais homenzinhos! A ilustração superficial, sem o temor de Deus, só produz socialistas, materialistas e anarquistas.” “A instrução – diz Monsieur Guizot – não tem valor algum sem a educação, nem esta sem a religião” – afirmação que o nosso purista Antero de Figueiredo corrobora: ”antes de tudo, o homem deve ser religioso; depois educado e instruído. A ciência não basta para edificar a alma humana, é preciso a fé.” É por isso mesmo que nenhum verdadeiro sábio, que aproveita proficuamente as grandes lições da natureza e da história, pode ser irreligioso ou ateu. Já Bacon o disse: “a verdadeira ciência conduz a Deus, a meia ciência ao ateísmo.”  

 

     No Notícias de Melgaço n.º 85, de 9/11/1930, continua a sua escrita pró religião católica. Começa por nos recordar: «Se houvermos de avaliar a grandeza e sublimidade da doutrina cristã pelos seus frutos (…) somos convencidos e persuadidos a admitir que é uma doutrina divina e que Deus jamais abandona a sua Igreja, a cuja guarda – sempre fiel e prudente – a confiou.» E mais à frente J.G.M. lembra-nos: «… todos os conhecimentos relativos ao grande problema da vida se acham resumidos num pequeno livro em que a Igreja formula e sintetiza o Evangelho – o Catecismo 

 
Comentário: depois de ler os escritos desse senhor depressa se chega a uma conclusão – para ele, as ciências perante os evangelhos, o catecismo, nada valem, são lixo! Ora nós, os estudiosos, sabemos que a maior parte dos textos bíblicos são pura fantasia, leitura para crianças. As religiões foram criadas por alguns seres humanos. Todas elas buscam o poder, através da força, a submissão dos outros seres. O imperador Constantino disse aos primeiros cristãos: «Eu aceito a vossa religião se aceitardes as minhas regras – o vosso Deus manda no céu e eu mando na Terra.» Os arautos de Jesus aceitaram e por isso deixaram de ser perseguidos. E deste modo foi crescendo a religião cristã, apesar das lutas internas.   
  
                                                                                                                          // continua...

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