segunda-feira, 28 de novembro de 2016

MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS
 
Por Augusto César Esteves


capela da Senhora da Orada

// continuação...

     As dissensões entre os visigodos enfraqueceram o seu espírito guerreiro e os mouros, aproveitando a decadência dos dominadores da península desembarcaram no sul da Espanha em 711 e rapidamente a conquistaram, menos as Astúrias, onde se refugiaram os cristãos. Muza por aqui deve ter passado em 712 e Abdelaziz, seu filho, também na erupção do ano seguinte. E se acreditarmos ter sucedido a Melgaço o mesmo que a Lugo na primeira invasão ou a Ourense na expedição imediata, Muza ou Abdelaziz aqui fizeram uma razia, destruindo a Vila até aos fundamentos e matando todos os seus habitantes, se os melgaceos, escapando-se por entre os caminhos seguidos pelos atacantes, não se embrenharam nas Astúrias para depois, em 718 ou 719, encetarem a luta pela independência sob o comando de Pelágio, travando com o inimigo os primeiros combates.

     Perto de quarenta anos se aguentaram na Galiza os mouros, mas quando D. Afonso I das Astúrias, aí por 751, iniciou a reconquista, avançando até ao sul do Douro, a sua passagem foi simultaneamente uma hecatombe, um terramoto e uma varredoura, porque matou quantos árabes ocupavam o território do actual Minho, destruiu todas as suas obras de defesa – e quem sabe se o oppidum de Melgaço? – e consigo levou para as Astúrias, pelo menos, todos os cristãos das terras baixas, estabelecendo assim uma espécie de cinta de desertos com oásis entre os dois campos adversários.

     Pouco tempo decorreu sem se iniciar o repovoamento destes sítios e porque o conde-bispo Odoário, falecido em 786, o deixou dito no seu testamento, feito muito antes, sabe-se que no princípio da avançada para o sul foi povoada a vizinha aldeia de Desteriz, mas do repovoamento de Melgaço em nenhum cronicão ou documento escrito ficou memória. // Povoavam-se, então, de preferência aos agregados urbanos as vilas rústicas e como os reis das Astúrias estiveram sempre a atacar os mouros e estes lhes deram o troco na mesma moeda, tarde, mais tarde, em 997, vindo de Braga por aqui deve ter acampado o terrível Almansor, homem capaz também de não ter deixado pedra sobre pedra nesta região, se a todas as passadas vicissitudes o povoado tivesse resistido. Mas, afora o primeiro foral da terra, dez ou doze anos posterior à data fixada, eu não conheço qualquer foco de luz projectado sobre esta incógnita melgacense e bem podiam, pois, estar desabitados aqueles terrenos bravios e ferazes de Melgaço quando D. Afonso Henriques em 1170, segundo dizem, mandou povoar este sítio, porquanto lhe pertencia, como antigas vilas ou romanizadas açambarcadas pelos pretores reis da reconquista leonesa.

     Se os mandou povoar proliferaram tão depressa que já em 1181, na leitura de Alexandre Herculano, ou em 1183, na opinião do Dr. Rui de Azevedo, aqui houve gente bastante para constituir o núcleo necessário para o rei fazer aos seus habitantes a carta e o escrito «de hereditate mea quam habeo in terra Valadarensis in loco predicto Melgacio. Do vobis illam et concedo cum suis terminis et locis antiquis, et medietatem integram de Chavianes per ubi ilam potueritis invenire vel vendicare… ut eam hedificetis atque in ila habitatis

     Eram muitas as propriedades suas, como verificará quem se der ao trabalho de ler, na parte correlativa, as Inquirições Gerais de D. Afonso III, mas no planalto onde se ergue a Vila e nas encostas onde se espraiam os seus arredores, destacavam-se três boas herdades, constituindo reguengos d’el-rei: Santa Maria do Campo, São Fagundes e Santa Maria da Porta. Neste, a estender-se para a Calçada, subindo pelas encostas da Barbosa e declinando para os lados da Orada, no tempo de D. Afonso Henriques e na quadra da co-regência de D. Sancho I, ergueu uma pequena igreja consagrada à Virgem, sob a invocação de Santa Maria, a crença dos primeiros jugadeiros. Estes tinham nascido, estes surgiram no tablado de Melgaço constituindo já uma força desde o seu início; o próprio rei tratou com eles e o orgulhoso clero também. Di-lo o foral, cujas palavras acima aspamos, e repete-se em vários documentos do Livro das Datas do mosteiro de Fiães a propósito da igreja de Santa Maria da Porta, documentos alguns cujo interesse avulta por comprovarem a co-regência dos dois primeiros reis de Portugal. Aí se fala desta igreja tanto em 1183 como em 1185, em 1187 e 1190, e de todas as vezes se menciona como padroeira a Virgem, apenas invocada como Santa Maria. Dela temos também notícia em 1205. O alfobre dos documentos é o mesmo e este marca, talvez, o fim da evolução do nome titular, pois informa o seguinte:
 
                          «De Melgatio

     Sub era M.CC.XL.III. Et quot kalendas idus aprilis, hec est descriptio facta inter abbatem de fenalis, nomime Dominicum, una cum suo conventu, et inter andream grasie, natum hec alumpnum de archidiacono Garsia nuniz, tali pacto et tali conditione ut serviat ipse andreas mihi Garsie nuniz, cum ipsa ecclesia sicut ego voluero in vita mea, et post mortem meam ipse andreas ipsam ecclesiam de Melgazo que est edificata prope portam ipsius ville in vita sua firmite eam teneat, et habeat et in uno quoque anno per die cene domini pro anima mea ad refectorium. VIII. solidos reddat, sancte marie de fenalibos. Et post mortem ipsius andree ipsam ecclesiam integram sine ulto impedimento ad monasterium de fenalis remaneat, ita ut nulius de genere ipsius andree, vocem nec ius super eam habeat. Siquis ex nobis hoc pactum et hoc scriptum implere notuerit; regie voci. D. soldos pariat. Facto pacto et scripto in tempore regis sancii Portugalia. Et de manu eius in Valadares. Martinus Petri. In tuda episcopus petrus. Iudices ville de Melgazo. Piagius Garsie et Johannes Roderici. Ego andreas cum concilio ville de Melgazo hoc pactum et hoc scriptum propria manu roboro tibi abbati dominico de fenali.

                  Petrus – testes; Pelagius – testes; Martinus – testes; Johanes – testes; Midus – testes; Martinus qui notuit.»            

      Pelo tempo em que foi erguida devia ser românica, com siglas, como a ermida da Orada, ou essa capelinha insulada de São Gião, a igreja erguida em honra e louvor da imagem à qual se rezava mais ali ao pé, à beira; que se encontrava mais à mão de semear, mais ali à porta da casa «que est edificata prope portam ipsius ville», nos termos do último documento transcrito – e disto proveio o crisma da Santa Maria da Porta, sem dúvida alguma – mas parece ter havido curta duração terrena. Se nela se não enxerga hoje uma única sigla; se hoje, dela, os olhos apenas descortinam relíquias sagradas na porta principal e no tímpano duma lateral, sinal evidente é desse templo ter desaparecido. Embora as crónicas o não esmiúcem, devem tê-lo arrasado e destruído os leoneses na sua invasão de 1212, só para que outros melgacenses tivessem o trabalho de construir no mesmo local outra igreja. // Esta saiu românica também, mas tão afastada do mimo da Orada, na arte e no tempo, como os pobres jugadeiros construtores o estavam dos poderosos magnates do mosteiro de Fiães e, mesmo assim, talvez a meias com esses frades, se é lícito alguma coisa concluir da leitura do códice n.º 83 do Arquivo Municipal de Guimarães, caligrafia do século XVI no «título de todos os benefícios da comarca de Valença de Contrasta», treslado feito no tempo do Arcebispo de Braga, D. Diogo de Sousa, na parte relativa à apresentação dos párocos: «a metade do mosteiro de Fiães e a outra metade do concelho
  // continua...

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