segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha



obra de José Rodrigues



VERÕES MELGACENSES

 

      Como nesta altura do ano a maioria das pessoas já se encontra de férias, não seria de bom-tom escrever sobre assuntos pesadões, indigestos. Por isso, vou apenas abordar factos avulsos.

1.º - A estátua da Inês Negra. Quando em Abril passado estive em Melgaço deparei com a “heroína” a dar tareia rija na Arrenegada. Falei para os meus botões: isso não se faz, pois já passaram tantos séculos e a Inês já devia ter perdoado à outra, mas não! Agora vai esmurrá-la durante milénios! Imitando os turistas americanos e japoneses, puxei da maquineta e toca a tirar fotos: de frente, de costas, de perfil. Nada escapou! Não sendo crítico de arte, embora a aprecie, só me resta comentar: a estátua não me parece ser uma obra-prima, mas não está mal feita, isso não. O seu criador, José Rodrigues, é o mesmo senhor da Bienal de Cerveira. Aguardemos pelas críticas fundamentadas dos entendidos na matéria.
 
 
obra de Manuel Igrejas
 
2.º - A Casa da Cultura. Finalmente foi inaugurada. Aconteceu no dia 10 de Junho, dia importante para o nosso país. Ainda não a visitei; espero bem que corresponda às expectativas criadas e que justifique plenamente as verbas que aí se investiram. Sugiro ao seu responsável que peça à Biblioteca Nacional microfilme de todos os jornais que se publicram em Melgaço desde 1887. Sugiro também que microfilmem o foral de D. Manuel I, a fim dos estudiosos terem a ele acesso. Esta Casa pode e deve ter um papel importante na cultura local: exibindo filmes de qualidade, peças de teatro, exposições de arte, etc.; realizando conferências e promovendo debates sobre temas de interesse regional. Quanto à Biblioteca, ela deverá apoiar os estudantes e proporcionar bons momentos de leitura a todos aqueles que gostam de ler. Para isso é necessário comprar muitos e bons livros.  

3.º - Água canalizada. Faço votos para que a água não falte em casa dos consumidores. Seria uma pena! Para beber não a queremos – temos de consumir o nosso vinho verde; mas para os banhos, para as lavagens de louças e roupas, ela é insubstituível. Disseram-me, para meu espanto, que as canalizações domésticas não estavam, nem estão, a maior parte delas, adaptadas, preparadas para receberem a água que é captada no rio Minho. E o que acontece? Os canos não suportam a pressão; estão velhos e cansados – terão de ser substituídos.

4.º - Comércio. Vem aí o mês de grande consumo em Melgaço. Não sei, acreditem, se depois de tanto marasmo, tanta monotonia e tanta hibernação, o comerciante está apto a alimentar tanta gente que de repente surge, vinda de todo o lado. É que os atletas, antes das grandes provas, treinam-se arduamente. O comerciante melgacense não pode treinar. De Janeiro a Julho é uma pasmaceira; de Setembro a Dezembro uma piedosa agonia. Agosto sim, aparecemos nós aos milhares, autênticas piranhas esfomeadas, que tudo devoram e nada deixam! Os residentes queixam-se: os preços sobem, os bens alimentares escasseiam. Acaba o sossego, os dias da sonolência terminam. Tenham paciência: é só um mês por ano. E mesmo assim têm sorte; os emigrantes jovens já não levam aqueles carrões enormes, que roncavam dia e noite. Não! Agora vêm de avião até à cidade do Porto e depois alugam um carrinho económico, de baixo consumo. Os tempos já não estão para grandes gastos. Senhores comerciantes: dêem um jeitinho nessas montras; alguém me segredou que vai haver um concurso relacionado com esse tema. A mais bonita terá um prémio. 

obra de Acácio Dias

5.º - Limpeza das ruas. Ai que saudades do Camilo! Apesar de só ter um braço, as ruas da vila andavam mais ou menos asseadas. Os varredores de agora são técnicos de limpeza. Este estatuto permite-lhes ganhar mais e serem menos atentos. O grande lixo, levam-no; o pequeno, deixam-no ficar! Desse modo, a perisca, o maço vazio de cigarros, a casca do tremoço e do amendoim, ficam eternamente na rua. São técnicos! - Donas de casa: não permitam que a vossa rua seja uma esterqueira.

6.º - Festas da Cultura. Como em anos anteriores? Não! Este ano vão ser diferentes: feira medieval, desfile de carros alegóricos, discursos, jogos florais, atividade desportiva, conjuntos musicais, nada disso vai haver. Tudo se vai passar dentro da Casa da Cultura: filmes, teatro, vídeos sobre a história antiga e moderna de Melgaço… Um pouco também de arqueologia e linguística (os falares de antanho na região do Alto Minho). A Universidade Aberta está a pensar colaborar. E por que não a Universidade do Minho? Sonhei? Aguardem!

7.º - Piscinas. No plural. Não sei se já este ano os emigrantes terão o privilégio de se banharem nas águas tépidas e desinfetadas das piscinas municipais. A oposição designa-as por «elefante branco». Conhecem a história desse famoso elefante? Depois conto. Será que a oposição não gosta de tomar banho em piscinas!? Se fosse eu não punha lá os pés: nunca se sabe como reage um elefante!  

8.º - Alvarinhos. Também no plural. Um conselho, meus amigos, e sem pagarem um tostão por ele: se quiserem beber esse néctar gratuitamente vão à sala do Cinema, ali para os lados da Calçada, no dia do concurso. Há ali de tudo: bons e maus alvarinhos. Quem for esperto, eu não fui, só bebe dos premiados. Atenção, porém: o senhor Miguel costuma pôr umas garrafas no frigorífico. Peçam-lhe desse – o vinho alvarinho quente não presta.  

 

Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1033, de 15/7/1995.

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