domingo, 19 de junho de 2016

MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS

Por Augusto César Esteves



... continuação.

«De villa de Melgatio
  
        In dei nomine. Ego Alfonsus pelagii et uxor mea Marina Johannis facimus placi um de una orta nostra que iacet in ripa de regario qui currit inter heerada et leprosos de Melgazo. Vobis domno martino et conventui de fenalis damus atque concedimus vobis ipsam ortam peralia vestra orta et per una domo quas nobis datis. ita ut per eis reddamus monasterio sancte marie de fenalibus anuatim. V. solidos. in die pasce. Qui hoc pactum rumpere voluerit pectet alteri parti vel cuvocem suam dederit. cc. solidos. et carta maneat in suo roibore. Regnante rege domno santio in portugalia. Tenente valadares. M. Gil. in sede tuda. L. episcopo. Judices in melgazo. Rudericus Johannis. et rudericus menendi. Facta carta. Sub era. M. CC. LXX. VIII. Qui presentes fuerunt.

             Andreas – testes // Rudericos Johannis – testes
             Garsias petris – testes // Ordonius qui notuit.» ([1])


       Como hoje, via-se ali a capelinha siglada junto da via pública e ao lado a pequena casa onde curtiram dores e saudades do convívio humano aqueles infelizes sepultados em vida, uma e outra e suas rendas herança desses tempos recuados recolhida em 1531 pela nossa Santa Casa e estava para dizer levantadas pelo primeiro gafo sem para tanto concorrerem o consilium melgacense ou o coração dos reis. Como a longevidade lhe tirou as forças para ser bem administrada, esta Gafaria foi apanhada pela engrenagem da administração central e veio por último cair no âmbito da Misericórdia da localidade, porque:

   «...na dita Vila havia um hospital que se chamava de São Gião que fora instituído para nele se curarem lázaros, os quais havia muitos anos que aí não havia e tinha o dito hospital certas propriedades que rendiam em cada um ano todas juntamente setecentos e trinta e dois réis, e andavam mal aproveitadas e sem administrador a que de direito pertencesse a administração dele e que os provedores da comarca elegiam quem administrasse os bens do dito hospital e cumprisse os encarregos da Instituição dele, e lhe ordenavam por seu trabalho a quinta parte do dito rendimento...»

         E como, atendendo ao exposto, tudo el-rei anexou à Santa Casa, esta passou a tomar contas aos rendeiros e a dá-las aos contadores das obras, terços e resíduos. Um caderno de papel onde aquelas contas se anotavam, apesar de roído por ratos, amarelecido por humidade e com falta das duas primeiras folhas e de muitas outras, encarrega-se de elucidar acerca da sua administração e até fornece um contributo sobre a existência da lepra no concelho em data avançada da história pátria, pois nele se lê:

   «Aos catorze de Maio do ano de mil e quinhentos e quarenta e quatro deu Álvaro Aº ([2]) ao lázaro cento e oito réis perante mim, tabelião
                                                                                                   
                                                            João Gonçalves

E noutras folhas, mais à frente:

   «Aos trinta dias do mês de Julho e ano de mil e quinhentos e quarenta e sete na vila de Melgaço, nas pousadas donde pousa o licenciado João Dias, cavaleiro da Ordem de Avis, corregedor e contador e provedor dos resíduos nesta comarca, perante el-rei nosso Senhor; e ele tomou conta Álvaro de Amorim, mordomo de São Gião, assim dos resíduos da dita Ordem como do que tem recebido e despesa e achou o seguinte...

   «Despesa que deu o provedor

   E deu ao lázaro que estava em São Gião, e se finou, trezentos réis (300 réis) que estão neste livro atrás assinados - Martim Lopes

   A Misericórdia, chamando a si esta herança e recolhendo-a, assumiu correlativas obrigações. Se as cumpriu ou não com escrúpulo pode-se aferir pelo extracto de uma escritura de 22/9/1658, outorgada pelo vigário de Paços, padre Miguel Araújo Pita, provedor da Misericórdia e mais irmãos da sua mesa administradora no livro de notas de Domingos Francisco do Prado, pois nela se escreveu:

   «...fazendo seus antecessores petição ao muito reverendo doutor João Moniz de Carvalho, provisor da Corte e arcebispo de Braga para efeito de se haver de dizer missa na ermida de São Julião, sita no arrabalde desta Vila, ordenada com imagem e o mais necessário, o dito reverendo Doutor por informação que disto mandara tomar, mandara que se juntasse escritura para que se obrigasse esta Casa da Santa Misericórdia com especial hipoteca à fábrica e ornato dela como mais largamente constaria na dita petição, pelo que ela para a fábrica e reparos e ornamentos e missas e culto divino da dita capela para nela se celebrarem as mais coisas necessárias queriam dotar como de feito logo dotaram de ora para todo o sempre jamais à dita ermida as propriedades seguintes: uma leira de vinha e herdade sita detrás da Ermida de São Julião que partia pela vereda que vai para a Orada e da outra parte com caminho que vai para Cavaleiros, e assim mais o campo e vinha sita abaixo da ermida de São Julião que levará de semeadura campo e vinha seis alqueires de pão pouco mais ou menos que parte do nascente com vinha de Pedro Esteves e do poente com campo de Domingos Gonçalves e com quem mais direitamente partir deva, as quais propriedades haviam por obrigadas à dita ermida e capela de hoje para todo o sempre jamais para a fábrica e ornato dela, os quais estariam sempre obrigados à dita ermida e capela e se obrigavam com suas pessoas e rendas e pensões da dita Casa da Misericórdia a terem e manterem e haverem por boa esta escritura e se fabricam a dita capela pelos bens acima nomeados e rendas desta casa e pedem por mercê ao dito reverendo doutor provisor...»

     Para aprestar a capela obras se fizeram à custa da Misericórdia. Os livros da Santa Casa pouco adiantam para o conhecimento da sua acção de bem-fazer nesta época, mas o despacho do provisor lavrado no processo organizado sob as vistas do arcebispo é um excelente testemunho esclarecedor do estado de ruína da capelinha e talvez as suas palavras expliquem a causa de não se verem siglas em todas as pedras e o motivo de outras pequenas anomalias.
  
Diz assim:

   «Na escritura se faz especial hipoteca mas não se declara o rendimento dos bens obrigados nela, mas visto que da obrigação da fábrica desta ermida a especial hipoteca não tira a geral com que na mesma escritura se obriga a Casa da Misericórdia por os ditos bens e pelas rendas da Casa a terem manter esta ermida e fábrica dela a julgo bastante e a si regista e se passa comissão visto haver sido arruinada e de novo reparada para o reverendo pároco a benzer na forma do ritual romano e que com isso se possa dizer missa nela...»



[1]  Sumário: 1240 — Afonso Pais e Marinha Eanes, sua mulher, trocam com D. Martinho, abade de Fiães, e seu mosteiro, uma horta sita junto do regato que corre entre a Orada e a gafaria de Melgaço, por outra horta e uma casa do referido mosteiro, ao qual deviam pagar também, anualmente, cinco soldos, no dia da Páscoa. // Falta a menção do mês e do dia desta permuta, mas sabe-se que o contrato foi realizado no reinado de D. Sancho II, sendo terra-tenente de Valadares M(artinho) Gil, bispo de Tui, D. Lucas, e juízes de Melgaço Rodrigo Eanes e Rodrigo Mendes e que o notário foi Ordonho. (J.M.)
[2]  Dúvida de leitura: Afonso? Araújo? // continua...

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