terça-feira, 8 de dezembro de 2015

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO

Por Joaquim A. Rocha



AS RUAS E OS NOMES


     Na minha última visita a Melgaço, ou seja, no natal de 1992, andei pelas ruas da vila e verifiquei que estas já têm placas com o nome. Tudo bem, se não fossem os erros cometidos por quem as mandou colocar. Em primeiro lugar falemos do Largo «Policano». Não encontrei, por mais que procurasse, nenhum bicho com esse nome! Conheço, isso sim, o pelicano, ave ciconiiforme, que aparecia nos bilhetes do Cine-Pelicano. Não sei a razão da escolha, mas esse era o emblema utilizado pelos proprietários dessa Empresa. O edifício, bastante danificado, ainda lá existe. A Câmara Municipal podia comprá-lo e abatê-lo; no seu lugar poderia ser erguida uma estátua a D. João I, ou mesmo ao fundador da nacionalidade, visto que esse prédio nada tem a ver com a traça das casas vizinhas que o circundam, pode mesmo considerar-se um intruso. Como a Câmara Municipal de Melgaço está tão interessada em preservar o património legado pelos nossos avós, aproveitava esta ocasião, que poderá ser única. Não quero com isto dizer que o cinema não seja necessário, bem precisava o concelho de uma verdadeira Casa de Espetáculos, no entanto, isso é assunto para outro artigo.
     Dizia eu que o Largo não é «Policano». Também não deverá ser Pelicano, mas sim Largo do Cine-Pelicano: o seu a seu dono.
     Rua Fonte da Vila. Penso que Rua da Fonte da Vila estaria melhor, pois a rua não é fonte da vila, eu nunca conheci uma que o fosse! Aproveito para lembrar aos senhores da Câmara Municipal que a referida fonte está tão escondida e tão pouco cuidada que até mete dó. No tempo das invasões francesas a pedra de armas foi coberta de argamassa; agora, está coberta de desprezo! Não basta colocá-la na capa de livro; é necessário dar-lhe um lugar de destaque no dia-a-dia da comunidade.
     Viela D. Pedro Pires. Assim se chamava o prior do convento de Longos vales, o qual financiou, ou ajudou a financiar, no tempo do nosso primeiro rei, a construção do castelo de Melgaço. Nesse tempo não existiam os bancos, e os Rothchilds só apareceriam no século XVIII, por isso os reis recorriam aos conventos ricos e poderosos (Fiães, Longos Vales, Alcobaça, etc.), dando como contrapartida territórios que os mesmos reis iam conquistando aos mouros. Embora monumento nacional, o convento encontra-se em estado deplorável.
     A Rua «Direita», por sinal bastante torta, é a rua principal da vila antiga; julgo que não é só por isso que ela tem esse nome, mas sim por ser nessa rua que se situavam os antigos Paços do Concelho, Tribunal e Cadeia. Direita, neste caso, significaria justiça; por conseguinte, a rua onde se exercia a justiça (direitos dos cidadãos). Tudo isto carece de mais investigação, mas o pouco tempo, e por vezes a dificuldade de acesso aos arquivos, torna essa mesma investigação quase impossível.
     Alameda Inês Negra. No meu tempo de rapaz tinha dois nomes: Avenida Salazar ou Avenida das Tílias. O atual presidente da Câmara quis homenagear a lendária “heroína” de Melgaço, e assim deu à avenida o seu nome. Apesar de não ser uma figura histórica, Fernão Lopes insere-a na sua «Crónica de D. João I», embora de uma forma assaz ambígua. Escreveu ele: «E em esse dia escaramuçaram duas mulheres bravas, uma da vila e outra do arraial, e andaram ambas aos cabelos, e venceu a do arraial», sem sequer lhe mencionar o nome. Duarte Nunes de Leão, na sua «Crónica de D. João I», 3.ª parte, também não cita o nome das duas mulheres. Foi somente o Conde de Sabugosa, muitos séculos depois, inícios do século XX, que batizou a do arraial com o nome de Inês. Ela simboliza a bravura, o patriotismo, a fé na vitória. Por isso, e só por isso, merece essa honra.
     Rua do Carvalho. Provavelmente existiu aí, outrora, um carvalho de garboso porte e deram ao lugar esse nome. Não se justifica, quanto a mim, a sua perenidade.
     Não vi, por mais que procurasse, uma rua com o nome do grande historiador melgacense Dr. Augusto César Esteves (1889-1964). Não sei se o vereador que detém o pelouro da cultura se esqueceu, ou se houve de facto uma omissão voluntária. Seria muito, muito grave, se por uma razão ou por outra se ostracizassem todos aqueles que tornaram Melgaço mais conhecido (e estão a tornar, como é o caso do Cónego Doutor José Marques, entre outros), dedicando uma vida inteira à investigação, em arquivos desorganizados e poeirentos. É certo que esse erro pode ser corrigido, mas por favor: aprendam a distinguir o trigo do joio! Não sugiro que se dê a uma rua de Melgaço o nome do Tomás das Quingostas, ou quejandos; isso poderia querer dizer que se perdoavam os antigos crimes, que se fazia a apologia do banditismo, isso não! Mas, por favor, não se esqueçam dos emigrantes, dos escritores (Miguel Ângelo Barros Ferreira), dos poetas populares (Francisco Augusto Igrejas, José Serrano, e outros); dos artistas (Acácio Dias, Manuel Igrejas, Óscar Marinho, etc.); de Vasco de Almeida, que dinamizou o teatro na nossa terra. Outro nome a lembrar é o de Martinho de Melo e Castro (1716-1795), da «nobre família dos Castros de Melgaço», que foi ministro da marinha e teve um papel importante na diplomacia portuguesa do século XVIII. Enfim, que as ruas apareçam com nomes de figuras conhecidas e merecedoras de tal distinção. Era aconselhável que, após o nome, se indicasse a data de nascimento e morte (no caso de já ter falecido), e outros elementos de identificação: político, escritor, artista, etc.


Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 983, de 15/4/1993.

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