domingo, 27 de agosto de 2023

QUADRAS AO DEUS DARÁ

Por Joaquim A. Rocha 



// continuação de 1/07/2023.


289

 

Em Melgaço fui artista,

Em Lisboa fui bancário,

Na Guiné fui saudosista,

E em Braga refratário!

 

290

 

Como bifes de vitela,

De frango e de peru;

Os olhos da Cinderela,

Belos peitos da Lulu.

 

291

 

Tenho a próstata enorme

Maior do que o tubarão;

É horrenda, mui disforme,

Com focinho de furão.

 

292

 

Quem eu quero não me quer,

E quem me quer eu não quero;

Faça a gente o que fizer,

 O zero é sempre zero!

 

293

 

Dizem que o tabaco mata,

Mas não deixam de fumar;

Neste mundo psicopata,

Ninguém liga ao bem-estar.

 

294

 

Quando Cristo ao céu chegou

Disse, chorando, aos pais:

«Para a Terra eu não vou:

Nunca, nunca, nunca mais 

 

295

 

Quando Cristo chegou ao céu,

Encontrou-o mui vazio.

Foram todos prò inferno,

Pois no céu estava frio.

 

296

 

Apostei num bom cavalo,

E no valente preboste.

Diz-me o velho do Restelo:

«Meu amigo, não aposte

 

297

 

Não te quero ver ao longe,

Nem te quero ver ao perto;

Fizeste-me um dia rir,

És palhaço, és roberto.

 

298

 

A piza do Alexandre

É maior do que um pneu;

Enche a mesa – é tão grande!

Só não enche o papo meu.

 

299

 

«Se eu penso, logo existo»;

Dizia um sábio outrora.

Pois eu existo e não penso,

Vou andando estrada fora.

 

300

 

Acaba tudo na vida:

Alegria, a ilusão…

Só não acaba vencida,

A maldita corrupção!

 

301

 

Tinha sete fios de ouro,

Três de prata e platina;

Vendi esse meu tesouro,

Comprei uma carabina.

 

302

 

Não queiras deitar foguetes

Antes de a festa acabar;

Nunca estendas os tapetes

Sem a visita chegar.

 

303

 

Sou um velho cangaceiro,

Passo a vida a roubar;

Um dia furtei-te a alma

Para comigo casar.

 

304

 

«Adeus que te vais embora,

Adeus que te embora vais»;

Chegou por fim tua hora,

Não te quiseram cá mais!

 

305

 

          - «Ó minha mãe vou ao eido,

Já lá deve estar Maria

- «Ó meu filho, eu te peido,

Vem antes do meio-dia

 

306

 

- «Vem antes do meio-dia,

Antes que teu padre volte

- «Ó minha mãe, eu virei,

Tenho medo que me açoute

 

307

 

Cevide é a minha terra,

O lugar onde eu nasci;

Fica entre rios, a serra,

Entre danos que sofri.

 

308

 

Ai, quem me dera viver,

Para sempre, eternamente;

Sem doenças, sem sofrer,

Num bom corpo, sã a mente.

 

309

 

É “peniquinho do céu

Esta Braga bem minhota.

- Ó São Pedro, és sandeu,

Ou tens a bexiga rota.

 

310

 

O Aleixo é famoso

Por quadras escrever;

Eu, que as escrevo por gozo,

Nenhuma fama irei ter.

 

311

 

Pedi a António Aleixo

Que me desse inspiração.

- «N’Este Livro Que Vos Deixo»

Há lições até mais não.

 

312

 

Não peço nada a ninguém,

O que me dão, eu mereço;

O pedir nunca fez bem,

Aprendi isso no berço.

 

313

 

Quando eu era pequenino

Andava descalço e roto;

Comi cebola, pepino,

E também folhas de loto.

 

314

 

Apesar de pobrezinho

Nunca roubei, isso nunca;

Comi pão e bebi vinho,

Morava na espelunca.

 

315

 

Se queres minha amizade,

Nunca me peças dinheiro;

Vai pedir ao sor abade,

Que o ganha o ano inteiro.

 

316

 

O padre da minha aldeia

É um tipo bem castiço;

Ao jantar chama-lhe ceia,

Ao paio chama chouriço!

 

317

 

O padre da minha terra

Adora o mulherio;

Leva-as a todas prà serra

Pra lhes amainar o cio.

 

318

 

O padre da freguesia

É um perfeito atleta;

Corre de noite e de dia

Montado na bicicleta.

 

319

 

O padre Aníbal, coitado,

Estava velho pra isso.

Só falava do passado,

Do presunto e do chouriço.

 

320

 

Gostava de ir caçar,

Com a velha caçadeira;

Atirava a uma lebre,

Matava uma varejeira.

 

321

 

Gostava de ir caçar,

Com uma velha pistola;

Atirava à codorniz,

Matava uma galinhola.

 

322

 

Ai quem me dera voltar

Àquela infância perdida;

Gozar à noite o luar,

Dar ao sol a minha vida.

 

323

 

Amália morreu chorando,

A pensar nos portugueses;

Vivera sempre cantando,

Muitos fados, entremezes.

 

324

 

Eu digo canté, canté,

Como disse Pirilau;

O João diz-nos olé!

A Marisa diz xau-xau!

 

325

 

Eu faço quadras soltas

Sem constrangimento ou medos;

Parecem ondas revoltas

Batendo contra rochedos.


// continua...

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