domingo, 27 de agosto de 2017

LINA - FILHA DE PÃ
 
romance
 
Por Joaquim A. Rocha




// continuação...

A Lina não suspeitava de nada. Vivia alegre e descontraída: o Leandro crescia a olhos vistos, já gatinhava, e ao sorrir mostrava uns dentinhos muito bonitos.

     O “pai” sentia-se orgulhoso do seu menino. O senhor Manuel nunca pensara vir a ter descendência. Se soubesse que era assim tão importante para o seu equilíbrio emocional, ter-se-ia casado quando era novo, mas também nessa altura não tinha recursos financeiros para manter um lar com a dignidade desejada. «Veio quando tinha de vir» - condescendeu.  

     Estava a atender uns clientes quando chegou a GNR. «Mau!» - disse o senhor Manuel – «fico sempre nervoso quando vejo a autoridade por perto; nada tenho a temer, mas não gosto muito de fardas

     Um dos clientes observa com perspicácia o que se passa e tenta acalmá-lo:

- Ó senhor Manuel, até pode ser que lhe venham comprar qualquer coisa!

- Não me parece; quando precisam de algo mandam as mulheres ou os filhos, não gostam de fazer mercancias quando estão fardados.

     De facto os soldados da GNR não vinham ali para comprar, mas sim para outros fins. Traziam um mandato de prisão, passado pelo Senhor Doutor Juiz, mas mesmo na posse desse documento não desejavam provocar conflitos com o comerciante, por quem tinham alguma consideração.   

- Senhor Manuel: podia-nos fazer um favor?

- Dois ou três, senhores guardas. Em que posso ser-lhes útil?

- Podia chamar a sua empregada, a senhora Lina? Precisamos urgentemente de falar com ela.

- Aconteceu alguma coisa de grave? Algo que eu desconheça?!

- Não sabemos ainda, ela é que nos vai esclarecer.

     O senhor Manuel ficou intrigado, mas correu a chamar a sua cara-metade, como a tratava, embora ainda não fossem casados, o que estava por um fio.

- Lina: estão aqui umas pessoas que querem falar contigo. Desce.

- Já vou; pede-lhes para esperarem um bocadinho. 

     Dali a uns minutos surge ela com a criança ao colo. Quem olhasse para aquele quadro humano nem sequer lhes passaria pela cabeça a crua verdade: aquela mulher servia-se do pequeno ser para conseguir os seus malvados fins; mas se a criança estivesse a viver com os verdadeiros pais estaria agora escanzelada, mal nutrida, cheia de pelo.

- É a senhora Lina? – perguntou um dos guardas, quase em posição de sentido.

- Sim, sou eu! Não me conhecem?! Que desejam de mim?

- Em nome da Lei considere-se presa. Se resistir será pior para si.

     Ali perto aguardava a mãe do pimpolho. Chamaram-na. Estava triste, chorosa, um farrapo. Aquilo nunca lhe devia ter acontecido. Levaria a criança, que remédio, para juntar aos outros, mais uma boca para comer. Uma sardinha já era repartida por três, agora seria por quatro! A autoridade falava na Lei; mas ela, Umbelina, não tinha nada de seu, trabalhava a terra dos outros, no São Miguel tinha de dar aos proprietários da Quinta quase tudo que produzia; para ela, marido e filhos ficavam os restos, as migalhas, umas centenas de espigas de milho para cozer a broa. As leis deviam ser para os ricos, para os poderosos; os pobres não precisavam dessas imposições, nem sequer sabiam ler!

     O guarda dá uma ordem à falsa progenitora:

- Entregue a criança à sua verdadeira mãe e acompanhe-nos. De contrário teremos de usar a força.

- Usar a violência para uma mulher, senhores guardas?! – interveio o comerciante, sem perceber absolutamente nada daquilo que se estava a passar.

- O senhor Manuel vá ao posto, se não se importa, que o nosso comandante põe-no ao corrente de tudo. Agora temos de levar presa a sua empregada. Como deve ter notado a criança não é dela, nem sua, mas sim desta mulher e do marido.

     O senhor Manuel ficou banzado, cambaleante. Virou-se para a amante e perguntou-lhe:

- O que fizeste? É verdade que o Leandro não é meu filho?

     Não esperando pela resposta, continua:

 - És uma desgraçada! Como pude acreditar em ti?

     A Lina, descontraída, fria como a pedra sepulcral, como era seu timbre, já não tendo nada a perder, descoberto o seu ardil, riposta:

- Ó palerma, julgavas que eu te tinha amor? Eu só amei um homem, ouviste? De ti… só queria era o teu dinheiro.

     Depois dirigiu-se à mãe da criança, entregou-lhe o bebé, e disse-lhe com azedume:

- Toma! Nem para o teu filho foste boa. Sois gente fraca, servos da gleba, sem coragem. Arranja-lhe uma enxada e põe-no a cavar os campos, é para isso que vós prestais, para mais nada. Gente inútil.

     E virou-lhe as costas, com desprezo e altivez.

     Os guardas agarraram-na por um braço e arrancaram com ela para o calabouço, que ficava no posto da GNR, por baixo dos Paços do Concelho. Dali seria transferida para a prisão, que ficava a um ou dois quilómetros de distância. Tratava-se de um edifício recentemente inaugurado, construído propositadamente para esse fim. Antes a cadeia era no centro da Vila, na zona histórica, num prédio seiscentista, com algum interesse arquitectónico, mas insuficiente para as necessidades do concelho. Ali já funcionara o tribunal e outras repartições públicas. Os presos fugiam de lá quando bem lhes apetecesse, roubavam e eram novamente presos, e voltavam novamente a fugir!      

// continua...

Sem comentários:

Enviar um comentário