segunda-feira, 7 de agosto de 2023

 


// continuação de 7/06/2023


54

 

Ascendeu ao trono Dom Pedro Quinto,

Tinha dezoito anos de idade;

Era inda um jovem, um tenro pinto,

Mas revelou tino, maturidade...

Reinara seu pai, no real recinto,

No seus três anos de menoridade.

Teve por mulher Dona Estefânia,

Que não nascera nesta Lusitânia.

 

55

 

Chamaram-lhe o príncipe da virtude,

O rei «esperançoso», muito amado;

Seu peito firme, forte, não ilude,

Tem alma, um carácter elevado.

Seu olhar sereno é como grude,

Atrai, fascina, é adocicado.

Fados destinaram-lhe curta vida,

A ele e à sua mulher querida.

 

56

 

A cólera-morbo, febre amarela,

 Invadem o país de lés a lés;

Muito povo desta terra esfarela,

Mata os pobres, ricos, as ralés.

A rainha morre, coitada dela,

Foi levada pelas ondas, marés.

Seu viúvo só viveu mais dois anos,

Sofrendo angústias, cem mil danos.                           

57

 

A França criou-lhe um grave problema,

Exigindo o resgate dum navio;

Difícil situação, um dilema…

Viu o caso de fio a pavio,

Nunca abordara este tema;

Forçoso era arranjar atavio.

O barco era pirata, negreiro,

Traficava negros no mundo inteiro.

 

58

 

A França era nação poderosa,

Com potencial bélico agressivo;

Enfrentá-la era ideia custosa,

Portugal era um país passivo...

Aquela atividade era rendosa,

Rendia mais do que o ouro no crivo.

Pedro Quinto cedeu às exigências,

Para fugir às futuras consequências.

 

59

 

Nasce agora o caminho de ferro,

Primeiro de Lisboa ao Carregado;

De início um bocado perro,

A pouco e pouco melhorado.

Ninguém fez o prematuro enterro,

Gostaram dele, foi acarinhado.

Levou gentinha a todas as terras,

Subindo montes, montanhas e serras.


60

 

Construiu a Faculdade de Letras,

O Observatório Astronómico;

Sem vistosos discursos, sem vãs tretas,

Sem trejeitos de um artista cómico.

Falava verdade, odiava petas,

Dizia-se poeta, anatómico.

Em mil oitocentos sessenta e tanto

Larga este mundo, quase um santo.

 

61

 

Como não deixa qualquer descendência,

Sucede-lhe Luís, o «Popular»;

É um tempo calmo, sem turbulência,

Noites calmas, límpidas, de luar;

Alto, de excelente aparência,

Um pouco gordo, de pesado andar.

Promove vários melhoramentos:

Estradas, o comboio, monumentos.

 

62

 

Um dos grandes feitos deste reinado

Foi a abolição da pena de morte;

O criminoso civil declarado,

Quer fosse das ilhas, centro, sul, norte,

Matasse, virgem tivesse violado,

Não ouvirá a sentença de Mavorte…

Por essa grande reforma penal

Recebeu elogios Portugal.


63

 

Não foi fácil destruir essa pena,

Há anos na nossa legislação;

O tribunal era uma arena,

Aí se ditava morte ou prisão...

Nem um milagre de Santa Helena

Daria ao preso a salvação.

Tudo tinha a ver com a cultura,

Com os velhos hábitos, impostura.

 

64

 

Com o tempo tudo foi melhorando,

Até a escravatura findou;

Os génios foram-se acalmando,

Uma nova era por fim brotou…

Mas o terrível mal foi germinando,

O término da paz por fim chegou…  

A gente humana, dona da Terra,

Brinca com o fogo ao fazer guerra.

 

65

 

O caminho de ferro, já avança,

Espalha-se paulatinamente;

A telegrafia é uma esperança,

O telegrama vai para toda a gente.

O banco também seu lugar alcança,

Dinheiro circula alegre, contente.

Marinha mercante ficou em terra,

Para crescer a marinha de guerra.


66

 

Eis a chamada era do fontismo,

Que traz ao país modernização;

Parece que morreu o egoísmo,

Nascendo a seguir a coesão…

Tudo no seguimento do vintismo,

Daquela sonhada revolução.

Mas o bem não dura eternamente,

Porque o mal tem quem o alimente.

 

67

 

Agricultura terá curta esmola,

É parente pobre do orçamento;

Inda se usa a charrua, a sachola,

O camponês mal ganha prò sustento.

Nas ruas vêem-se padres com estola,

Indústria é fraca de momento.

Serpa vai de Luanda ao Natal,

Elevando o nome de Portugal.

 

68

 

Capelo e Ivens exploram sertão

Daquelas Áfricas quentes, escaldantes;

Moçâmedes e Quelimane são,

Pisadas por estes cavaleiros-andantes.

Na Europa causou admiração,

Este feito de titãs, de gigantes.

E vai crescendo assim a ciência,

Com imenso esforço e paciência.

 

69

 

França assinou connosco um tratado,

No qual aceitava a soberania

Daquele território explorado;

Logo a Alemanha, por simpatia,

Assina o tal documento citado...

Inglaterra rejeitou, que ironia!

Nossa aliada de tanto ano,

Portou-se como velho pai tirano!

 

70

 

Luís casou  com Dona Maria Pia,

Jovem de origem italiana,

De ânimo varonil noite e dia,

Com um olhar límpido, não sacana;

Não temendo o frio, invernia,

Adorando no altar Santa Ana.

Chamavam-lhe «Anjo da Caridade»

Por dar  sobras aos pobres da cidade.

 

71

 

Ficou quase demente, a coitada,

Aquando da morte de seu filho;

Partiu para o castelo da cunhada,

Já sem pose, nem estilo ou brilho;

Dizem que não notou, não deu por nada,

Era como bailasse no sarilho.

Finou-se na sua terra natal,

Chorando talvez este Portugal.


72

 

Neste reinado houve cem campanhas,

Nas terras de Moçambique e Angola;

Usou-se velhas armas, novas manhas,

Espingarda, catana, a pistola...

Passaram rios, pequenas montanhas,

Às costas levavam rija sacola.

Gomes de Almeida e Nunes da Mata

Põem os Dembos sob a sua pata.

              

73

 

Indígenas de Malange, Ambaca,

Enfrentam duras tropas portuguesas;

O natural esforça-se, forte ataca,

Mas os lusos com artes e vilezas,

Como já fizeram antes em Malaca,

Transformam-nos em nada, em pobrezas.

O grande herói, Teixeira Beltrão,

Recebeu do governo um medalhão.

 

74

 

Em Moçambique abatem macololos,

Como se foram tigres ou serpentes;

Através de artimanhas, mil dolos,

Exterminam aquelas pobres gentes.

Podiam ser tudo, até parolos…

Eram, podem crer, de nós diferentes.

Não me venham gabar tamanhos feitos,

Pois para mim são apenas defeitos.

 

75

 

Mil oitocentos oitenta e nove

Morre o popular rei Dom Luís;

Este Portugal chora, do céu chove,

Pela morte deste ser tão feliz.

Dom Carlos ao trono sobe,

Herdando de seu pai  nobre matriz.

Os ingleses, como bichos do mato,

Mandam a Portugal o ultimato.

 

76

 

O jovem rei cedeu à imposição,

Mandou o mapa-cor-de-rosa à fava;

A Inglaterra era grande nação,

Os seus canhões tudo espatifava.

Acho correta sua decisão,

Uma prova de humildade dava.

Ainda bem que não quis o confronto

Pois para isso não estava pronto.

 

77

 

Grande, temível chefe Gungunhana,

À frente dos vátuas de Moçambique,

Mais subtil do que cómica gincana,

Mais produtivo do que o alambique,

Pois tinha filhos em Lola e Ana,

Assustava lusos noutra Ourique.

Era alto, forte como um touro,

Possuía farpas como o besouro.


78

 

Não queria no seu chão os portugueses,

Tudo fazia para os escorraçar;

Chamava-lhes tiranos e soezes,

Mandava-os embora, para o mar;

Fossem disseminar as suas teses

Para a fria Sibéria do Czar.

Porém o luso, audaz, dá-lhe luta,

A terra do negro régulo disputa.

 

79

 

Xavier vence-o em Marraquene,

Humilha-o, chama-lhe a atenção;

Num tom poderoso, alto, solene,

Diz que ele é traidor à nação.

O soba diz-lhe que o deus perene

O ajudará, dar-lhe-á a mão.

Mouzinho Albuquerque, tal dinamite,

Esmaga-o  na zona de Chaimite.

 

80

 

Outras derrotas sofreu em batalha,

Por Freire de Andrade e Galhardo;

Em Magul, Coolela, o canalha,

Fica de rastos, um simples javardo.

No entanto, novas cartas baralha,

Ganha forças como o leopardo.

Enfrenta de novo o inimigo,

Apesar de saber que corre perigo.


81

 

Morre com sessenta e cinco anos,

Em Angra do Heroísmo, Açores;

Vivera de fraudes, de mil enganos,

Causara mortes, mil horrores;

Ficou na lista dos médios tiranos,

Entre os ditos reizinhos senhores.

Neto do Manicusse celebrado,

E filho de Muzila pouco amado.

 

82

 

Mafemane, o seu irmão mais velho,

Foi por ele mandado assassinar;

Tratou-o como a escaravelho,

O qual deveria por lei reinar.

Triturou-o, com forte, duro relho,

Até o infeliz no chão tombar.

Era terrível esse Gungunhana,

Mais perigoso que parca tirana.


// continua... 

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