ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
UMA PRENDA PARA OS MELGACENSES
O padre Júlio deu, através desta obra, a
todos os melgacenses, sobretudo às gerações mais novas, a possibilidade de
conhecerem os trabalhos desse infatigável investigador por conta própria que
foi o Aldomar Rodrigues Soares. Interrogo-me, e outros se interrogarão comigo,
como conseguiu ele tanta informação, manusear tantos documentos: crónicas
antigas, jornais de província e milhares de diários do governo, além de
centenas de assentos de batismo, casamento e óbito; ler páginas e páginas de
livros de História, além de outras leituras, em tão pouco tempo (faleceu com 49 anos de idade, mas aos 33 adoeceu gravemente,
doença «que lhe causou a surdez total e
parilisia do flanco direito») e nas
condições adversas em que o conseguiu!
Não acredito muito em seres
sobredotados, mas é óbvio que o Mário produziu obra grande sem a ajuda de
computadores ou de mestres consagrados, ou mesmo de grandes recursos
financeiros, que não possuía! Estamos perante um homem extraordinário, que
lutou rijamente contra a adversidade e venceu. Os jovens que hoje procuram
heróis como modelos e que normalmente os encontram nos músicos europeus e americanos,
que casam a energia e o talento com a perversidade, reparem neste símbolo de
humildade e saber, que nos oferece de graça o seu tesouro, o seu património
intelectual.
A História de Melgaço enriqueceu imenso
com a publicação deste livro – das lacunas existentes muitas delas foram agora
colmatadas; outras aguardarão a sua vez. Não me custa acreditar que o autor,
com este seu exemplo, venha a criar apetência pela investigação a muitos
jovens. Mário penetrou fundo em várias disciplinas, geralmente reservadas a
especialistas: sociologia, linguística, história, heráldica, toponímia,
hidrografia, genealogia, etc.
Aldomar não foi um cientista
profissional porque as circunstâncias em que viveu não lho permitiram, mas foi,
isso sim, um amador no sentido nobre da palavra – amou aquilo que fez e o
resultado está agora à vista de todos. Algumas pessoas, querendo-o apoucar,
poderão eventualmente argumentar que ele não passou de um simples curioso e que
devido à sua prolongada doença essas coscuvilhices históricas ajudá-lo-iam a
passar o tempo. Se ouvirem dizer tal coisa, não acreditem: existem milhões de
pessoas doentes no planeta e que eu saiba a grande maioria não se dedica à
investigação, pelo contrário, deixam-se quase sempre levar pela doença, ficando
abatidas e incapazes de produzir seja o que for de útil ou de belo – o nosso
escritor foi uma exceção.
O livro enferma, como os leitores hão-de
verificar, de alguns lapsos, algumas imprecisões, que oportunamente apontarei;
uns serão simples erros tipográficos, outros não. Se figuras proeminentes das
ciências e das artes os cometem, munidos como estão de equipamentos
sofisticadíssimos, e de pessoal às ordens para os auxiliarem em tudo de que
precisam, por que não o Mário que apenas se tinha a si próprio e com enormíssimas
carências?
A segunda parte, que começa na página 257,
insere os poetas, romancistas, investigadores, artistas (fotografia, arte sacra, pintura, teatro, música, etc.) que formam a plêiade melgacense, uns já desaparecidos,
outros vivos, agora todos irmanados numa publicação de grande qualidade. Outras
personalidades foram omitidas, não por desprezo ou outra qualquer razão
obscura, pois o padre Júlio tudo fez para não discriminar fosse quem fosse, mas
sim por se tratar de pessoas que de Melgaço apenas possuem uma ténue lembrança
e até uma delas (José Luís Pires Laranjeira, nascido no
hospital da Misericórdia em 1950, mestre em Línguas e Literaturas, professor na
Universidade de Coimbra, poeta, jornalista, contista) me disse, quando com ele conversei na Sociedade de Língua
Portuguesa, que a sua terra desde há muitos anos era Rio Tinto – de Melgaço já
pouco se lembrava!
Que diferença: os professores melgacenses
que se encontram a lecionar nas Universidades do Porto e Braga, esses sim, amam
o seu torrão natal e dedicam-lhe bastante do seu tempo e da sua ciência. Não
quero também esquecer o arquiteto Luís de Magalhães Fernandes Pinto porque,
embora não lhe conheça a obra da sua especialidade no concelho, colaborou na edição
de «O Meu Livro das gerações Melgacenses», trabalho genealógico do Dr. Augusto
César Esteves, cuja importância nunca será de mais realçar, apesar de nele não
se incluir um ror de apelidos – uma falha!
Como os últimos nem sempre o são, quero
agora referir-me à capa do livro: como certa vez já o disse, eu não sou especilalista
nesta matéria, por isso a minha opinião é fruto apenas de um olhar furtivo e
global, descurando pormenores, passando em claro aqueles pequenos nadas que,
por isso mesmo, fazem a grandeza do mestre. Para mim a capa está adequada à
matéria do livro: sóbria, com uma cor discreta, que por o ser partilha de uma
intimidade que se deseja, tendo em conta não só o rigor das ciências mas também
a sua não espetacularidade. Dizia-me certo dia um editor que a capa de um livro
deve dar de imediato ao leitor a ideia daquilo que vai ler. Isto é: para
assuntos sérios, uma “roupagem” a condizer. Manuel Igrejas dispensa elogios,
pois o seu talento e arte já estão bastante divulgados e a sua obra, da qual
conhecemos apenas uma milionésima parte, está um pouco espalhada por todo o
lado.
Não queria acabar este artigo sem
mencionar o poeta Ribeiro da Silva, professor e antigo diretor do Notícias de
Melgaço, a quem o Gú se refere no seu livro «Poesia Popular», dizendo que foi
por ele influenciado e que lançou as suas gazetilhas «sob suas indicações e seus ensinamentos».
Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1060, de 1/11/1996.
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