terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO 



MELGAÇO E O SEU FERIADO CONCELHIO

  

     «É decorrido cerca de um ano após o feriado concelhio de Melgaço, que se verifica a 5 de Maio de cada ano. Em todas as terras da província os feriados concelhios coincidem com festas religiosas e pagãs que todas as cidades e vilas promovem em benefício do seu turismo, do seu comércio, das suas indústrias, numa palavra, de tudo quanto contribua para o progresso material e moral de um povo que tenta progredir e quase sempre o consegue, porque o querer é uma força. Quem inicia uma viagem, vindo do Porto, através deste jardim sempre florido e encantador que é o Minho, constata esse facto animador. Famalicão, onde se realizam todos os anos grandiosas festas e feiras francas, que dá (?) o cartaz berrante de um povo cheio de vitalidade. Braga, com o seu São João, agora à porta, festas magníficas e pomposas, com a sua reputação feita por milhares e milhares de forasteiros que aproveitam essa excelente oportunidade para visitarem a cidade dos arcebispos, sempre velha e sempre nova. Barcelos, da minha particular afeição, móvel e ridente cidade que o Cávado banha com carícias de apaixonado… Festas das Cruzes. Garridice e bulício – todo um povo de noventa e cinco freguesias (salvo erro) a deslocar-se, nesses três dias de coração à larga, para a sua linda cidade, a gozar, a divertir, e – o que é melhor – a gastar. Barcelos! Terra formosa entre as formosas. E perdoem-me, se o elogio em boca própria é vitupério, como alguém já afirmou. Depois começa a subida para o Alto Minho. Viana do Castelo – a cidade feiticeira pelos encantos com que a natureza, sempre pródiga, a dotou. A Senhora da Agonia, a lembrar ao povo que nem tudo são tristezas nesta vida. Festas, também, de reputação feita. “Lindos frisos” de mulheres bonitas (que os trajes regionais mais fazem ressaltar aos olhos de um mundo fascinado por tanta beleza e harmonia…) Um pouco mais para cima, Caminha, toda fresca e lavadinha, ali às portas de Espanha, como que a mostrar a estranhos que em Portugal é tudo assim – a recender frescura. Santa Rita, festa grande do concelho. Um pouco de vida movimentada na monotonia provinciana. Depois, mais para cima ainda, Cerveira, Valença, Monção, todas à porfia a ver qual delas faz melhor de ano para ano. Nos tempos que vão correndo, a concorrência é tudo. Até nas festas! Chega-se a Melgaço e pronto, senhores: somos duchados por um jacto de água fria que nos enregela a sensibilidade! Peço mil desculpas aos melgacenses que sempre me têm acolhido com a maior benevolência. Mas a verdade é só uma, e a verdade é esta: em Melgaço dorme-se em demasia. Vive-se como que numa ilha deserta, desprovida de T.S.F. que nos ligue (peço licença para falar no plural) com o mundo actual, a vida que passa – uma vida toda feita de saltos bruscos, rápidos e contínuos, mexida e febricitante, a estimular os nervos, as energias e as vontades de quem não deseja ficar pelo caminho… No dia 5 de Maio concedeu-se feriado no concelho. Melhor fora que o não tivessem concedido. O trabalho, ao menos, distrai. Uma banda de música e uma procissão é pouco, mesmo muito pouco, para que tal regalia seja concedida, onde [dela] alguém se aproveite. Qualquer coisa que se parecesse com uma festa, sim; e isso não era difícil, mesmo nestes tempos calamitosos de crise. O ponto era que todas as pessoas da terra, e até estranhos que nela vivem, com responsabilidades morais, acordassem do sono letárgico em que permanecem. A Câmara Municipal, Comércio, Indústria e Povo, tudo devia congregar-se para um mesmo fim. Atrair o forasteiro por todas as formas ao seu alcance. Não deviam desprezar a data do feriado concelhio, realizando as festas do concelho. Não eram precisas pompas desmedidas. Bastava que os brios da terra não fossem apoucados. E isto, repetimos, não representa nenhum bicho de sete-cabeças. A menos que, para propagandear a terra, julguem mais do que suficiente a acção benéfica e miraculosa das Águas do Peso, deixando à sua reputação esse trabalho que a todos, sem excepção, pertencia.»         

 

Baltazar Benfeito (Notícias de Melgaço n.º 152, de 5/6/1932).

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