sábado, 27 de julho de 2024

 OS NOVOS LUSÍADAS (...)

Por Joaquim A. Rocha





Quarta Parte

 

(1926 a 1974)

 

 

1

 

O golpe de vinte e oito de Maio,

Organizado pelos militares,

Espantou o melro, até o gaio,   

Os longos oceanos e os mares!

Nem Napoleão, Cid, ou Dom Caio,

Serviriam para seus nobres pares.

Derrubaram a primeira república,

A fim de melhorar a coisa pública.

 

2

 

Gomes Costa indica Cabeçadas

Para chefe do primeiro governo;

Mas o tipo era só bom em ciladas,

Sobretudo no tempo de inverno.

O fulano mandou-o às caçadas,

Quiçá para as bandas do inferno.

A seguir toma conta do poder,

Exercendo-o sem um plano ter.

 

 3


Nasce a ditadura militar,

Com laivos de fanático fascismo;

Chamam de Coimbra a Salazar,

Professor, servo do puritanismo.

Mais um general, magro, de mau ar,

Ajuda a meter-nos no abismo.

É conhecido por Óscar Carmona,

E tinha cara de sofrível mona. 

 

4

 

Nunca se portou como presidente,

Mas sim como um simples pau mandado;

Era tímido, por norma prudente,

Um velhote muito bem comportado…

Ao Doutor Salazar era temente,

Mais do que ao Jesus ressuscitado.

Foi assim, o homem, até morrer,

Um pobre fâmulo a obedecer.

 

5

 

O verdadeiro senhor do Estado

Era o Oliveira Salazar;

Domou as finanças e o mercado,

Assumiu-se como dono do bar…

O escudo fora valorizado,

Impostos começaram a trepar.

Surge mais tarde o Estado Novo,

Que será a desgraça deste povo.


6

 

Diz-se social e corporativo,

Deus Pai, Pátria, e vossa Família…

Rezar, trabalhar, ser algo passivo;

Beber chá de cidreira e de tília...

Em política ser-se nada vivo,

Ficar em casa Ana e Otília.

O interesse era nacional,

Um casamento entre bem e mal.

 

7

 

Os sindicatos deixam de agir,

São braços do terrífico dragão…

Aderentes são moças de servir,

Todas criadas do mesmo patrão.

Este sindicalismo não tem porvir,

Um dia cairá no fero chão.

O dito Estatuto do Trabalho

Tem o fascismo como agasalho.

 

8

 

Casas da…, e Grémios da Lavoura,

Crescem um pouco por todo o lado;

Compra-se adubo, cuida-se da toura,

Aluga-se o trator, o arado…

Namora-se a morena, a loura,

Vê-se futebol, canta-se o fado.

O nosso «mundo pula e avança»

E «zé povo» entra na nova dança.


9

 

Católicos atingem apogeu,

Em todas as aldeias há capelas;

O padre oferece-lhes o céu,

O sacristão acende as velas…

Nos tribunais já não há réu,

Os maus embarcaram em caravelas.

O país está bem pacificado,

Já não há na rua boi tresmalhado.

 

10

 

Os patrões estão muito satisfeitos,

Podem produzir à sua vontade;

Os ares agora são rarefeitos,

Ninguém tem, da cacetada, saudade.

Os operários são mui perfeitos,

Trabalham bem desde tenra idade.

Fábricas crescem como cogumelos,

Dirigidas por  tigres e camelos.

 

11

 

Casas do Povo, patrões e lacaios,

Com intuito de haver entendimento;

Acabaram-se os nobres e aios,

A fidalga freirinha do convento…

Pobre, come unto; o rico, paios;

O patrão acumula rendimento.

Também há as Casas dos Pescadores,

Para ajudarem os grão senhores.


12

 

Na faina da pesca, o pescador,

Trabalha rijo de dia e noite,

Enfrenta o gigante adamastor,

Medo… nada teme que o açoite.

Pede fartura ao deus protetor,

Que no seu leito ore e pernoite.

No regresso do poderoso mar,

Descansa uns dias no pobre lar.

 

13

 

Parte do peixe vende-se na lota,

Outra vende-se de porta a porta:

«Temos o carapau, sardinha, pota…»

O preço dependerá, não importa,

A velha camisa já está rota,

A janela completamente torta.

Os doze filhos andam andrajosos,

Roupa boa é para os poderosos.

 

14

 

Assim vai a vida do pescador,

Trabalhosa, mal remunerada;

Enchendo a bolsa do armador,

A sua quase sempre minguada.

Podia ter sido agricultor,

Viver sujeito à dura enxada...

Porém, já seus pais, por qualquer razão,

Tiveram essa velha profissão.


15

 

Diz Salazar: «nada contra a nação»…

 E naquela voz estranha, roufenha,

Mesquinho, de gélido coração,

Levando água à sua azenha,

Vai debitando frases com paixão…

Palavras mais duras do que a penha.

O homem, antigo seminarista,

Era monárquico, besta fascista.

 

16

 

Ele não confiava em ninguém,

No ministro ou no seu secretário;

Tinha de sobrolho o de Belém,

Outrem, para ele, era otário…

Há quem diga que não tinha vintém,

Trabalhava muito, sem um horário…

Eu só vou acreditar nessa peta,

Se tornar a ser bebé de chupeta.

 

17

 

Tinha imenso ouro, pouca parra,

Nos cofres fortes do Novo Estado;

Não fazia, como fez a cigarra…

Era muito trabalhador, poupado.

No inverno usava uma samarra,

Nos joelhos um cobertor usado…

Tinha uma criada, a Maria,

Para todo serviço, noite e dia.


18

 

Em mil novecentos trinta e três

Apresenta nova constituição,

A fim de domar rebanho, a rês…

Tudo em nome da organização.

Enganou Luís, a pobre Inês,

Até o Filipe e Conceição!

Só não iludiu o homem astuto,

De cérebro asseado, enxuto.

 

19

 

Aprovada em fraco plebiscito,

Sob o medo, ameaça, censura;

Lá ao longe um forte, longo grito,

Alguém tombou vítima de tortura.

Maria mata o frango, ou «pito»…

Em casa do bei reina a fartura.

A constituição traz paz, segurança,

Ao povo mais frágil, sem esperança.

 

20

 

Federações: nacionais, regionais,

Agrupam os sindicatos e grémios,

Tudo isso, para parecer mais,

Só faltava atribuir prémios…

Onde estão os intelectuais,

Sem serem os primos ou irmãos gémeos?

Achava-se, o novel ditador,

De Portugal o único senhor!?


21

 

Corporações morais, de vário tipo,

Foram surgindo aqui, acolá…

Tinham como símbolo belo cipo,

Ofereciam água no "alçalá"...

Serviam-se do ripanço, ou ripo,

Para juntar o filho e o papá.

Nas ditas corporações culturais,

Reuniram rãs, outros animais.

 

22

 

Sábios, notáveis homens de Letras,

Não aderiram ao novo regime;

Achavam-no universo das tretas,

Não viam nele nada de sublime…

Julgavam-no horrível e com gretas,

 «Só o feio, ruim, ele exprime

Preferiram deixar este país,

Comer lá fora o milho maís.   

 

23

 

As escolas do ensino primário

Cresceram, isso é indesmentível;

Mas se consultarmos o anuário,

O aumento de mestres é risível…

Ser professor aí era um fadário, 

Objetivo era inatingível.

Querendo imitar antiga Roma   

Deram à terceira fraco diploma!


24

 

Como as turmas eram gigantescas,

E mestres oficiais eram raros,

Tiveram ideias tolas, burlescas,

Agindo como idiotas, avaros;  

Criam a figura rocambolesca

De regentes humildes e ignaros…

Com o ordenado dum professor

Paga-se a três regentes “de honor”.

 

25

 

Apenas com uma terceira classe,

Mesmo até com o segundo grau,

Por muito que o ensino amasse,

Pintasse os olhos com colorau,

Não teria sachola que sachasse

Um terreno sáfaro, muito mau.

O saber adquire-se com estudos,

Não com lábia e canudos.

 

26

 

É certo que um ou outro regente

Se esforçava por bem ensinar;

Mas sem ferramentas, saber ausente,

Como pode por ali caminhar?

O governo estava mui contente,

Algum dinheiro julgava poupar.

Aluno, falho de conhecimento,

Aguardava por melhor momento.


27

 

O secundário melhorou algo,

Criaram-se cursos técnicos, liceus,

Os últimos para moço fidalgo,

Os primeiros para jovens plebeus…

O governo corria como galgo

A fim de convencer os mil incréus.

Tinha, como em tudo, um senão:

Era temporária a ilusão.

 

28

 

Faltavam professores encartados,

Para milhares de alunos inscritos;

Alguns até eram aposentados,

Pela lei deste país interditos…

Apresentavam-se muito cansados,

Com doenças, reumatismos malditos.

O governo, devagar, de mansinho,

Ia levando a água ao seu moinho.

 

29

 

Ensino superior piorou,

Perseguiram mestres e estudantes;

Porque poucos ou ninguém aceitou

A rija ditadura dos mandantes…

Letras do Porto as portas fechou,

E outras, como escadas rolantes.

Só o tempo corrigiu injustiças,

Eliminando nabos e nabiças.


30

 

As ditas comissões reguladoras,

Para condicionar importações,

Nunca foram, julgo, merecedoras,

De louvores, medalhas, atenções…

Eram coisas, máquinas redutoras,

Cobras, lagartos e escorpiões.

As terríveis juntas nacionais

Fomentavam a venda de jograis.

 

31

 

Ainda criaram os institutos

Ligados às poucas exportações,

Viam a qualidade dos produtos,

Faziam-lhe algumas correções…

Mas os técnicos eram assaz brutos,

Deixavam passar as imperfeições.

O regime foi perdendo o crédito,

Por falta de sagacidade, mérito.

 

32

 

Algo fizeram de bem por vanglória:

A Academia das Artes Belas,

Academia Portuguesa de História…

E o resto feito serão balelas,

Sem brio, sem gosto, sem qualquer glória,

Pequenos remos para fracas batelas...

O Ministério da Instrução

Passou a chamar-se da Educação!


33

 

Voltou-se quase à Idade Média,

Vilas e cidades atrofiaram;

Ficou tudo adormecido, sem rédea;

Camponeses e outros emigraram.

A vaca do governo era nédia,

Famílias sabujas engordaram.

Oposição vivia no terror,

A liberdade pereceu de dor.

 

34

 

O professor Marcelo Caetano,

O delfim do ditador Salazar,

Era esperto, hábil e cigano,

Era bom a escrever, a falar...

Mestre em direito e no engano,

Iludia a todos com o olhar.

Arquiteto do terrível regime,

Dava ao mal um cheiro a sublime. 

 

35

 

Fez nascer a Legião Portuguesa,

A polícia política do Estado,

A Mocidade dita portuguesa,

A União, lar do velho cansado...

A «Fenate», alegria na tristeza,

E o medo, sempre a nosso lado.

Ajudou no «Acto Colonial»,

Uma vergonha para Portugal.


36

 

Legião, força paramilitar,

Grupo dito de anti bolchevistas;

Homens que nem sabiam soletrar,

Gentinha coitada, de poucas vistas;

Vil, frustrada, em busca de manjar,

Corja de malandros, malabaristas… 

Muitos deles do mundo laboral,

Amantes da farda e do bornal.

 

37

 

A outra força, esta desarmada,

Crismaram de Mocidade Portuguesa;

No princípio entusiasmada,

 A pouco e pouco na incerteza…

Aprumados e firmes na parada,

Ignorando o que era a tristeza.

Eram também fascistas, escuteiros,

E todos eles crentes verdadeiros.

 

38

 

Vestem camisa de cor verdejada,

Mangas subidas, laço ao pescoço,

Defendem moral, a pátria amada,

São inda fruta verde, sem caroço.

Avós lutaram na «Vilafrancada»,

Por Dom Miguel quando era moço.

Serão depois futuros governantes,

Famosos, altivos e mui pedantes.


39

 

As elites do país, da nação, 

Homens cultos, sábios, eminentes,

Aceitam muito mal a situação,

Este torturar de almas e mentes.

Uns refugiam-se na ilusão,

Outros emigram, partem descontentes.

O Salazar está no pedestal,

É rei, sem coroa, de Portugal.

 

40

 

A vil Polícia de Vigilância

Foi criada na década de trinta;

Perseguiu o Álvaro, a Constância,

O remediado e o pelintra...

Sempre cruéis, audazes, na ganância,

Vasculharam em Lisboa e Sintra.

Por descrédito morreu de repente,

Dando lugar à filha da serpente.

 

41

 

Essa Pide, internacional,

Execrável como a anterior,

Era a madre de todo o mal,

Provocava ódio e terror…

Aquando da guerra colonial

Causou muitas mortes, imensa dor.

Não tinham dó, pena, ou piedade,

Fosse o preso novo ou de idade!


42

 

Os agentes eram maus e vaidosos,

Arrogantes, com o rei na barriga;

Por norma, eram incultos, gulosos,

 Jamais tendo amigo ou amiga.

Viam em todos bravos revoltosos,

Numa reunião… uma intriga.

Comiam, bebiam, sempre à borla,

Depois sentiam na boca a corla.

 

43

 

Iam ao cinema, ao futebol,

Altivos, com pose de marajá…

Viam espetáculos «rock and rol»,

Apenas mostrando o seu crachá.

Perseguiram Régio, Alves Redol,

Torturaram muitos negros em Brá.

Assassinaram Humberto Delgado,

General sem medo, muito amado.

 

44

 

Consta que um dos “célebres” agentes

Deu duas bofetadas no “San Paio”;

 Não sei se lhe quebrou algum dos dentes,

Se lhe provocou profundo desmaio…

Fez-lhe perguntas parvas, indecentes,

Deitou para cima corisco e raio…

Esse canalha teve muito azar,

 “San…” era  compadre de Salazar!


45

 

Foi despedido da Corporação,

Não lhe valeram as muitas desculpas;

Se batera num reles artesão

Ninguém lhe atribuiria culpas…

Cascar no fotógrafo do Chefão,

Só pessoas néscias ou estultas!

Dizem que se deslocou para a Beira,

Para trabalhar na indústria mineira.

 

46

 

Para cúmulo da sua imagem

Ficou na memória o Tarrafal…

Sítio abafado, sem aragem,

O feio covil do eterno mal...

Todo o preso estava à margem,

Dentro do seu próprio funeral.

Comportaram-se como os marranos,

Mais cruéis do que hunos e romanos.

 

47

 

Parece que não sentiam remorsos,

Nas veias não corria sangue humano;

Eram como bustos ou rijos torsos,

Filhos de um antigo deus germano…

Carregavam nos seus direitos dorsos

O fel, o veneno, dum vil tirano.

Marcelo tentou mudar-lhes a máscara,

Só lhes servindo de sagrada cáscara.


48

 

A Direção Geral de Segurança,

Quis aparecer com outro rosto;

Mais Dom Quixote do que Sancho Pança,

Mais foguetada do que fogo posto…

Mas poucos entram na estranha dança,

Ninguém deseja ter outro desgosto.

Mais tarde os garbosos militares

Mandaram essa malta pelos ares.

 

49

 

A nossa Guarda Republicana

Nasceu em mil novecentos e onze;

Era muito pequena, a magana,

Com luvas pretas, de prata e bronze.

Foi crescendo, com talento e gana…

Deixem-na crescer e ninguém a zonze.

Durante o dito Estado Novo

Afastou-se das gentes deste povo.

 

50

 

Muitos rapazes vinham da tirana,

Oriundos das humildes aldeias;

Uns eram espertos, outros banana,

Tinham nas cabeças imensas peias…

Casavam com sopeira ou tricana,

Usavam em suas casas candeias.

Na sede da vila tinha quartel…

Pouco espaço, tudo a granel.


51

 

Passam multas por infração à lei,

Tentam manter respeito e a ordem;

Chamam a atenção de toda a grei,

Não querem nas ruas qualquer desordem.

No campo brincavam ao milho-rei,

Depois de beberem não os acordem.

Tinham ao seu dispor um velho jipe,

Sempre aleijado, sempre com gripe.

 

52

 

Que dizer da ex-Guarda Fiscal

Nascida no século dezanove?

Apreendia café, vil metal:

O ouro, platina, prata e cobre.

Percorriam raias de Portugal,

Protegia rico, lixava pobre.

As praças tinham uns prés miseráveis

Não dava para comer salmão ou sáveis.

 

53

 

Os solteiros viviam em quartéis,

Os casados em casas arrendadas;

Ganhavam um pouco mais de cem réis,

Nem sequer dava para as entradas!

Por isso, fechavam olhos às leis,

Para colherem mais umas pitadas.

Ninguém considerava corrupção,

Deixar seguir carro ou camião.


54

 

Sobre polícia de segurança

Pouco ou nada ousamos dizer;

Há homens, mulheres de trança,

Com eles nada temos a temer.

Sabemos da sua força, pujança,

Da sua vontade em bem fazer.

Atuam normalmente na cidade,

Defendendo a paz, tranquilidade.

 

55

 

Laboratório de Engenharia,

Fundado na década de quarenta,

Teve aplausos do Zé e da Maria…

Inaugurado com água benta…

Instituto de Estomatologia

Estava também na sua ementa.

Existiram mais realizações

Para mostrarem aos povos, às nações.

 

56

 

Louvo Instituto de Oncologia,

Tão necessário era ao país;

Todos trabalham de noite e dia

Para extirpar o mal pela raiz…

Dantes era autêntica razia,

Como no tempo do rei Dom Dinis.

Graças aos médicos, à medicina,

Surgiu a eficaz penicilina.


57

 

Instituto para a Alta Cultura

Nasceu vaidoso, com pose, estilo;

Porém, enganava tanta fartura,

Tinha olhos, pele de crocodilo…

A costureira que fez a costura

Não lera muito bem o codicilo.

Quando as coisas surgem a fingir

O melhor é delas logo fugir.

 

58

 

Calouste Gulbenkian, cidadão,

Surgiu por sorte, milagre divino,

Um homem bom, de nobre coração,

Trazido pelo caprichoso destino…

Nascido na Arménia, ou não,

Percorrendo mundo desde menino.

Veio residir neste Portugal,

Mais propriamente na capital.

 

59

 

Deu a este país, por testamento,

Muitas moedas, muitas peças de arte;

A sua fundação é monumento,

Digna daqui ou mesmo doutra parte…

O museu é nosso contentamento,

O jardim lembra-nos Vénus ou Marte.

O dinheiro dele tornou-se útil,

E o de outros, sujo, seco, fútil.


60

 

A Gulbenkian publica revistas,

Livros de enormíssimo interesse,

Por preços acessíveis, minimistas,

Quase servidos na extensa messe…

Obras de conhecidos cientistas,

Que a nossa leitura merece.

Calouste Gulbenkian, grande vulto,

Graças a si o Zé ficou mais culto.

 

61

 

Este país não estava parado,

Talvez um pouquinho adormecido;

Tínhamos o futebol, belo fado,

Rádio, um romance proibido…

No campo puxava-se o arado,

Na aula falava-se da bela Dido.

Em Fátima espera-se milagre,

Na mira que a peta se consagre.

 

62

 

A radionovela empolgava,

Sobretudo as urbanas senhoras;

A mulher só em casa trabalhava

(Não operárias e lavradoras).

Amália com sua voz encantava…

Lá longe ouvem-se metralhadoras.

Eusébio, com pés maravilhosos,

Marca no campo golos fabulosos.


63

 

José Afonso, com suas canções,

Abala o forte, feroz regime;

Provoca-lhe fendas, feios rasgões,

Bate com varas de ferro e vime.

Não tem medo dos lobos e leões,

Mesmo que o tanso verso não rime.

Zeca foi cantor, guerreiro, poeta…  

E mártir da liberdade, profeta!

 

64

 

A sua força, sua ousadia,

Sua voz única, melodiosa,

Sua música guerreira, bravia,

Tudo leve como a mariposa,

Límpida como água da ria,

Com brio, majestade caprichosa.

Até na languidez duma guitarra,

Sobressaía sua forte garra.

 

65

 

Mesmo na dolorosa despedida,

Foi enorme, foi um titã, gigante;

Notando que lhe escapa a vida,

- Que ele cultivava como amante -

À extrema dor não dá guarida,

Acha-a coisa insignificante.

Diz-nos adeus com a trémula mão,

«Até depois camarada, irmão


66

 

Amália, nossa maior fadista,

Para o povo tinha dupla postura:

Dizia-se internacionalista,

Mas apoiava a vil ditadura!

Tinha fama de alfacinha bairrista,

Distribuía sorrisos, ternura...

Consideravam-na beata, “santa”,

Mas imensas dúvidas tal levanta.

 

67

 

O hóquei em patins em Portugal,

Rivalizava com o espanhol;

O ciclismo era bom, genial,

As praias tinham areia e sol…

As touradas eram sem igual,

Nas tascas comia-se caracol.

A fábrica produzia conserva,

Parlamento jogava na reserva.

 

68

 

Houve no país romarias, festas,

Sobretudo de índole religiosa:

Em Viana, em Lamego, Friestas,

Rezava-se à Madre Preciosa...

Depois do almoço dormiam sestas,

 O rapaz buscava moça jeitosa.

Dançava-se até ao fim do dia,

À noite entrava-se na folia.


69

 

Hitler (e o seu execrável bando),

Começou nova guerra mundial…

Queria submeter tudo ao seu mando,

Como se fora grande general…

Julgava-se maior do que Alexandro,

Mais forte do que Hércules brutal.

Invadiu países, matou milhões,

Viveu um mito, sonhos, ilusões.

 

70

 

Salazar, um pequeno ditador,

Decidiu não entrar na guerra;

Mas era de Hitler admirador,

Achava-o o génio da Terra…

Quase um semideus criador,

Dono do mar, do céu, da serra...  

Usou a tática da hábil aranha:

Escondeu na teia sua gadanha.

 

71

 

Cultivou, dizem, a neutralidade,

Mas apoiando gregos e troianos…

Cínico, pai de toda a maldade,

Vendia a ingleses e germanos

(Ocultando de todos a verdade)

Certos bens de resultados arcanos.

 O crente adorava o patife,

Fabricante da treta, do esquife.


72

 

Salazar (e seu homólogo Franco)

- ambos fascistas, antidemocratas -

Bons bebedores de tinto e branco,

Prepotentes, tiranos, psicopatas…

Marchava como o burro, de tranco,

Falando falsidades, com bravatas...

Julgava-se seguro no seu trono,

 Imitando Zeus ou o seu pai Crono.

 

73

 

O calcanhar de Aquiles do bandido,

Ninguém o detetava, descobria;

Frequentemente calmo, comedido,

Seus segredos no cofre escondia…

Toda a mocidade  tinha perdido

Nos braços da governanta Maria.

Gastara algumas horas com namoro,

Mas jamais deixara o seu decoro.

 

74

 

E o tempo, que a todos atinge,

Deu-lhe como prenda a velhice;

Um corpo de rã, cara de esfinge,

Conversa morna, uma chatice…

Uma doença feia na faringe…

Assim morre o mestre da aldrabice.

Dizem que caiu duma cadeira,

Numa tarde bonita, soalheira.


75

 

Durou mais dois anos, em agonia,

- O demagogo agora aldravado -

Amparado pela velha Maria,

E por muitos médicos observado.

Delirava, de noite e de dia,

Julgando-se pelo povo amado!

Morreu em mil novecentos setenta,

Levando consigo verve e sebenta.

 

76

 

Américo Tomás, o “presidente”,

Pôs no seu lugar o Doutor Marcelo;

Homem “simpático” e sorridente,

Caneta na mão, longe o cutelo…

Trouxe a “primavera” para a gente,

Cheirando a canela e marmelo.

Do regime, fora seu arquiteto:

Fizera soalho, paredes, teto.

 

77

 

Falou através da televisão,

Era um político-professor,

Tinha todo o povinho na mão,

Não suscitava ódio ou pavor…

Querido de Melgaço a Portimão,

Nos Açores, Madeira e Timor.

Continuou a guerra colonial,

Mostrando fúria dum canibal.


78

 

«Renovação na continuidade»

Era o seu discurso preferido;

Amar a Deus, a portugalidade,

 Manter «nosso império» unido…

Pobre Portugal da terna saudade,

No leito doente, assaz ferido.

Acabaram as ditas vacas gordas

Consumam-se as tripas e açordas.

 

79

 

Deu subsídio aos povos rurais,

Sem terem feito quaisquer descontos;

Era milho que dava aos pardais,

E assim ia somando mais pontos…

Pediu às entidades patronais

Dessem ao trabalho mais alguns contos.

Era um político demagogo,

Comunicador, mestre pedagogo.

 

80

 

Tentou negociar com guerrilheiros,

Sobretudo os da Guiné-Bissau:

Amílcar Cabral e seus companheiros

(Capuchinho vermelho, lobo mau)…

Guineenses, ousados e matreiros,

Deram a Marcelo coça com pau.

Em Angola, o Agostinho Neto,

Diz ao português que seja correto.


81

 

Em Moçambique, Samora Machel,

Luta com garra e com fervor,

Despeja no português o seu fel,

Causa ao luso a morte e dor…

Gravou na história seu papel,

Sem ter sido um mestre, ou doutor.

Do novo país foi o presidente,

E morreu de desastre, de repente.

 

82

 

Um livro, quase inofensivo,

Mostrou-se em várias livrarias;

O autor, de chicote, agressivo,

Parco em palavras, fantasias…

De monóculo, militar altivo,

Tentou mudar o rumo às estrias.

Tinha Spínola por seu apelido,

General dum exército vencido.

 

83

 

Título: «Portugal e o Futuro» 

Preconiza as várias mudanças;

Num tom aspérrimo, bastante duro,

Num jogo de incríveis contradanças…

Achando-se amparado, seguro,

Conta suas espingardas e lanças.

A PIDE manda recolher a obra,

A vigilância logo redobra.


84

 

A oposição ficou radiante,

Pensava ter ganho um aliado;

Tão valioso como diamante,

Na luta um verdadeiro soldado.

Mas memória, por vezes distante,

Traiu esse belo sonho forjado.

General Spínola era nazi,

Um chupa-mel como o colibri.

 

85

 

Saíram dos quarteis alguns soldados,

Dizem, para derrubar o governo, 

Mas o seu capitão, inda toldado

Pelas chuvas do terrível inverno,

Regressa de biquinho bem calado

Para os braços do seu sono terno.

Inda não chegara a santa hora

De lançar o fero regime fora.

 

86

 

O regime durou quarenta anos,

Cultivou a maldade e pobreza;

Provocou atroz sofrimento, danos,

Feriu espíritos, a natureza…

Viveu de fraudes, mentiras, enganos,

Cobriu o reles manto da baixeza.

Morou aí ódio, hipocrisia…

Roubou aos lusos anos de alegria.


87

 

Graças ao rijo, valente Otelo,

Na altura um militar de carreira,

Pedindo ao deus Thor o seu martelo,

A Hércules a sua força inteira,

O vil regime cai como farelo,

Ou bêbado depois da bebedeira.

Gizara plano com arte, ciência,

Revelando alta inteligência.

 

87-A

 

Da “toca” traça o rumo da nação,

Dá instruções, assume alto comando,

Tal Júlio César, Napoleão,

Seu cérebro em ondas fervilhando,

Envolto em fúrias de furacão,

Pelo bem do seu povo vai lutando.

Seu exemplo não será esquecido,

Pois tal como um rei já foi ungido.

 

87-B

 

Expulsou do trono o vil tirano,

Um regime cruel, sem liberdade,

Filho de Salazar e de Caetano,

Alimentado de ódio, não verdade;

 Montado num fortíssimo garrano,

Voando no tempo-eternidade.

Chamar-lhe-emos o libertador

Da pátria, da guerra, e da dor.

 

88

 

Vítor Alves, Monge, Vasco Lourenço,

Casanova e Garcia dos Santos…

Com o seu coração a bater, tenso,

E os que eu não menciono, tantos,

Num labor trágico, duro, intenso,

Em suas casas, em alguns recantos,

Jogando entre o azar e a sorte,

Condenaram o regime à morte.

 

89

 

De Santarém veio Salgueiro Maia,

Com duzentos homens a acompanhá-lo;

Gente que não chora, e não desmaia,

Prontos para a luta, com muito calo…

Caminhando avançam rumo à raia,

A fim de derrubar rei, seu vassalo.

No Largo do Carmo, nobre Lisboa,

Aprisionam a feroz leoa.


90

 

Os seus outros colegas, camaradas,

Espalhados pelas ruas da cidade,

Aliados ao povo, com as mãos dadas,

Gritando: liberdade, liberdade…

Nas armas nascem flores encarnadas,

Nos peitos morre tristeza, saudade.

É Portugal que das cinzas renasce,

Que nele o amor de novo pasce.

 

91

 

O nobre vinte e cinco de Abril

Trouxe de novo vida ao país;

O polícia tornou-se gentil,

As feras voltaram aos covis…

Nas lapelas viam-se cravos mil,

Portugal deixou de ser meretriz.

Primeiro de Maio em liberdade

Criou em nós laivos de eternidade.

 

92

 

Nesse dia tão extraordinário

Os letais pides fizeram das suas;

Retiraram da gaveta, armário,

Armas grandes, do tamanho de gruas…

Com elas mataram o Zé, Rosário…

Que se encontravam nas livres ruas.

Não morreram mais porque artilheiros,

Lestos, os fizeram prisioneiros.


93

 

Os famosos e dignos capitães

Que derrubaram regime, governo,

Não condenaram à morte os “cães”

Que meteram os presos no inferno…

Perseguiram Pereiras e Durães,

Roubando-lhes o seu sonho superno.

Em muitos casos não se fez justiça,

Com os vis pides ou padres de missa.

 

94

 

Não botaram Marcelo à fogueira,

Nem o gasto, carcomido Tomás;

Levaram-nos para a ilha da Madeira,

E rapidamente, a todo gás…

Esquecendo que a vida inteira

Foram ladrões, roubadores da paz.

Caetano foi depois para o Brasil,

Protegido pelos tais do canil.

 

95

 

Spínola, caprichoso, mandão,

De todas as estrelas general,

Passa a comandar o galeão,

(Junta de Salvação Nacional)…

Coloca na sombra o capitão,

Que tornara possível Portugal.

Desvaloriza os seus cinco pares

Ficando senhor de terras e mares.

 

96

 

«Rosa Coutinho» e «da Costa Gomes»,

Ficam surpresos com tal atitude;

Em surdina, chamam-lhe feios nomes,

  Acham que ele não é pai da virtude…

«É bem mais parecido aos “gnomes”»!

«Vá para África, prà negritude

Ele bem queria ser minotauro,

Mas tem esqueleto de dinossauro.

 

97

 

Pinheiro de Azevedo “só fumaça”,

Sentia-se a mais naqueles grupos;

Com a pele já gasta pela traça,

E pelo maldito, tremendo lúpus…

Não queria palmas da populaça,

Elogios, vaias ou vis apupos.

Queria reforma compensadora,

Que não lhe dera a «outra senhora».

 

98

 

Silvério Marques e Galvão Melo

Não compreendem tal escolha;

Eram ambos compinchas do Marcelo,

Como o linguado é da solha…

Porque é que Vítor Alves, Otelo,

Os meteram nessa porosa bolha?

Representariam o seu papel

Neste chulo teatro de cordel.


99

 

Diogo Neto é também chamado,

Mas encontra-se algures, ausente;

Quando souber ficará pasmado,

Talvez vaidoso e assaz contente…

Pensava que seria trucidado,

Pela revolução e nova gente…

Que bons capitães, de brandos costumes,

 Perdoam… esquecem os azedumes.

 

100

 

Este povo, crédulo, aturdido,

Bate palmas aos capitães de Abril;

O golpe fora muito bem urdido,

Com bela arte e cuidados mil…

O regime fascista foi vencido,

Os maus fugiram para o Brasil.

 A seguir faz-se a revolução,

O poder é entregue à nação.

 

101

 

Políticos regressam ao país,

Marcam-se para breve eleições;

O povo continua bem feliz,

Semeiam-se milhares de ilusões…

Caça-se a lebre e a perdiz,

Alegria volta aos corações.

Primeiro de Maio em liberdade,

Desperta em nós sã capacidade.

 

102

 

Libertamo-nos do vil ostracismo,

Da subserviência, da tal canga;

De Caetano, do “salazarismo”,

Américo Tomás e sua tanga...

Mas trouxeram-nos o capitalismo

Do país da cola, calça de ganga.

E da Roménia, como castigo,

Veio-nos o tal cigano mendigo.

 

103

 

Reúne-se toda a Assembleia

Para fazer nova Constituição;

Tiram-se muitos presos da cadeia:

Os operários da construção,

Poetas, pescadores da baleia,

Caixeiro viajante, artesão…

Morre a anquilosada censura,

É enterrada com a ditadura.

 

104

 

Destacam-se os novos oradores,

Com discursos longos e inflamados;

Empolgam-se, vibram, sentem ardores,

Rasgam a terra com os seus arados…

Carregam nos ombros castos andores,

Revogam as leis do velho Estado.

Lembro Mário Soares, Cunhal…

Que deram novo rumo a Portugal.

 

105

 

Fundou-se o partido e o inteiro,

Um fundado por Freitas Amaral,

Outro por Francisco de Sá Carneiro;

Eram cem, autêntico festival…

Lutavam pelo lugar cimeiro,

Neste pequeníssimo olival.

Ganhou a social democracia,

Nascida da média burguesia.

 

106

 

Na presidência desta República

Tivemos homens bons, maus e vilões;

“Interessaram-se” pela coisa pública,

Tomaram boas e más decisões…

Alguns, numa atitude abúlica,

Transformaram-se em aberrações.  

A Lei agradou a gregos, troianos,

Apesar dos erros, dos mil enganos.

 

107

 

Surgiram meia centena de bancos,

Capitais portugueses, estrangeiros;

Abriram balcões em Ovar e Tancos,

Em Melgaço, Lourinhã e Ferreiros…

Recolhiam belos marcos e francos,

Moeda querida dos financeiros.

Mas foi vinhedo que deu boa uva,

No tempo do bom sol e pouca chuva.

 

108

 

África: depois da independência,

Nasce guerra civil em Moçambique;

Em Angola, por falta de decência,

Por intensa raiva, ou por despique,

Numa louca febre de ascendência,

Luta-se para ser chefe ou cacique!

Derramou-se imenso fel, sangue,

O país ficou de rastos, exangue.

 

109

 

Quanto à colónia da Guiné,

Com pouca riqueza, não explorada,

Sem pedras preciosas, sem café,

Com o balanta, fula, biafada…

Só carreiros para andar a pé,

Sem caminhos de ferro, má estrada.

Com várias línguas, sem escolas,

Descalços, «manga de ronco», argolas.

 

110

 

Pescam bastante peixe nos seus rios,

Tem o oceano ali bem perto;

 O clima é de calores, nada de frios,

Roupa não os preocupa por certo…

As tempestades causam calafrios,

Rondam terríveis doenças por perto.

Os felupes usam arco e seta,

E habitam felizes na floresta.

 

111

 

Têm bom arroz e óleo de palma,

Têm ótima fruta e com fartura;

Vivem o dia a dia com calma,

Com simplicidade, boa postura…

Invocam do defunto sua alma,

Aceitam, pacientes, a longura.

Na floresta há macacos, a fera,

Por ali não há leão nem pantera.

 

112

 

Cabo Verde, São Tomé, e Timor,

Tornaram-se livres, independentes;

Içaram a bandeira com amor,

São três países em dois continentes…

Lutam com toda a garra e rigor

Por uma economia crescente.

O tamanho por vezes não importa,

Conta o que se tem junto da porta.

 

113

 

Macau foi devolvida aos chineses,

Pois aos chineses ela pertencia;

Fora emprestada aos portugueses

Por vil interesse ou cortesia…

Ali estiveram anos e meses,

Assimilando a chinesaria.

Foram muitos séculos de convívio,

Mas na partida sentiu-se alívio.

 

114

 

Dizer bem ou mal da Revolução,

Não fará sentido, não causa mossa;

Foi feita com cabeça, coração…

Agora é dele, tua e nossa…

Trouxe alegria, muita ilusão,

Por ela houve trolha, muita coça.

Nasceu de um golpe de Estado,

Gizado por oficiais do quadro.

 

115

 

Com o tempo tudo vai para a História:

Golpes de Estado, revoluções…

Os povos continuam, e sem glória,

 A sofrer na pele perseguições…

De quase tudo fica memória,

Através de enormes cronicões.

 Mudam-se modas, a nossa idade,

Só nos restará alfim a saudade.

 

116

 

E eu que nasci para vos contar

A história do nosso país,

Não sei como a irei acabar,

Se superficial ou de raiz…

Vede-a como conto de embalar,

Com final muito belo e feliz.

Mas vou, por bondade de Prometeu,

Ser lançado ao fogo que ele nos deu.

 

117

 

«Ninguém é santo na terra natal»,

Já assim diziam nossos avós;

Mas a nossa terra é Portugal,

Como fora de nossos trisavós…  

Nascer em Melgaço ou Sabugal,

Não nos muda o corpo ou a voz.

Este país «à beira mar plantado»

Há de ser sempre por todos amado.

 

118

 

Eu, que não sou, julgo, nenhum labrego,

Vi-me, confesso, em palpos de aranha;

Mas por casualidade, adrego,

Sem ser estudante na Grã-Bretanha,

Pedindo ajuda a um deus grego,

Indo, como Maomé, à montanha…

Lá consegui acabar esta obra,

Posso, enfim, voltar à minha pobra.

 

119

 

Vou abraçar os meus velhos amigos,

Se é que ainda algum por lá mora;

Comerei com eles belos formigos,

O estonteante doce de amora;

Fumeiro, vinho, são ora inimigos,

Mas por eles nosso paladar chora.

Os anos destruíram nossa mente,

Oxalá dê fruto nossa semente.


FIM