segunda-feira, 1 de julho de 2024

POEMAS DO VENTO

         Por Joaquim A. Rocha


// continuação de 25/02/2024.                                                      



                                      PERDIDA EM TEUS SONHOS

 

Aqui vieste um dia,

não sei se em romaria,

se perdida em teus sonhos;

em pesadelos medonhos

eu vivo o dia a dia.

 

Talvez seja fantasia…

talvez sejam sonhos meus;

mas se tiver de sofrer,

sofrerei nos braços teus

até ao dia em que morrer.

 

E se tiver de escolher,

escolherei livremente,

vá-se o passado, o presente,

venha o futuro infeliz:

sonho triste, a alma o diz!

 

VIDA SOMBRIA

 

Vivo em fortes anseios,

e são tantos os receios

de teu carinho perder;

voo por sobre as nuvens,

procurando na solidão

remédio para esta ilusão,

pra não viver por viver!

 

Antes de te conhecer,

jamais podia prever

este sofrimento atroz;

agora, a minha vida,

é como casca de noz

boiando no mar, perdida!

  

DESPEDIDA

 

Antes de embora te ires

olha para mim docemente;

será o melhor presente

que a tua alma me dará.

Mesmo que após faças rir,

contando a tua estória,

não apagarás a glória

ao teres olhado pra mim!

Sonho belo que hei sonhado,

foi um momento que se foi;

é ferida que sempre dói,

um sofrer não terminado!

Leva em tua rude memória

Minha efémera vitória, 

coisa pra ti sem valor;

deste-me aquilo que queria,

um olhar de fantasia,

uma pitada de amor!

 

ANSEIO LONGO

 

Toquei do meu país os dois extremos:

Melgaço lindo e belo Portimão;

alcançando assim um bem supremo:

anseio longo de meu coração.

 

Antigo e justo desejo,

finalmente conseguido;

o Algarve agora eu vejo,

o Minho já o hei visto.

 

1971

 

O MESMO SANGUE

 

Portugueses, do tempo de Afonso Henriques,

que montados em vossos cavalos

de todo o inimigo vos ristes…

Também nós, vossos sucessores,

diremos ao mundo, e seus senhores,

que somos filhos dignos de vós…

e tudo faremos para merecer

os dotes que nos deixastes;

lutaremos a valer, até força já não ter;

do mundo inteiro não teremos medo,

seremos gigantes destemidos,

homens fortes, aguerridos,

a pátria nunca iremos esquecer!  


ESTRADA DA VIDA

 

Estrada da desventura…

quanto custas a percorrer;

jamais tu darás ventura

a quem não te souber vencer.

Percorri eu essa estrada,

ainda a percorro lentamente;

minha vida está fadada

para a vencer certamente!

Estrada do desespero,

estrada da esperança,

estrada do sofrimento,

estrada da insegurança.

Vences os fracos e os fortes,

os bons… esses nem tentes; 

podes dar-lhes mil mortes…

combatê-los em mil frentes!

E a estrada vai chegando

ao seu fim, ao seu termo;

e os corpos definhando,

e os espíritos caminhando

para o seu longínquo ermo!

 

1968/1970

 

PASSADO MORTO

 

Céu azul, sem nuvens, límpido.

Enches o meu coração

de alegria desmedida;

tu fazes da minha vida

uma onda de ilusão.

 

Não quero viver passado,

já sou alegre, feliz;

pra trás fica o torturado,

o eterno enamorado…

fraco mestre, o aprendiz!

 

Tempos remotos lá vão,

não os quero relembrar;

fazem-me sofrer imenso,

tornam minha alma doente,

as minhas ideias vogar. 

 

Vou tentar tudo esquecer,

 esse passado infeliz;

vou-me divertir, viver,

já basta tanto sofrer;

quero ser, enfim, petiz.

 

Mas não será fantasia

este meu louco desejo?

Toda esta minha euforia?

Será apenas, magia,

Um pretexto, um ensejo?

 

DIA DE SOL

 

Dia de sol, puro e belo,

nunca vi outro assim;

daqui avisto o castelo,

 falando assim para mim:

 

«Estou aqui, aonde me vês,

há longos séculos talvez,

mas tão forte como dantes;

por mim travaram-se lutas

e lindas damas pedantes

sorria

- e todos dizem merecida –

àquele santo de Deus.

Seu nome aqui ficou

para a posteridade;

passe o tempo, a idade,

seu nome se consagrou.»

 

1970

 

62

 

AMOR DE MÃE

 

Se soubesses o que era

ser mãe, pura e doce mãe,

não estarias à espera:

- amá-la-ias tu também.

 

Pobre criança mimada,

não tens olhos para ver

chorar – tão amargurada,

tua mãe por muito querer?

 

Não a faças mais sofrer.

Criança: cresce e aprende;

é tão grande esse querer

que às vezes até ofende!

 

Quando tiveres teus filhos

verás o quer dizer:

«quem tem filhos tem cadilhos»

não o vais nunca esquecer.

 

O amor de pai é ardente,

o de mãe é escaldante

- até por vezes saturante –

Mas sempre terno e quente.

 

ELA

 

Não quero o perdão teu!

Quem tudo te ofereceu?

A própria vida, o coração…

E, no final, … a desilusão!

Abandonaste-me, deixaste-me só.

Ai de mim que sofro o teu desdém!

Já não te merece, ao menos, dó,

aquele que já foi para ti alguém?

Tempos passados, horas perdidas,

amarguradas, sentidas,

sonhos não realizados,

vidas mal vividas!

Só me resta a saudade

daqueles tempos de outrora;

vivendo em meu coração,

lembrando-a hora a hora.

Não estou arrependido,

de contigo ter vivido,

 de ter sonhado tão alto;

foi uma lição cruel,

ficando o sabor a fel,

a vida cor do basalto!

 

1969

 

Os teus lábios caprichosos…

 

foram beijados pelos meus;

beijos sãos, mui amorosos,

mas não aceitos pelos teus.

Não fiquei arrependido

dos beijos que te roubei;

fiquei sim muito sentido

porque dei e não levei!

Esses teus lábios tão frios

lembram correntes de rios

no inverno; lembram, dançando,

figuras de cera em salão,

canções de gelo cantando!

Esses beijos que eu te dei

não foram uma mentira;

foram beijos de amor,

daqueles que causam dor,

e duram toda uma vida.

Que representam para ti

esses beijos que eu te dei?

Lembra-te que eu não menti

quando teus lábios beijei.

Talvez nos meus olhos leias

o grande amor que te dedico;

peço-te que nele creias…

por ele a sofrer eu fico.

 

1969

 

FUTURO HERÓI

 

Por sobre as nuvens voando

por sobre mares navegando

a terra dura pisando

heróis d’outrora memorando

e heróis d’agora chorando

Batem-se na doentia Guiné,

Angola e Moçambique

batem-se com bravura e fé

para a frente arma em riste

o medo por vezes sua alma invade

pede-se a um deus para que seu

corpo ali não fique

mescla de medo e de bravura

tanta água e que secura

seus lábios pedem uma gota d’água

sua família com saudades chora

estes serão os heróis d’agora

Voluntário, obrigado

para a guerra vai afinal

vai ser sacrificado

o mundo dele se esquece

o nosso respeito merece

soldado de Portugal

 

Morena, doce morena…

flor que veio do campo,

lembrar-te faz-me pena,

vivo em eterno pranto.

 

Vieste, andorinha doirada,

em meu beiral fazer ninho;

mas chegado o inverno, coitada,

tiveste de deixar teu cantinho.

 

Deixaste só e a sofrer

um coração destroçado;

mais me valera morrer

ao te enganar, enganado!

 

Todas as manhãs, à janela,

olho ao longe o horizonte;

não te vejo, Cinderela,

meus olhos são uma fonte.

 

Tinha dois grandes amores,

qual deles o maior;

perdendo os teus favores

fiquei com a maior dor!

 

Se antes soubesse o que sei,

mais atenção te daria;

pois amor que não te dei

eu tinha-o em demasia!

 

Não mais haverá verão

em minha vida sombria;

viverei, como irmão,

 na foz da melancolia!

 

A vida deixou de ter

para mim qualquer razão;

viverei para sofrer,

para a dor do coração.

 

Passo noites sem dormir,

revendo a tua imagem;

de manhã, o sol a abrir,

vejo a sombra da miragem!

 

Vivo na pura ilusão

do teu amor possuir;

mentiroso coração,

passas a vida a mentir!

 

Amor de sal como o meu

não voltarás a encontrar;

sabe-se lá, o amor teu

a quem o irás entregar!

 

Dá-o a uma alma nobre,

 que o saiba merecer;

não interessa rico ou pobre,

interessa sim puro ser.

 

Dá-o a quem o mereça,

a quem te faça feliz;

quem não compare nem meça

o grande amor qu’eu não quis!

 

Eu sofrerei em silêncio

este amor que rejeitei;

troquei-o por outro amor,

ou um sonho que acalentei,

muito maior do que esta dor!

 

Os beijos que eu te dei

foram beijos de amor;

mas tarde o soube, eu sei,

agora resta-me a dor.

 

Mataste a débil criança,

deste vida a outro ser;

também mataste a esperança

que em mim estava a nascer!

 

Adeus, querida morena,

sonho não realizado;

se lembro já tenho pena,

o presente é meu passado!

 

Se alguma vez te lembrares

deste pobre enamorado,

  faz por duas lágrimas chorares:

- o amor nunca é culpado!

 

1969

 

 // continua...


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